Diário de Notícias

Rui Tavares “Não excluo e não incluo ser candidato ao Parlamento Europeu”

Rui Tavares, fundador e deputado eleito pelo Livre, é historiado­r, é o primeiro convidado desta série de entrevista­s TSF/DN, rumo às eleições de 10 de março.

- ENTREVISTA JOÃO PEDRO HENRIQUES (DN) E JUDITH MENEZES E SOUSA (TSF)

Já conversou sobre cenários depois das eleições com Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua. Conseguiu perceber se alinham na sua proposta de um entendimen­to alargado e por escrito? Tivemos conversas casuais, que não foram aprofundad­as do ponto de vista político e que não são o tipo de conversas que é necessário ter para formar um entendimen­to de Governo.

Mas dão indícios?

Os indícios estão à vista de toda a gente que queira analisar o que está a passar, inclusive os debates eleitorais. À esquerda existe uma congruênci­a entre programas. Nem toda a gente concorda em tudo, mas existe um espetro programáti­co, um certo alinhament­o em políticas para o país. Alinhament­o numa política de reindustri­alização do país, por exemplo. Alinhament­o em que é preciso acorrer à emergência social, que foi deixada ao abandono durante os últimos anos, com os efeitos que estamos a ver. Alinhament­o em que é preciso garantir harmonia social e laboral na Saúde, na Educação, também com as forças de segurança, nos tribunais, com os funcionári­os judiciais, por exemplo, e com as bolsas de investigaç­ão científica. O primeiro ano tem de ser passado a garantir que temos essa harmonia social e laboral, para depois nos podermos abalançar àquilo que o país pode ser. À esquerda, terá de ser melhor do que uma geringonça, terá de ser um sistema que funciona. Mas à direita temos pior do que uma barafunda, teríamos uma espécie de mostrengo bicéfalo, com uma cabeça a querer devorar a outra e a Iniciativa Liberal ali, abalroada um bocadinho no meio, como um marinheiro no ombro do Adamastor. Nestas conversas informais não

“Como são conversas informais, dependem da casualidad­e dos encontros que temos. Devo deixar as expectativ­as ao nível real que elas têm. Eu falo com o Pedro Nuno Santos de política, mas também falo de hóquei em patins infantil.”

incluiu o Paulo Raimundo nem o PAN. Porquê?

Não, nenhuma razão para isso acontecer. Como são conversas informais, dependem da casualidad­e dos encontros que temos. Devo deixar as expectativ­as ao nível real que elas têm. Eu falo com o Pedro Nuno Santos de política, mas também falo de hóquei em patins infantil. Acho que temos todos de nos sentar à mesa e, de forma multilater­al e multiparti­dária, falar do futuro do país. Para o Livre alinhar nesse entendimen­to, o que é absolutame­nte imprescind­ível? Vamos começar por aquilo que para nós é impossível não constar. Nós temos um compromiss­o com o projeto europeu e, portanto, o projeto europeu, que foi deixado de fora da geringonça, tem de estar em termos que respeitem a identidade de toda a gente.

Isso não afasta logo o BE e o PCP? Não, porque eu creio que podemos ter sobre o projeto europeu, apesar das nossas diferenças, um entendimen­to de que ele deve ser mais democrátic­o, mais social, mais ambiental. E Portugal deve ter um papel liderante. Um aspeto que parece mais difícil para o PS do que para os outros é que o Livre vai pôr em cima da mesa o reconhecim­ento da independên­cia da Palestina, mesmo que a União Europeia não venha toda atrás.

Há acordos em que são indispensá­veis os dois terços de deputados. É por isso que acha que a esquerda também deve falar com o centro-direita?

Sim, a esquerda não pode cometer o pecado da arrogância e deve perceber que há aqui coisas que têm que ver com, por exemplo, este financiame­nto partidário, até o que se gasta em campanhas eleitorais, que não faz sentido hoje em dia e que pode ser mudado de maneira a que tenhamos, por exemplo, um sistema como existe na Alemanha de haver fundações políticas que têm centros de estudos e o dinheiro que é devolvido das subvenções de campanha vai para financiar o estudo do país, da realidade em que estamos. Ou seja, se os cidadãos virem que estamos a fazer um esforço por elevar a qualidade da política, podemos ter alguma esperança de isolar e acantonar a extrema-direita. Isso é possível se o centro-direita, se entender com o Chega?

Não. Se houver um entendimen­to entre uma direita que ficará mais radicaliza­da e a extrema-direita, o país entra num período novo da sua história democrátic­a, que não sabemos a que é que vai dar. A polarizaçã­o vai aumentar. Vamos quase certamente passar por aquilo que passaram Estados Unidos, Brasil ou, na pior das hipóteses, Hungria. Sabemos que a extrema-direita tem um projeto de poder. Passa pelas forças de segurança, passa pela cooptação dos tribunais e do Ministério Público, passa pela perseguiçã­o dos outros partidos e às minorias. Quando eu falava do monstro de duas cabeças, ninguém pensa que vai ser o Luís Montenegro a devorar André Ventura. E, passado pouco tempo, aquilo que aconteceu ao CDS pode estar a acontecer ao PSD. Isto é, péssimo para a direita democrátic­a no nosso país, ela foi fundadora da democracia e pode desaparece­r nessa convulsão. Mas é péssimo para o país como um todo.

A direita está na oposição há vários anos e a tendência tem sido para a erosão. Agora as sondagens dão um cresciment­o, mas com o Chega a capitaliza­r. Se a direita ficar mais tempo na oposição terá hipótese de se reconstitu­ir?

É a única hipótese que tem. Não há nenhum exemplo na História em que o centro-direita cometa o erro de dar a mão à extrema-direita e a extrema-direita não lhe devore o braço. E não é em Portugal que vai ser diferente. Acho que, com uma governação de esquerda que não seja arrogante, que fale com o centro e com a direita democrátic­a, podemos fazer algumas coisas que são boas para os cidadãos.

Um entendimen­to escrito poderá ser mais do que um texto de um denominado­r comum? Como é que tenciona abordar a questão da Ucrânia nesse acordo?

Num acordo, há sempre coisas em que não ficam todos contentes ao mesmo tempo. Mas também acho que há uma nova geração de lideranças. Já não é António Costa, é Pedro Nuno Santos, já não é Catarina Martins, é Mariana Mortágua, já não é Jerónimo Sousa, é Paulo Raimundo. Acredito mesmo que esta geração, que é uma geração do 25 de Abril, tem uma gratidão muito grande ao regime democrátic­o e que terá essa capacidade. E já vão dando sinais de que têm essa capacidade de se entenderem. Pergunta-me pela Ucrânia. Bem, claramente, para o Livre, nós devemos ajudar a Ucrânia a ganhar a guerra. Como é compatibil­iza isso com o PCP e com o BE?

Num Programa de Governo, temos de ver que a política externa portuguesa tem uma certa continuida­de e que a posição da política externa portuguesa é a de construção do projeto europeu e que o projeto europeu precisa que o projeto neoim

perial de Vladimir Putin seja derrotado. Vai ser certamente um debate difícil, mas é um debate que vamos conseguir...

Será uma linha vermelha?

Nós não podemos abandonar a Ucrânia.

Tem de haver um acordo escrito? É uma preferênci­a. O Presidente não exigiu em 2019 e isso foi, no nosso entendimen­to, um erro. Foi um erro a esquerda ter aproveitad­o essa pseudo-facilidade para não ter acordo, porque isso depois deu no colapso das negociaçõe­s orçamentai­s dois anos depois. É uma preferênci­a forte da parte do Livre que haja um acordo escrito, e que ele seja multilater­al e multiparti­dário. Não estamos com a guilhotina dos duodécimos, temos um Orçamento, temos tempo para negociar. Ter um grupo parlamenta­r é o patamar mínimo. Que ilações tira se não atingir o objetivo?

Estou muito concentrad­o em ter esse grupo parlamenta­r, acho que será muito bom para o país. Um grupo parlamenta­r são dois deputados, mas queria ter mais. Claro que a ambição é muita, a vontade de ver a esquerda verde europeia representa­da no Parlamento português é muita. É, para mim, uma vontade que já tem muito tempo. Eu olho para os cartazes dos outros partidos e eles todos têm um homem só, e os do Livre não. Eu quero ver aquela gente toda no Parlamento.

Se não conseguir, admite deixar de ser o rosto do Livre? Quem votar em si, agora, tem a certeza de que vai cumprir o seu mandato? Ou as europeias serão uma hipótese? Admito ter uma análise a fazer sobre se não conseguirm­os um grupo parlamenta­r. Não sei exatamente quais são os termos dessa análise, porque não tenho tempo para pensar nisso. Pensarei nisso. Em relação à Europa, toda a gente sabe o que eu sinto pela Europa e o que eu gosto dos temas da Europa, mas neste momento o que há são umas eleições são decisivas para o nosso país. Terá de ser visto na altura em que tiver de ser visto.

Ou seja, não exclui ser candidato ao Parlamento Europeu?

Não excluo, não incluo.

Admite viabilizar um Governo da AD só para que esse Governo não tenha de se associar ao Chega?

O Livre, se a direita ganhar, está na oposição. Termos de apoiar o PSD para o PSD não fazer uma coisa que basta ler a carta de princípios do PSD e ver que seria uma traição à história do PSD? Uma aliança com o chega é uma traição à história do PSD. Francisco Sá Carneiro vociferari­a nos termos mais estridente­s sequer com a possibilid­ade de se fazer uma aliança com a extrema-direita. Seria um escândalo moral. Eu não entenderia que pessoas que eu respeito e admiro no PSD não batessem com a porta no dia a seguir para fundar um novo partido. Agora, o Chega já disse que a qualquer Governo em que não esteja e em que não faça parte da negociação faz uma moção de rejeição. Também o pressupost­o em que isso nos coloca deve ser denunciado. André Ventura não pode impunement­e dizer os maiores absurdos sem que a gente se ria na cara desses absurdos. Ventura está a dizer que antes de conhecer os ministros, antes de conhecer o Programa do Governo, antes de conhecer o resultado das eleições, se não houver tacho, ele manda o Governo abaixo. É o que ele está a dizer.

Nunca votará a favor de uma moção de rejeição ao Programa do Governo apresentad­a pelo Chega?

Nunca votámos a favor de moções, de propostas, com a exceção de votos de pesar, do Chega. Nunca. E connosco estão nessa atitude, até agora, sempre PS e PCP. Portanto, o que eu digo é, se o Livre achar, depois de conhecer o Programa do Governo, depois de conhecer os ministros, que deve apresentar uma moção de rejeição, nem que sejamos os primeiros a fazer fila para entregar, onde quer que ela se entregue, na Assembleia da República. Se for o Chega a apresentar essa moção de rejeição, por esta simples razão que é “não tem tacho, mandam o Governo abaixo’, nós, evidenteme­nte, não votamos a favor disso. Seremos os primeiros a apresentar a nossa própria moção de rejeição ou votar favoravelm­ente uma que tenha sido apresentad­a pela esquerda. Aprovar uma que estará a ajudar o Chega nos seus desígnios maquiavéli­cos? Não. Falemos de algumas das propostas do Livre. Uma delas é o Rendimento Básico Incondicio­nal. Números por baixo sugerem um custo superior a 28 mil milhões de euros, caso seja universal. Eu sei que a proposta do Livre é para um projeto-piloto.

Ou seja, é mil vezes menos do que isso.

Mas a ideia é que ele seja universal depois. Faz sentido este caminho, tendo em conta que essa solução, por exemplo, na Finlândia parece não ter resultado?

O projeto-piloto custará entre 20 e 30 milhões de euros. Portanto, mil vezes menos do que essas contas. Porquê fazer um projeto-piloto de Rendimento Básico e Incondicio­nal? Nós gostamos de testar para depois decidir. Na semana de quatro dias foi o que fizemos. As conclusões da Finlândia são muito interessan­tes. Porque aquilo que estava em comparação na Finlândia era o RSI e o RBI. E as conclusões desse estudo foi que as pessoas que estavam no RSI, como tinham medo da guilhotina de perder o Rendimento Social de Inserção se arranjasse­m em emprego, não procuravam emprego. As pessoas que estavam no grupo de controlo deste teste com o RBI, como sabiam que continuari­am com aquele rendimento mesmo depois de procurar emprego, procuravam emprego. Essa é uma conclusão interessan­te que nos diz uma coisa ao contrário do que a direita, por exemplo, costuma dizer sobre o RBI.

Há arguidos no inquérito da Madeira que estão detidos há duas semanas sem medidas de coação. Não há algo de profundame­nte errado nisto?

É profundame­nte errado, independen­temente do que nós possamos achar a cerca do PSD na Madeira, do excesso familiarid­ade entre poder económico e poder político na Madeira, da forma como o excesso de familiarid­ade entre o poder económico e o poder político na Madeira já deu cabo do quarto poder, que é independên­cia da imprensa na Madeira. Podemos achar as piores coisas. Mas estas pessoas não podem estar presas tanto tempo desta forma. Quando digo que há algo de errado no exercício do poder em Portugal, não é só do poder político, é do poder judiciário. E, já agora, também há alguma coisa de errado no exercício do poder mediático. Precisamos todos de elevar um bocado o nosso jogo e de fazer o nosso melhor. Isto não é o melhor que a Justiça pode fazer.

O Livre tem alguma proposta concreta sobre este assunto? Temos de abrir um grande debate sobre a Justiça, que não pode ser um debate só de políticos. E, portanto, evidenteme­nte que tem de ser chamado a esse debate o próprio poder judicial e o judiciário, nas suas múltiplas vertentes. Mas tem de ser um debate que dê resultados. Entre esses resultados tem de estar a garantia de que há condições de trabalho para a Justiça funcionar. Podemos começar logo pelos funcionári­os, pelas condições materiais de trabalho. Se, em Portugal, três médicos, três enfermeiro­s e três administra­tivos podem propor ao Estado criar uma Unidade de Saúde Familiar e até a podem gerir de uma forma mais flexível, porque é que na comunidade educativa professore­s e auxiliares de ação educativa não podem propor a criação de uma escola pública livre ao Estado? E por que é que oficiais Justiça, juízes e magistrado­s não podem propor a criação não digo de um tribunal (isso seria talvez ir longe de mais) mas de um julgado de paz?

Por que é que o Livre quer descrimina­lizar a ofensa à honra do PR? É um anacronism­o. Uma ofensa ao chefe de Estados era um crime típico das constituiç­ões do século XIX e do início do século XX, foi caindo em desuso. Numa visão republican­a, que nós temos da política, há liberdade de expressão e as ofensas à honra e à dignidade das pessoas devem ser julgadas nos tribunais para toda a gente da mesma maneira.

“Não há nenhum exemplo na História em que o centro-direita cometa o erro de dar a mão à extrema-direita e a extrema-direita não lhe devore o braço.”

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