Diário de Notícias

“A competição onde Pedro Pichardo poderá garantir a qualificaç­ão para Paris 2024 é ainda uma incógnita”

- ENTREVISTA ISAURA ALMEIDA

Chefe da missão quer celebrar os 100 anos da primeira medalha de Portugal com mais conquistas. Objetivo é “disputar 66 eventos de medalha”, mantendo essa “ambição” contratual­izada de quatro pódios, apesar das dúvidas que recaem sobre alguns atletas de elite. Competir em Paris num Jogos a céu aberto será “brutal” e “desafiante” ao nível da logística e da segurança.

Natural das Caldas da Rainha, Marco Alves, 42 anos, faz parte dos quadros do Comité Olímpico de Portugal (COP) desde 2009. Esteve em Londres 2012 e Rio 2016 e foi promovido a chefe da Missão em Tóquio 2020, os Jogos Olímpicos ( JO) mais bem-sucedidos de Portugal, com quatro medalhas: Pedro Pichardo (ouro no triplo salto), Patrícia Mamona (prata no triplo salto), Jorge Fonseca (bronze nos -100 kg no judo) e Fernando Pimenta (bronze no K1 10001 na canoagem). Agora vai chefiar a Missão Paris 2024.

A cinco meses do início dos Jogos Olímpicos Paris 2024 (de 26 de julho a 11 de agosto ), Portugal tem cerca de 30 atleta quando se esperam 92 atleta sem 17 modalidade­s ...

Os números são uma métrica de comparação fácil com o passado, mas após Tóquio 2020 começámos a valorizar outros indicadore­s e transformá­mos um pouco aquilo que seria o número de atletas qualificad­os para o número de eventos de medalha que podemos disputar. Ter muitos atletas qualificad­os e poucos eventos de medalha não valoriza a participaç­ão de Portugal, o andebol ainda pode fazer aumentar a lista em 14 atletas, mas só vale um evento de medalha, por exemplo, daí que para Paris 2024 a meta estabeleci­da são 66 eventos de medalha e perto dos 92 atletas de Tóquio 2020 e do Rio 2016, número conseguido com uma equipa de uma modalidade coletiva.

“Ter muitos atletas qualificad­os e poucos eventos de medalha não valoriza a participaç­ão de Portugal, o andebol ainda pode fazer aumentar a lista em 14 atletas, mas só vale um evento de medalha, por exemplo, daí que para Paris 2024 a meta estabeleci­da são 66 eventos de medalhas.”

Nesta altura, as dúvidas são quase tantas como as certezas. Quatro dos cinco medalhados em atividade estão sem competir há meses. Temos alguns atletas de elite com a preparação atrasada por via de lesões, é um facto...

Vamos individual­izar, porque cada caso é um caso. Pedro Pichardo não compete há quase um ano e tem problemas no Benfica. Qual é a situação do campeão olímpico do tiplo salto?

Está lesionado e a ser acompanhad­a do ponto de vista clínico pela Federação de Atletismo, que tem partilhado informação com a direção clínica do COP. A competição onde Pedro Pichardo poderá garantir a qualificaç­ão para Paris 2024 é ainda uma incógnita, pelas limitações clínicas que apresenta. Eu diria que a época de inverno é para esquecer, porque ele precisa de recuperar e voltar a saltar... e não se faz 17 metros assim do pé para a mão. Aponto para depois de março o regresso às pistas e espero que possa garantir a qualificaç­ão, porque o Pedro não está qualificad­o [os Mundiais de pista coberta são de 1 a 3 de março].

Quinta em Tóquio 2020, Auriol Dongmo sofreu uma lesão muito grave. Está fora dos Jogos de Paris? Não sei até que ponto podemos dizer que a Auriol não vai aos Jogos. A gravidade da lesão vai limitar a preparação, com certeza, mas esperamos que não limite a sua participaç­ão, porque não ir aos Jogos poderá compromete­r a manutenção no projeto olímpico. Mas temos de saber em que condições é que ela pode chegar, porque ninguém consegue garantir que num curto espaço de tempo a Auriol consiga lançar como na época de 2023. Será difícil ter a Auriol em Paris, o tempo não joga a favor dela.

O mesmo se aplica a Telma Monteiro, Patrícia Mamona e Jorge Fonseca...

Não dá para dizer categorica­mente que vão ou não. Nunca arrisco dizer nada sobre estes atletas porque já nos mostraram que são sensaciona­is e verdadeiro­s exemplos de superação. A diferença é que a Auriol está qualificad­a, ao contrário de Pedro Pichardo, Patrícia Mamona, Jorge Fonseca e Telma Monteiro. No caso do Jorge e da Telma, o que eles já fizeram pode ser suficiente para garantir a qualificaç­ão, mas no caso da Patrícia e do Pedro têm de regressar e saltar para se qualificar­em para Paris 2024.

Face às dúvidas, o objetivo de quatro medalhas vai ser repensado? Vamos manter a ambição. A discussão de lugares de topo num Campeonato do Mundo é um dos principais barómetros para aquilo que pode acontecer nos Jogos e tivemos o ciclista Yuri Leitão (omnium), os canoístas Fernando Pimenta (K1 1000 m) e a dupla João Ribeiro e Messias Baptista (K2 500 m) com ouros mundiais. Ainda esta semana tivemos uma medalha de bronze inédita num Campeonato do Mundo de Águas Abertas, a Angélica André. E o Diogo Ribeiro, que foi vice-campeão mundial nos 50 m mariposa –distância não olímpica – e que está em ação nos Mundiais de Natação.

Diogo Ribeiro foi o primeiro a garantir lugar em Paris. Podemos sonhar juntamente com o Diogo?

O sonho dele é o primeiro que tem de ser respeitado, e das conversas que temos tido com ele, o técnico e responsáve­is da Federação de Natação, o patamar está estabeleci­do para esse objetivo. É um atleta muito jovem, que já demonstrou muita qualidade e que tem esse sonho de chegar aos Jogos Olímpicos e fazer aquilo a que já nos habituou, mas vão ser os primeiros Jogos do Diogo e os primeiros Jogos marcam sempre. E ele, como outros estreantes, tem de ser protegido.

Portugal nunca teve um atleta com três medalhas, algo que Fernando Pimenta pode conseguir. É preciso fazer-lhe uma vénia?

É preciso fazer uma vénia ao Fernando todos os dias, mesmo que não conquiste o ouro que ele tanto quer para completar a trilogia olímpica[foi prata em Londres 2012, com Emanuel Silva, e bronze em Tóquio 2020]. Contam-se pela mão os atletas que conseguem este sucesso entre os seus pares de forma consecutiv­a e regular, e se chegar ao pódio será o único português com três medalhas olímpicas. Essa é uma história bonita para ser contada quando regressarm­os de Paris, assim como a celebração dos 100 anos da primeira medalha de Portugal – bronze no equestre em Paris 1924.

Estes Jogos prometem ser espetacula­res. Que dificuldad­es de logística implica competir numa cidade que vai continuar a viver?

Muitas. Paris vai viver um pouco menos, é inevitável. As competiçõe­s estão concentrad­as nos locais icónicos no centro histórico e cultural de Paris, e só retirando algumas pes

soas da cidade vai ser possível meter estes Jogos em pé. A segurança foi um dos temas mais falados nas últimas semanas e as principais preocupaçõ­es vão para a cerimónia de abertura, um conceito que no papel é fantástico, mas que preocupa. Primeiro eram 600 mil pessoas a assistir e agora já se fala em 300 mil a ver o desfile dos atletas no rio Sena, um projeto ambicioso que nos deixou a todos maravilhad­os, mas com constrangi­mentos ao nível da segurança. Mas ter eventos equestres junto ao Palácio deVersalhe­s, contrarrel­ógio do ciclismo na Ponte Alexandre III, largada da maratona frenteàf acha dane or renascenti­sta doHôtel de Ville será brutal para a cidade, para a fotografia dos Jogos e para as pessoas que vão viver os Jogos. E, não querendo parecer saudosista, recupera um pouco o espírito do início das olímpiadas, onde a cultura fazia parte da competição. Paris 2024 tema premissa de sustentabi­l idade, recuperaçã­o de edifícios e infraestru­turas...

Garantir a sustentabi­lidade dos Jogos é um objetivo do Comité Olímpico Internacio­nal. Espera-se que seja possível garantir essa mesma sustentabi­lidade já em Los Angeles, um projeto muito assente também naquilo que são os campus universitá­rios. Esse é um legado que se pretende. Depois de Pequim 2008 houve um escalar de condições que seria insustentá­vel manter, principalm­ente para países da Europa, por isso a sustentabi­lidade é louvável. O plano da Missão já está traçado? Temos dois planos. Oplano-base definido e apresentad­o às federações é viajar quatro dias antes, treinar três dias e competir. Assim podemos gerir a capacidade que temos na aldeia e maximizar o apoio aos treinadore­s e à competição respeitand­o as especifici­dade das modalidade­s. Tivemos uma reunião com a Federação Equestre e como os cavalos vão estar na Alemanha não faz sentido estarem lá por três dias em estábulos improvisad­os quando podem estar numa instalação com mais condições até à inspeção veterinári­a. Vamos afinando o plano modalidade a modalidade, aproveitan­do a proximidad­e geográfica que temos e as condições climáticas similares – um verão muito quente e seco. Temos previstos dois voos por dia, de manhã e à tarde. Fora de Paris, o surf no Taiti também promete dar fotos brutais, mas preocupa pelo tipo de ondas, por exemplo.

O que faz um chefe de Missão?

Não são só os atletas que são de alta competição, nós também temos que o ser. Disponibil­idade é a palavra. Temos de estar disponívei­s para aquilo que acontece e acontecem muitas coisas durante um dia de Jogos Olímpicos. A missão é fazer com que pareça que não acontece grande coisa. Eu, pelo menos, tenho entendido a função dessa maneira.

Não há uma resposta única para essa pergunta, mas eu acho que passa muito por planear, antecipar, falar com as pessoas, estar perto das pessoas para perceber as necessidad­es de cada um.

Foi chefe da Missão pela primeira vez em Tóquio 2020 e Portugal regressou com o melhor resultado de sempre. Um a responsabi­lidade acrescida para Paris 2024?

O convite era irrecusáve­l (risos). A responsabi­lidade é a mesma, além do orgulho de fazer parte desta casa e poder contribuir de alguma forma para esse sucesso alcançado em Tóquio 2020 e para que possa ser repetido em Paris 2024. É preciso contextual­izar o sucesso e o insucesso. São 10.500 atletas, 330 eventos de medalha, 990 medalhas e há atletas que ficam com mais do que uma... Há uma percentage­m muito grande de atletas que regressam a casa sem medalha, mas com uma história para contar e uma representa­ção digna do país.

Teve de lidar com o incidente entre Nélson Évora e Pedro Pichardo. Hoje o que faria diferente?

Nada. Tive uma conversa com o Nélson como o próprio presidente do COP revelou. Estar perto do seu treinador a apoiar outro atleta [Zango do Burquina Faso e que era o rival direto de Pichardo e de Portugal na luta pelo ouro], em contexto de Jogos Olímpicos, não é aceitável. Se fosse num meeting ou liga diamante... em JO não. Ficou esclarecid­o. Os atletas têm de saber que estão a representa­r o país e ter noção das responsabi­lidades, ainda mais os campeões olímpicos.

Falando em responsabi­lidades de campeões olímpicos, o COP tem conhecimen­to de comportame­ntos menos corretos de Pedro Pichardo?

Para ser muito sincero, e não é por não me querer atravessar, não sei responder a essa pergunta. Sei de rumores e não factos. No COP não temos conhecimen­to de nenhuma queixa ou processo e sem isso não temos forma de agir oficialmen­te, mas temos de ser pró-ativos e há limites para aquilo que se espera de um atleta em preparação olímpica.

“É preciso fazer uma vénia ao Fernando Pimenta todos os dias... mesmo que não conquiste o ouro que tanto quer para completar a trilogia olímpicas. Ele pode ser o único português com três medalhas olímpicas.”

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