Um cemitério famoso está quase cheio. Poderá reutilizar campas antigas para ter mais espaço?
Em Highgate Cemetery, onde estão sepultados Karl Marx, George Michael, George Eliot e mais 170 mil londrinos, o preço de uma campa começa em 25 mil libras (29.300 euros). Na maior parte da Grã-Bretanha, as cremações são populares; segundo um inquérito da
Na morte, como na vida, sai caro ter pessoas famosas como vizinhos. Já não há quase nenhum espaço livre no Highgate Cemetery, um cemitério vitoriano no Norte de Londres onde estão sepultados Karl Marx, George Michael e George Eliot, juntamente com outros 170 mil londrinos. O preço de uma campa para descansar eternamente em paz? Começa em 25 mil libras esterlinas, ou 29.300 euros.
Este preço despertou recentemente a atenção dos jornais britânicos, depois do histórico local ter notificado o público de que tinha iniciado um processo para acrescentar novas campas.
Houve quem fizesse notar a ironia capitalista de uma tão elevada tabela de preços, sugerindo que um custo tão grande para um lote ao pé de Karl Marx faria com que o chamado pai do comunismo “andasse às voltas no túmulo”. O túmulo de Marx é um dos maiores chamarizes do cemitério, e os visitantes pagam 10 libras, quase 12 euros, para passearem por lá.
“Os cemitérios são sítios de manutenção bastante dispendiosa”, diz Ian Dungavell, diretor executivo da instituição sem fins lucrativos que administra o cemitério de Highgate, acrescentando que o espaço cada vez mais escasso na propriedade contribui em parte para o elevado custo de lá ser enterrado. “Estamos a lidar com um recurso muito limitado. Não há especulação por ficar na vizinhança de Marx”, disse. “O preço é mesmo esse.”
Mas a abordagem aparentemente capitalista da administração do cemitério faz parte de um problema existencial que enfrentam outros cemitérios na Grã-Bretanha, e não só. Como é que um sítio para enterramentos continua a funcionar se está a ficar sem espaço?
Na maior parte da Grã-Bretanha as cremações são populares, segundo um inquérito da Cremation Society, que indica que mais de 70% dos falecidos optaram nas duas últimas décadas por esse método. Comparativamente, cerca de 59% dos mortos nos Estados Unidos foram cremados em 2022.
Mas, mesmo com uma taxa de cremações superior, a Grã-Breta
O túmulo de Marx é um dos maiores chamarizes de Highgate, e os visitantes pagam 12 libras para o visitar.
nha está a enfrentar uma falta de campas em muitas regiões. Nalguns cemitérios em Londres, dizem os especialistas, já não há mais espaço, e outras cidades não estão melhor.
“Crise é a palavra apropriada”, diz Helen Frisby, historiadora e investigadora da Universidade de Bath. “Estamos com um problema massivo de espaço para enterramento.”
Os juristas estão a rever os atuais regulamentos sobre enterros, mas o acrescento de novos talhões ao cemitério de Highgate faria com que fosse um dos poucos onde as autoridades funerárias londrinas pudessem reutilizar as campas. Esta prática poderá ajudar à sobrevivência das sepulturas, dizem os especialistas, embora contrarie a ideia de “descanso em paz” perpétuo. Alguns países europeus adotaram a prática de aluguer de curta duração para as campas ou a sua reciclagem para lidar com o excesso de afluência.
Em 2022, a legislação permitiu que Highgate recuperasse campas antigas ou por usar, num processo chamado com otimismo de “renovação de campas”. Campas vazias ou onde os enterramentos ocorre
há mais de 75 anos podem legalmente ser reutilizadas.
De momento, esta proposta afetará apenas cerca de 500 sepulturas no cemitério, disse Dungavell. Alguns dos proprietários das campas foram registados pela última vez na década de 1870. Outros pura e simplesmente era demasia
do difícil rastreá-los, e o cemitério deu notícia das suas intenções colocando editais sobre as campas destinadas a reutilização. Os proprietários destas têm até julho para objetar à sua reutilização. Quanto às campas sobre as quais não se levantarem objeções, os restos mortais existentes serão enterrados a maior profundidade no mesmo local e os novos enterramentos serão feitos por cima deles.
A ideia é controversa, o que era evidente numa visita esta semana ao cemitério. Mesmo num dia gélido, os visitantes deambulavam por áleas ladeadas de arvoredo saboreando os epitáfios de artistas, filósofos e entes queridos lá residentes.
“Para mim, isto é sacrossanto”, diz Thomas Swinburne, de 57 anos, do nordeste de Inglaterra, de visita a Londres. “O corpo está em paz. Não gostaria que nenhum membro da minha família fosse perturbado desta maneira.”
Highgate, construído em 1839 nos arrabaldes da cidade, faz parte de um grupo de sete cemitérios vitorianos conhecidos como “Os Sete Magníficos”. À medida que a população de Londres explodia, os cemitérios privados foram conceram bidos para resolver o excesso de lotação nos adros das igrejas. Hoje também está perto de ficar cheio. Dungavell diz que a sua equipa vasculhou os mapas do cemitério em busca de vagas. No passado, cobriram com terras campas existentes para criar novos sítios para sepulturas, ou apertaram a largura dos caminhos para criar mais espaço para enterramentos. O preço destes começa nas cinco mil libras (5800 euros). “Não queria atafulhar o sítio ainda mais”, diz. Outras ideias que está a explorar incluem a partilha de jazigos para os cremados. O grupo depende também de fundos particulares para ajudar a manter a vegetação do local e torná-lo mais acessível aos visitantes.
Mas, apesar de todos os esforços, o preço de um enterramento ainda é elevado.
“É irónico que estas campas altamente dispendiosas estejam localizadas perto de um dos mais estridentes críticos do capitalismo”, diz Julie Rugg, uma investigadora de políticas sociais da Universidade de Iorque. Mas, diz, o novo sistema é uma resposta pragmática à necessidade de proteção do local e que o dinheiro servirá para a sua manutenção.
Frisby informa que o custo de uma campa no cemitério de Highgate não é típico da Grã-Bretanha e que as campas normalmente custam milhares de libras em vez de dezenas de milhares. Mas há um “cachet social” em ser enterrado num local tão histórico, diz ela. “É um cemitério muito prestigiado. Tem capacidade para pedir esses valores. A maioria dos cemitérios não consegue.”
Alguns visitantes de Highgate dizem que já é tempo de considerar outras maneiras de pôr os entes queridos no eterno descanso. “Se se acaba o espaço, tem de se pensar noutras maneiras”, vinca Marlis Graf, de 34 anos, um turista alemão de visita ao túmulo de Karl Marx. “Na verdade, sou adepto dos ecoenterramentos, onde não há lápides funerárias nem nada. Só árvores.”
A decisão de reciclar uma campa é, em última análise, pessoal, segundo Mackenzie Parker, de 31 anos, que admirava lápides funerárias com um amigo. A sua família é católica, e Parker diz que as suas objeções à reciclagem da campa de um familiar seriam de natureza religiosa. Mas o pedido não a ofenderia, diz ela – quanto mais opções oferecesse o cemitério para que as pessoas partilhassem a sua história, melhor: “As suas famílias saberiam que elas estavam num local tão belo, tão antigo e protegido.”