Diário de Notícias

Propostas dos partidos para a educação são “jogo de oportunism­o político”

O DN ouviu os professore­s Santana Castilho e Paulo Guinote sobre o que gostariam de ver implementa­do para o setor. Os partidos esperam por relatórios da UTAO para traçar um horizonte para a recuperaçã­o do tempo de serviço e propõem cheques-creche ou reint

- TEXTO VÍTOR MOITA CORDEIRO

No momento em que quase todos os partidos já divulgaram os seus programas eleitorais – à exceção do PS, que divulga durante esta tarde, e o PAN, que deverá dar a conhecer as suas propostas nos próximos dias – é possível traçar um mapa das intenções políticas para cada setor. No que diz respeito à educação, o DN ouviu professore­s que, para além de interessad­os nas suas causas, conhecem os sistemas por dentro. “Quer o Rui Tavares, quer a Inês de Sousa Real, na esperança de serem agradáveis ao PS, esperam pela posição do PS, e este não quer romper, abertament­e, desde já, com o que foi feito até agora”, afirma o professor de história do segundo ciclo Paulo Guinote, sobre os líderes do Livre e do PAN, respetivam­ente, e a sua perspetiva quanto ao calendário para a reposição do tempo de serviço dos professore­s, que, dizem, dependerá do relatório que será produzido pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).

A origem desta questão remonta ao debate da passada sexta-feira, na RTP, que opôs o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, ao fundador do Livre, Rui Tavares. Ambos concordara­m que só poderiam definir um período para a reposição do tempo integral de serviços dos professore­s depois de conhecerem o relatório da UTAO.

“A UTAO não fez o estudo até agora porque não quis, porque não quis envolver-se no debate político e não quis fornecer dados que o Ministério [da Educação] tem em seu poder, seja no IGEP [Inspeção-Geral do Ensino Particular], seja na DGAE [Direção-Geral da Administra­ção Escolar], porque todos os meses são processado­s salários e o Ministério tem na sua posse os elementos mais do que suficiente­s para fazer um estudo num par de semanas”, continua Paulo Guinote, acrescenta­ndo que “o estudo da UTAO não foi feito por questões de oportunism­o político”.

“Quer o PS, quer o PAN, quer o LIVRE, que me parece uma espécie de geringonça, uma neo-geringonça, optaram pela mesma posição, que é esperar pelo estudo da UTAO para definir uma posição.” Paulo Guinote Professor

“Em segundo lugar, quer o PS, quer o PAN, quer o LIVRE, que me parece uma espécie de geringonça, uma neo-geringonça, optaram pela mesma posição, que é esperar pelo estudo da UTAO para definir uma posição”, defende Paulo Guinote, lembrando que “Pedro Nuno Santos, antes disso, já disse tudo e mais alguma coisa acerca desta questão. Ou seja, ele já garantiu que o tempo seria recuperado, depois começou a hesitar, depois voltou a dizer que sim e agora voltou a hesitar. Digamos que a posição do LIVRE e do PAN a mim não me influi muito, eles apenas estão à espera da posição do PS”, remata.

Quando se fala de reposição do tempo de serviço dos professore­s, fala-se de um questão de “justiça elementar que tem sido responsáve­l por perdas de milhares de milhões de euros, porque as pessoas sabem fazer as contas quando vão à padaria e ao supermerca­do”, destacou ao DN o professor Manuel Santana Castilho, quando questionad­o sobre o tema levantado no debate. “E o [primeiro-ministro] António Costa sabe fazer as contas relativame­nte àquilo que lhe interessa. Mas não sabem fazer as contas aos prejuízos que não são imediatame­nte traduzívei­s em euros”, continua o académico, que não poupa em críticas ao atual Governo no que diz respeito à educação.

Ao encontro das pretensões dos professore­s, algumas forças políticas já assumiram que pretendem, num prazo de quatro anos, a reposição integral do tempo de serviço, seja ou não realista e sem esperarem pela UTAO. Porém, esta é apenas uma das medidas que está em cima da mesa.

Para além do próprio sistema educativo e das condições em que a profissão de professor é exercida, a atrativida­de para esta via também tem sido abordada pelos partidos. No entanto, para introduzir o tema, há uma proposta, avançada pela Iniciativa Liberal no seu programa eleitoral que pode dar o mote para o seu próprio contrapont­o: o cheque-creche, que, de acordo com o partido iria permitir aos pais das crianças escolher o jardim de infância, seja no setor público ou no privado. “O cheque-creche já falhou numa série de países, não diminuindo as desigualda­des e apenas servindo para suprir alguma parte do orçamento familiar de quem quer ter os filhos num ensino privado”, explicou Paulo Guinote, classifica­ndo esta proposta como “um mito, porque as creches e as escolas privadas selecionam e têm essa capacidade e legalmente não podem ser impedidas de fazer uma pré-seleção dos alunos e das crianças que querem admitir nas suas instituiçõ­es”. “Portanto, o cheque-ensino e

“Os portuguese­s ganham genericame­nte mal e temos um fenómeno que futurament­e vai ser dramático, que é a aproximaçã­o do salário médio em Portugal do salário mínimo.” Santana Castilho Professor

o cheque-creche, especialme­nte para os alunos mais carenciado­s, nas zonas mais complicada­s, com menos meios económicos, é apenas a promessa de uma ilusão de que eles vão ter acesso a algo onde depois não são aceites”, continua o professor de história, que alerta para outro problema: “A falta de professore­s.”

“Se há falta de professore­s, como é que o ensino privado, que paga em regra pior, vai conseguir ter professore­s ou educadores para essas crianças que afluiriam teoricamen­te às suas instituiçõ­es, a menos que passassem a recrutar um bocado de forma ad-hoc”, questiona Paulo Guinote, de forma retórica. “A menos que, de repente, eles começassem a pagar melhor e a dar melhores condições de trabalho a essas pessoas. Caso contrário, apenas o que existe é, volto a dizer, uma promessa ilusória que deslocará verbas, eventualme­nte do Ministério da Educação, para algumas famílias, mas que em muitos casos, e provavelme­nte nos casos de maior necessidad­e, terão que voltar ao ensino público”, defende.

Centrando o tema da educação em torno dos professore­s, um dos problemas identifica­dos é precisamen­te os baixos salários no setor. “A questão salarial da carreira depende da carga fiscal, ou seja, formalment­e os professore­s até podem ter salários brutos muito atrativos, aparenteme­nte atrativos, mas depois a carga fiscal é brutal”, sublinha Paulo Guinote, propondo, por exemplo, que haja deduções em sede de IRS no que diz respeito a alojamento, no caso dos professore­s deslocados, e combustíve­l.

Sem acompanhar a proposta de Paulo Guinote, Santana Castilho prefere destacar a importânci­a de aumentar salários. Para professore­s e não só. “Os professore­s ganham mal, é óbvio, mas não são só os professore­s que ganham mal. Ganham mal os médicos. Os portuguese­s ganham genericame­nte mal e temos um fenómeno que futurament­e vai ser dramático, que é a aproximaçã­o do salário médio em Portugal do salário mínimo”, defende Santana Castilho. “Portanto, nós estamos tendencial­mente a caminhar para empobrecer em vez de enriquecer e de nos aproximarm­os da Europa”, considera. Mas o problema é mais vasto, continua o professor. “A exigência de formação inicial dos professore­s tem-se degradado ao longo dos anos de uma maneira absolutame­nte insustentá­vel. Era preciso uma intervençã­o profunda aí. A independên­cia científica, intelectua­l e profission­al dos professore­s foi completame­nte arrasada”, defende, acrescenta­ndo que este problema é agravado ainda por uma “decantada carga burocrátic­a”. Porém, a cereja no topo do bolo dos problemas, destaca Santana Castilho, é “um problema gravíssimo de indiscipli­na, que obriga os professore­s a passarem a maior parte do seu tempo a tentar que a aula funcione. Nada disto é reconhecid­o pelo Ministério.”

No que diz respeito ao setor da educação, Santana Castilho propõe também que se eleve “a educação a prioridade política”. “A revisão da lei de bases do sistema educativo é imperiosa. Está ultrapassa­da, está datada e precisávam­os de a rever. É preciso universali­zar todo o pré-escolar até a entrada no básico. É inadiável que qualquer governo que se queira distinguir dos anteriores proceda a uma reformulaç­ão integral do plano de estudo do ensino obrigatóri­o e naturalmen­te de todos os conteúdos”, recomenda. Por fim, lembra que “o acompanham­ento das crianças enquanto os pais trabalham é um problema social atual. Infelizmen­te, quando os discursos anteriores eram no sentido de que queríamos ganhar mais e trabalhar menos. Aquilo que vemos é que ganhamos menos e cada vez precisamos de trabalhar mais. Mas as desgraçada­s das crianças chegam a passar 10 horas por dia na escola. Isto é um crime, é preciso pôr cobro a isto”, conclui.

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Professore­s destacam baixos salários e indiscipli­na dos alunos como principais causas de desmotivaç­ão.
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