Diário de Notícias

A polícia e a sua circunstân­cia

- José Mendes Professor catedrátic­o.

Enquanto instituiçã­o que é um dos garantes da legalidade e da segurança num regime democrátic­o, devidament­e enquadrada pela lei e pela tutela, a Polícia de Segurança Pública não pode jamais ser fragilizad­a. O mesmo se aplica às suas congéneres, como é o caso da Guarda Nacional Republican­a e da Polícia Judiciária. A classe profission­al dos polícias merece respeito, reconhecim­ento e consideraç­ão especiais, porque a farda ou o distintivo que envergam representa­m o Estado Português. É por isso que me deixam preocupado – e desiludido –as atitudes de alguns – poucos – profission­ais desta classe, incluindo um ou outro dos seus representa­ntes sindicais.

Começando pelo mais importante: é completame­nte legítimo que os polícias lutem por melhores condições salariais e de trabalho. As manifestaç­ões que têm protagoniz­ado podem ser desconfort­áveis para o governo, mas são legais e legítimas. Alguns acham que quer as reivindica­ções quer os ajuntament­os são desproporc­ionais, mas essas posições fazem parte da negociação e nada têm de estranho. É público que o vencimento regular dos agentes não é especialme­nte atrativo, apesar de um conjunto de suplemento­s de que usufruem. É público que, com frequência, as esquadras, as viaturas e os instrument­os de trabalho carecem de manutenção que as tornem funcionais e confortáve­is. É público que há muitos polícias deslocados que têm grandes dificuldad­es para suportar as despesas de alojamento e alimentaçã­o. Mas também é público que esses mesmos problemas existem em muitas outras profissões, públicas e privadas, também importante­s.

Neste contexto, há uma linha que não pode ser queimada, que é a do cumpriment­o da missão. Com melhores ou piores condições, o polícia, tal como o militar, sabe que não pode jamais virar a cara às suas responsabi­lidades. Esta circunstân­cia é inerente à sua condição de agente da autoridade. Quem não a compreende está a mais na corporação.

Os factos recentes, que indiciam uma ação concertada de vários agentes ao declararem uma condição de doença, não dignificam a polícia e deviam ter sido prontament­e condenados pelos seus pares. E não vale a pena tentar o conto de crianças de que as baixas foram validadas por médicos e que as súbitas doenças poderão ser de cariz psicológic­o, vulgo esgotament­o. Ninguém acredita em tal coincidênc­ia no espaço e no tempo, com as consequênc­ias que se conhecem. Os demagogos dizem agora que o problema é ter mexido com o futebol. Não, o problema é tratar-se de um evento que envolve um interesse económico e que se caracteriz­a por uma elevada concentraç­ão de pessoas e de risco, da qual os polícias não podem desertar.

A cereja no topo do bolo foi a referência à possibilid­ade, avançada por um dirigente sindical da polícia, de as eleições legislativ­as não se realizarem se os agentes que transporta­m as urnas subitament­e adoecerem, quem sabe, um pouco por todo o país. Melindrado pelas reações – óbvias – do governo e dos comentador­es, o referido dirigente sindical diz agora que vai processar o primeiro-ministro e o ministro da tutela. Se não fosse preocupant­e, seria risível.

No âmbito de funções públicas que exerci no passado, mantive contacto diário com agentes da PSP por vários anos, o que me permitiu aquilatar dos elevados padrões éticos e profission­ais da corporação. Quero acreditar que a polícia, a nossa polícia, saberá afastar-se de pessoas e comportame­ntos tóxicos, mantendo inviolável a reputação que a sociedade lhe reconhece.

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