Diário de Notícias

A irrelevânc­ia entre aspas

- Filipe Garcia Subdiretor do Diário de Notícias

Omomento foi recordado por Inês Sousa Real, em debate com Luís Montenegro. Como pode o PSD estar associado a um partido em que se considera razoável a violência sobre mulheres? Assumindo, desde já, que pouca atenção dou à causa monárquica e que ainda menos dedico a Gonçalo da Câmara Pereira, tive de mergulhar no Google para aferir a veracidade do ataque.

Graças ao Polígrafo, fiquei, imediatame­nte, descansado. É verdade que Câmara Pereira, em 2017 num programa da TVI, deu “toda a razão” ao juiz que recusou agravar a pena de um agressor por a vítima ter tido um relacionam­ento extraconju­gal. É também verdade que resumiu a coisa assim: “Pôs os palitos [ao marido], então mamou-as.” Para descanso de todos, explicou agora o que disse. O programa era “lúdico”, estava apenas a fazer um boneco, o “do macho latino”, queria polémica e tudo resultou – “mantive as presenças por 10 anos”. E assim ficou tudo bem.

Lembrei-me então de outra frase. “Ficámos com uma espécie de PSD-prostituta política”, disse há uns dias André Ventura, esse a quem tantos elogiam o dom da oratória, a propósito das negociaçõe­s entre as forças de direita para viabilizar o Governo minoritári­o açoriano.

Aqui, são precisas algumas ressalvas. Nada tenho contra quem faz vida da prostituiç­ão, não encontro qualquer semelhança entre o que sei desse mundo e a política dos sociais-democratas e sei que Ventura não se retratará. No caso, o baixo nível é imagem de marca, até trunfo aos olhos de alguns, e o fundamento do discurso é sempre opcional. Como quando o seu partido sugere no programa eleitoral a redução do IVA na compra da primeira casa – imposto que por ali não se aplica – e responde com tranquilid­ade. Foi engano, uma gralha, afinal não é “aquisição”, antes “construção”. Assim, ficou tudo bem.

Salto para o outro lado do Atlântico onde Donald Trump sugeriu que incentivar­ia a Rússia a atacar os países da NATO que não cumprissem com a regra de alocar 2% do PIB ao setor da Defesa. Mesmo sabendo que Portugal apenas o tem previsto para 2030, também podemos ficar descansado­s. Além de nada indicar a nossa presença na lista de alvos de Putin, a frase foi mesmo dita, podia ter levado aspas. E nesta altura, como nunca, na política parece instalada a irrelevânc­ia do discurso.

Ouvem-se promessas, mais ou menos vãs, ataques ferozes a futuros parceiros, bravatas que, sabemos, a realidade desmontará, ouvimos todos mais do que queremos. O que nos deixa seguir, com tranquilid­ade? A consciênci­a de que cada vez mais é irrelevant­e o que lemos entre aspas. O que nos deve angustiar? Cada vez menos nos chocamos com isso mesmo, cada vez mais os resultados nas urnas parecem independen­tes do que os candidatos foram dizendo. Sinal de quer cada vez menos os ouvem ou de que cada vez menos os levamos a sério? Qualquer das alternativ­as deve assustar.

Graças ao Polígrafo, fiquei, imediatame­nte, descansado. É verdade que Câmara Pereira, em 2017 num programa da TVI, deu “toda a razão” ao juiz que recusou agravar a pena de um agressor por a vítima ter tido um relacionam­ento extraconju­gal.”

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