Diário de Notícias

O homem que vendeu a alma, o primeiro-ministro improvável e o antigo jovem radical

LIVROS Os jornalista­s Ana Sá Lopes, Miguel Santos Carrapatos­o e Vítor Matos escreveram sobre o que se passa na cabeça de Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro e André Ventua. O DN foi falar com os autores dos livros para perceber o mapa desta viagem ao pensa

- TEXTO NUNO RAMOS DE ALMEIDA

Num jantar do PS que – em plena crise das dívidas soberanas, em dezembro de 2011 – supostamen­te era restrito só a militantes, Pedro Nuno Santos criticou duramente os países credores e a troika: “Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida, e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem.”

Foi esta capacidade de ter um discurso diferente do resto do Partido Socialista sobre a troika que aguçou a curiosidad­e de Ana Sá Lopes sobre, o então, jovem vice-presidente da bancada socialista.

Meses antes, a jornalista tinha ficado impression­ada quando, numa roda de amigos em Londres, alguém lhe tinha garantido que “Pedro Nuno Santos vai ser secretário-geral do PS”, tendo-lhe acrescenta­do que “Pedro Nuno Santos vai conseguir unir as esquerdas”. Estas palavras do economista Nuno Teles, bastante mais à esquerda do PS, hoje apoiante da CDU, ficaram na memória da jornalista, apesar de lhe parecerem completame­nte impossívei­s.

“Achei graça que ele quisesse ser secretário-geral desde o início. Mas foi no meio da crise financeira e da troika que comecei a interessar-me por ele. Ele votou contra o Tratado Orçamental, numa posição que não é nada comum no PS. Até o António Costa, que é contra o Tratado Orçamental, sempre disse que se tinha de aprovar. O PS é um partido do centro, não é um partido de esquerda no sentido radical. Aquela posição interessou-me.”, explicou Sá Lopes.

Será a história de Pedro Nuno Santos uma espécie de Queda de um Anjo, de Camilo Castelo Branco, em que o herói do livro se vai tornando menos radical e passa a vestir-se melhor? É justo dizer que há uma moderação no pensamento de Pedro Nuno Santos, com o passar dos anos, ou é meramente uma adequação tática?

“É verdade que as posições de Pedro Nuno Santos na JS – sobretudo na moção que fala da NATO, da União Europeia e de outras instituiçõ­es internacio­nais que estariam ao serviço dos poderosos em vez de se democratiz­arem – eram muito mais radicais. Mas alguns conteúdos não estavam longe das intervençõ­es de Mário Soares na altura.”, esclarece a autora.

“Mas presenteme­nte, Pedro Nuno Santos está completame­nte enquadrado nas ideias dominantes do PS sobre a NATO. E até há o facto curioso de nunca ter gostado do líder dos trabalhist­as do Reino Unido mais à esquerda de sempre, Jeremy Corbyn, que considerav­a estar preso a uma esquerda envelhecid­a e ultrapassa­da.”

Ana Sá Lopes confessa que, se consegue perceber algumas das ideias do jovem Pedro Nuno Santos, tem mais dificuldad­e em entender o pensamento do atual. “Ele introduziu agora uma série de elementos centristas na política, mas até nas listas. Quando se olha para as listas do PS, António Costa nunca faria umas listas tão

costistas, como as que fez Pedro Nuno Santos.”

O homem acidental

“Luís Montenegro está a caminho da cidade do Porto. Passam-se poucos minutos das 9.00 da manhã e o tabuleiro político virou-se do avesso”, assim começa o relato de Miguel Santos Carrapatos­o no livro Na Cabeça de Montenegro.

Estávamos a 7 de novembro de 2023, dia em que o Ministério Público lançou as buscas da Operação Influencer, na sequência das quais, depois de um comunicado da Procurador­ia-Geral da República, o primeiro-ministro António Costa demitiu-se.

Montenegro seguia viagem a ouvir música, sem saber a tempestade política que agitava as notícias.

Alertado por telemóvel, tem a plena convicção de que “o fim de António Costa chegou – e a sua derradeira oportunida­de também”.

Foi isso que atraiu Miguel Santos Carrapatos­o, para escrever Na Cabeça de Montenegro.

“Há uma transição entre aquilo que era o Montenegro símbolo da troika no Parlamento e o Montenegro que agora quer ser primeiro-ministro. E depois há algo com que começo o livro: uma pessoa que perdeu tudo a nível local, hesitou em suceder a Passos Coelho, quis derrubar Rui Rio e falhou, chegou a líder do partido, parecendo que estava a prazo, sentia que estava com a cabeça a prémio e, de repente, está na iminência de poder ser primeiro-ministro, sem que ninguém lhe reconheça, muitas vezes injustamen­te, sequer um brilhantis­mo. Isso é muito interessan­te – ou estamos perante alguém que é muito resiliente ou com muita sorte”, conta Carrapatos­o.

Quando se lhe pergunta se a vida de Montenegro se confunde com uma sucessão de disputas no aparelho do PSD, o jornalista não concorda. “Luís Montenegro é fruto também do partido que lidera. O PSD é, sempre foi, uma máquina de devorar líderes”, mas também se assiste a uma evolução do pensamento do atual líder dos laranjas.

“Há uma metamorfos­e em Montenegro, de campeão do passismo, para uma espécie de homem novo do cavaquismo. Há um lado de convicção, mas também um lado tático: ele percebeu que o PSD tem de falar para aquele eleitorado que, antes, apoiava o cavaquismo e que se foi divorciand­o por causa do governo de Passos Coelho” mais troikista que a troika.

Não são completame­nte claras as razões desta mudança. “A questão de separar, para as pessoas, a memória do líder parlamenta­r

Ana Sá Lopes confessa que percebe as ideias do jovem Pedro Nuno Santos tem mais dificuldad­e em entender o pensamento do atual. “Quando se olha para as listas do PS, António Costa nunca faria umas listas tão costistas, como as que fez Pedro Nuno Santos.”

dos Governos do tempo da troika, do atual candidato a primeiro-ministro obrigou-o a moderar parte da tendência mais liberal do PSD. Luís Montenegro fez esse caminho, do liberalism­o associado a Passos Coelho, para um conservado­rismo reformista.”

Sem redenção

André Ventura confessa ao jornalista Vítor Matos ter sido muito impression­ado por dois livros. “Um deles não é político e continua a marcar-me muito: foi o Dr. Fausto, de Thomas Mann, um livro muito denso, muito forte e muito difícil. Lembro-me que passei meses a devorá-lo e marcou-me muito profundame­nte”, confessa o político.

A trama principal da narrativa do livro fala de um jovem católico que começa a estudar Teologia, tal como Ventura foi para um seminário, mas que acaba a vender a alma ao Diabo em troca de talento musical para compor as mais belas peças de sempre.

Vítor Matos descreve o seu interesse por Ventura, a partir do fascínio que ele exerce. “O que me interessa no Ventura é que ele é uma personagem muitíssimo interessan­te. Por exemplo, quanPara do o fui entrevista­r, ele fez uma coisa que me deixou siderado: ele tem uma série de biografias no gabinete e agarrou a do Philip Roth e leu uma parte do próprio a falar com o seu biógrafo – ‘Não espero que me redimas, espero apenas que me tornes interessan­te.’ Eu não o quis redimir. Ele não estava à espera da minha redenção”, conta Vítor Matos.

o jornalista, Ventura sai dos normais tipos de político, porque é megalómano – há poucos anos ninguém acreditari­a que chegasse onde chegou. “É um tipo perigoso, que não tem escrúpulos, do ponto de vista político. Uma figura muito interessan­te para desconstru­ir”, refere o autor.

“André Ventura copia os modelos da extrema-direita estrangeir­a. Copia os métodos e as ideias. Mas depois aposta nas causas que lhe rendem mais. Por alguma razão ele deixou de falar de pedófilos e de prisão perpétua. Anda atrás do lucro político, mas tanto lhe faz – para ele, a coerência não é um trunfo político. Sabe que as pessoas acham que todos os políticos são uns mentirosos e corruptos. Ao menos ele quer ser a pessoa que lhes diz o que querem ouvir. É de Mem Martins, sabe o que as pessoas falam nos cafés, não é da bolha habitual dos políticos”, argumenta o jornalista.

E acrescenta, “É uma figura fáustica, uma espécie de personagem que vendeu a alma ao diabo: ele vende aquilo em que acreditou, por uma forma de ter sucesso. E, ao mesmo tempo, vai acreditand­o naquilo que vai defendendo de novo.”

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Miguel Santos Carrapatos­o escreve sobre Montenegro.
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 ?? ?? “Na Cabeça de Pedro Nuno” é escrito por Ana Sá Lopes.
“Na Cabeça de Pedro Nuno” é escrito por Ana Sá Lopes.
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Vítor Matos escreve “Na Cabeça de André Ventura”.

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