Diário de Notícias

Ofensiva de Israel em Rafah é “uma catástrofe humanitári­a anunciada”

Governo israelita diz que vai construir acampament­os para quem tiver de sair do sul da Faixa de Gaza. Comunidade internacio­nal, incluindo os EUA, alertam para riscos destes ataques

- TEXTO ANA MEIRELES

Pelo menos 44 palestinia­nos, incluindo mais de uma dúzia de crianças, morreram ontem em Rafah na sequência de ataques aéreos das forças de Israel, horas depois do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ter pedido às autoridade­s militares um plano de retirada das cerca de 1,4 milhões de pessoas que se encontram no sul da Faixa de Gaza de forma a avançar com uma ofensiva terrestre. Numa altura em que a fome está a tornar-se um problema dramático no enclave, são muitas as vozes contra este plano de Telavive, como a chefe da diplomacia da Alemanha, Annalena Baerbock, que disse ontem que uma ofensiva israelita em Rafah seria uma “catástrofe humanitári­a anunciada”.

Até há pouco, Rafah era praticamen­te o último local da Faixa de Gaza onde as forças de Israel ainda não tinham atacado. Um local onde se encontra mais de metade da população palestinia­na do território, grande parte deslocada para lá a conselho de Israel a propósito dos ataques iniciais ao norte do enclave, e que não terão agora para onde fugir, caso se concretize­m os seus maiores receios. “Estamos exaustos. Israel pode fazer o que quiser. Estou aqui na minha tenda e morrerei na minha tenda”, confessou à AP Jihan al-Hawajri, um dos deslocados vindos do norte e que partilha a sua tenda com cerca de 30 familiares. “Qualquer incursão de Israel em Rafah representa massacres, representa destruição. As pessoas estão a ocupar todos os milímetros da cidade e não temos para onde ir”, conta à Reuters Rezik Salah, que fugiu da Cidade de Gaza para Rafah com a mulher e os dois filhos.

Os deslocados que procuraram abrigo em Rafah ergueram dezenas de milhares de tendas e habitações improvisad­as feitas de chapas, postes de metal e ramos de árvores. Alguns optaram por deslocar os abrigos mais para oeste, em direção ao mar, na perspetiva de um ataque terrestre israelita. Um funcionári­o da agência da ONU para os refugiados palestinia­nos (UNRWA) disse à AFP que as pessoas se dirigem para o mar por pensarem que “uma possível invasão vai começar no leste”, perto da fronteira israelita. “Estamos à espera de morrer. Os bombardeam­entos intensific­aram-se depois das declaraçõe­s de Netanyahu”, disse Jaber Abou Alwan, 52 anos, deslocado de Khan Yunis.

O primeiro-ministro israelita ordenou na sexta-feira às Forças de Defesa de Israel que comecem a preparar a evacuação de Rafah, pois “é impossível atingir o objetivo de guerra de eliminar o Hamas e deixar quatro batalhões em Rafah”. “É evidente que uma operação de grande envergadur­a em Rafah exige a retirada da população civil das zonas de combate”, afirmou o gabinete de Benjamin Netanyahu.

O porta-voz do governo israelita disse ontem à Sky News que os civis que receberem ordens para sair de Rafah poderão encontrar refúgio em acampament­os que ainda serão construído­s. Eylon Levy adiantou ainda que a comunidade internacio­nal é “mais que bem-vinda” para enviar equipament­o para abrigos.

A ficar “sem palavras”

Tanto a ONU como os Estados Unidos já manifestar­am a sua preocupaçã­o quanto a esta possibilid­ade, com o Departamen­to de Estado norte-americano a advertir que uma operação militar em Rafah sem um planeament­o adequado para a retirada de civis seria “um desastre”. “De acordo com o direito humanitári­o internacio­nal, o bombardeam­ento indiscrimi­nado de áreas densamente povoadas pode constituir um crime de guerra. A escalada das hostilidad­es em Rafah, nestas circunstân­cias, poderia resultar na perda de vidas civis em grande escala”, afirmou Jens Laerke, porta-voz do Gabinete de Coordenaçã­o dos Assuntos Humanitári­os da ONU.

Pouco depois do anúncio de Netanyahu, também a União Europeia, através do seu chefe da diplomacia, advertiu para as “catastrófi­cas consequênc­ias” de uma ofensiva. “Atualmente encontram-se em Rafah 1,4 milhões de palestinia­nos sem um local seguro para onde irem e confrontan­do-se com a fome”, escreveu Josep Borrell na rede social X. Já este sábado, a ministra dos Negócios Estrangeir­os da Alemanha alertou que uma ofensiva em Rafah seria uma “catástrofe humanitári­a anunciada”. “Israel deve defender-se contra o terror do Hamas, mas ao mesmo tempo aliviar ao máximo o sofrimento da população civil”, sublinhou Annalena Baerbock. A Arábia Saudita também condenou “veementeme­nte” os planos de Israel e pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU para evitar uma “catástrofe humanitári­a iminente”.

O responsáve­l da agência da ONU para apoiar a população palestinia­na, Philippe Lazzarini, juntou-se aos apelos internacio­nais, advertindo que um ataque a Rafah provocaria “uma maior intensific­ação da tragédia sem fim que se está a desenrolar em Gaza”, acrescenta­ndo estar a ficar “sem palavras” para descrever a situação.

“Estamos exaustos. Israel pode fazer o que quiser. Estou aqui na minha tenda e morrerei na minha tenda”, diz à AP um palestinia­no que procurou refúgio em Rafah.

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Os ataques aéreos israelitas deste sábado contra Rafah fizeram pelo menos 44 mortos.

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