A polícia e a sua circunstância
Enquanto instituição que é um dos garantes da legalidade e da segurança num regime democrático, devidamente enquadrada pela lei e pela tutela, a Polícia de Segurança Pública não pode jamais ser fragilizada. O mesmo se aplica às suas congéneres, como é o caso da Guarda Nacional Republicana e da Polícia Judiciária. A classe profissional dos polícias merece respeito, reconhecimento e consideração especiais, porque a farda ou o distintivo que envergam representam o Estado Português. É por isso que me deixam preocupado – e desiludido –as atitudes de alguns – poucos – profissionais desta classe, incluindo um ou outro dos seus representantes sindicais.
Começando pelo mais importante: é completamente legítimo que os polícias lutem por melhores condições salariais e de trabalho. As manifestações que têm protagonizado podem ser desconfortáveis para o governo, mas são legais e legítimas. Alguns acham que quer as reivindicações quer os ajuntamentos são desproporcionais, mas essas posições fazem parte da negociação e nada têm de estranho. É público que o vencimento regular dos agentes não é especialmente atrativo, apesar de um conjunto de suplementos de que usufruem. É público que, com frequência, as esquadras, as viaturas e os instrumentos de trabalho carecem de manutenção que as tornem funcionais e confortáveis. É público que há muitos polícias deslocados que têm grandes dificuldades para suportar as despesas de alojamento e alimentação. Mas também é público que esses mesmos problemas existem em muitas outras profissões, públicas e privadas, também importantes.
Neste contexto, há uma linha que não pode ser queimada, que é a do cumprimento da missão. Com melhores ou piores condições, o polícia, tal como o militar, sabe que não pode jamais virar a cara às suas responsabilidades. Esta circunstância é inerente à sua condição de agente da autoridade. Quem não a compreende está a mais na corporação.
Os factos recentes, que indiciam uma ação concertada de vários agentes ao declararem uma condição de doença, não dignificam a polícia e deviam ter sido prontamente condenados pelos seus pares. E não vale a pena tentar o conto de crianças de que as baixas foram validadas por médicos e que as súbitas doenças poderão ser de cariz psicológico, vulgo esgotamento. Ninguém acredita em tal coincidência no espaço e no tempo, com as consequências que se conhecem. Os demagogos dizem agora que o problema é ter mexido com o futebol. Não, o problema é tratar-se de um evento que envolve um interesse económico e que se caracteriza por uma elevada concentração de pessoas e de risco, da qual os polícias não podem desertar.
A cereja no topo do bolo foi a referência à possibilidade, avançada por um dirigente sindical da polícia, de as eleições legislativas não se realizarem se os agentes que transportam as urnas subitamente adoecerem, quem sabe, um pouco por todo o país. Melindrado pelas reações – óbvias – do governo e dos comentadores, o referido dirigente sindical diz agora que vai processar o primeiro-ministro e o ministro da tutela. Se não fosse preocupante, seria risível.
No âmbito de funções públicas que exerci no passado, mantive contacto diário com agentes da PSP por vários anos, o que me permitiu aquilatar dos elevados padrões éticos e profissionais da corporação. Quero acreditar que a polícia, a nossa polícia, saberá afastar-se de pessoas e comportamentos tóxicos, mantendo inviolável a reputação que a sociedade lhe reconhece.