Inês de Sousa Real “Mais um deputado do PS ou PSD não faz diferença nenhuma”
Porta-voz do PAN quer voltar a ter grupo parlamentar para fazer aprovar mais medidas que apoiem as causas do seu partido. Apesar do pragmatismo que lhe permite apoiar o Governo madeirense, reitera que a AD não pode contar consigo para formar uma maioria.
Tem feito referências recorrentes ao facto de o PAN ter sido o partido de oposição que mais iniciativas viu aprovar nesta legislatura. O que a leva a crer que aquilo que aconteceu com António Costa é repetível com Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro ou outro eventual próximo primeiro-ministro? Mais do que uma preocupação coligatória pós-eleitoral, o PAN está convicto de conseguir fazer avançar as causas que representamos. Temos sido uma força política diferenciadora. Com uma única deputada conseguimos fazer chegar a tarifa social de energia a mais de 200 mil famílias, acabámos com os estágios profissionais não-remunerados, ou com as comissões bancárias abusivas. Em áreas que fazem parte do nosso ADN, garantimos que, em apenas dois anos, foram canalizados mais de 40 milhões de euros para proteção animal e ambiental. E fechámos a legislatura com uma das mais importantes alterações da década, na Lei da Água, para obrigar a que qualquer implementação de um projeto tenha em consideração planos de gestão do uso da água. É fazer a diferença na vida das futuras gerações e honrar o voto que nos foi depositado. Para o PAN só importam as causas e não importam se é de esquerda ou de direita?
O PAN continuará o trabalho de diálogo, independentemente de quem venha estar em condições de formar governo. Já deixámos claras as nossas linhas vermelhas. No ano em que se assinalam os 50 anos do 25 de Abril seria muito triste acordar a 11 de Março sem ser num Estado de Direito democrático. Só o poder do voto pode combater o populismo e, portanto, não podemos deixar de apelar que votem em consciência, mas em forças democráticas. Por outro lado, não nos podemos esquecer que, ao dar mais força e poder ao PAN através de um grupo parlamentar, se torna mais possível continuarmos a fazer trabalho em prol das pessoas, dos animais e da natureza. É um dos grandes desígnios para 10 de março. Para as pessoas não interessa se as medidas que aliviam o preço do pão, das massas e do arroz, como quando conseguimos a vigência do IVA Zero para o cabaz essencial, são de esquerda ou de direita. O que interessa é terem mais qualidade de vida e o PAN foi o partido da oposição que mais baixou o IVA de produtos essenciais, como os produtos vegetarianos. Isto não é uma questão ideológica. Mesmo deixar um ambiente estável para as gerações futuras tem de ser um desígnio de todas as forças políticas. Independentemente de o PAN ser do centro progressista, e de nos assumirmos como ambientalistas animalistas, as pessoas sabem que contam com o PAN para defender de forma intransigente os Direitos Humanos, os direitos sociais e, do ponto de vista da economia, o equilíbrio de forças entre o arrendamento e os senhorios, e entre a banca e os utentes, nomeadamente no crédito. Contam com esta moderação e responsabilidade para apresentar soluções alternativas.
Na Madeira, a deputada única do PAN tem sido o principal garante de um Governo de centro-direita que perdeu a sua principal figura no âmbito de uma investigação de corrupção. Acha que os vossos eleitores compreendem isso?
O PAN Madeira, através da nossa deputada única, Mónica Freitas, mostrou de forma muito clara que os portugueses não têm de viver reféns do medo de uma maioria absoluta ou de uma força política antidemocrática. Quebrámos a maioria absoluta e, de forma extremamente responsável, foi o PAN que deu o murro na mesa a dizer que ou Miguel Albuquerque saía ou não havia condições para que o Governo Regional se mantivesse, pois faríamos cessar o acordo. O PAN demonstrou responsabilidade e colocou em primeiro lugar os interesses dos madeirenses e porto-santenses ao permitir restabelecer a credibilidade nas instituições, e ao pôr como condição que o Governo a formar teria de ser sem ninguém ligado aos
“Para as pessoas não interessa se as medidas que aliviam o preço do pão, das massas e do arroz, como quando conseguimos a vigência do IVA Zero para o cabaz essencial, são de esquerda ou de direita.”
processos de alegada corrupção que estão a ser investigados, mas também ao conseguir uma vitória ambiental muito significante: a suspensão de projetos em causa na investigação, como a Estrada das Ginjas e o teleférico do Curral das Freiras. Demonstrámos como uma deputada consegue fazer a diferença e, acima de tudo, fazer prevalecer causas que representamos e são irrenunciáveis, mesmo quando nos sentamos à mesa com quem não concordamos. Admite coligar-se na Madeira com o PSD e a nível nacional com o PS? O PAN é um partido útil à democracia. Seria extremamente inútil colocarmo-nos no lugar de oposição por mera oposição, em que não fazemos avançar medidas que mudam a vida das pessoas.
A apresentação do programa eleitoral do PS por Pedro Nuno Santos foi ao encontro do que o PAN desejaria para um eventual entendimento após as legislativas?
Votar no PAN ou no PS não é a mesma coisa. Votar PS ou PSD, dar um deputado a mais ou menos a esses grandes partidos do Bloco Central, não faz diferença absolutamente nenhuma, mas votar no PAN e dar-nos mais um deputado permite um grupo parlamentar que vai fazer toda a diferença para as causas que representamos. Não obstante a abertura que possa ter existido, há um caminho que exigiu muito trabalho e grande capacidade de diálogo e resiliência. Ponho sempre em cima da mesa, mais do que os nossos interesses político-partidários, os interesses das pessoas, dos animais e da natureza.
Esse pragmatismo não se pode enquadrar na acusação do antigo porta-voz André Silva, para quem, sob a sua direção, o PAN “baila com quase todos” e “é uma carochinha à espera do João Tachão”? Eu não me revejo minimamente nessas críticas. Lamento profundamente que André Silva tenha optado por seguir esse caminho, enquanto ex-porta-voz e ex-filiado, porque deu cabo de todo um legado que construiu no PAN, esquecendo-se de que deu luz verde à incidência parlamentar e à viabilização do Governo nos Açores, e também que votou a favor de dois Orçamentos do Estado do PS. Sob a nossa direção não votámos
favoravelmente nenhum. Abstivemo-nos, em prol de fazer avançar as nossas causas, e conseguimos que, ao contrário de um voto a favor, onde tínhamos dois milhões de euros para a causa animal, sair com mais de 40 milhões de euros para a proteção animal, e com hospitais públicos veterinários para as famílias mais carenciadas terem onde levar animais de companhia. Foi pela mão do PAN que mais se baixou a carga fiscal sobre as famílias no que diz respeito aos partidos da oposição. É um objetivo para a próxima legislatura garantir que as famílias também têm IVA reduzido na alimentação e cuidados médico-veterinários, pois não podemos ter mais metade dos agregados familiares com animais de companhia e esquecermo-nos do impacto do aumento do custo de vida.
Nas legislativas estará em causa também um veredicto sobre oito anos de governação do PS. Quais são os pontos mais negativos? Neste último ano de maioria absoluta tivemos sucessivos casos e casinhos a marcar a governação. Foram muito negativos, na perspetiva em que minaram a credibilidade e confiança nas instituições, e estiveram associados a casos de alegada corrupção, tráfico de influências e conflitos de interesses que, no nosso entender, exigem que na próxima legislatura se consiga aprovar a Lei do Lobby e haja reforço de meios de investigação. Acima de tudo, sentimos que o Governo socialista de maioria absoluta perdeu a oportunidade de promover as reformas de que o país precisa. É fundamental um verdadeiro compromisso com a transição climática e a Operação Influencer revelou como não se faz. Seja pela falta de transparência, seja por prevalecerem critérios que não são ambientais. E falo na Operação Influencer como podia estar a falar na opção do aeroporto.
Fala muitas vezes da
É para colar esse caso ao PS e mostrar aquilo que considera ser a bagagem negativa da maioria absoluta de António Costa? Falamos de um projeto que vai custar mais de dois mil milhões de euros. Não podemos esquecer que todos os fundos comunitários
Operação Influencer.
são fundamentais e há que aproveitar cada cêntimo. Não podemos andar com megaprojetos que beneficiam alguns em detrimento de outros, e têm uma opacidade e falta de transparência inaceitáveis na governação.
Quer contrariar isso estando no Governo ou através de um acordo parlamentar?
Essa avaliação não está a ser feita neste momento. Será feita sempre depois de 10 de março.
Para quem vai votar no PAN não era melhor saber que forma vai assumir esse compromisso? Quem quer votar no PAN sabe que somos uma força de trabalho e o partido da oposição que, só com uma deputada, fez aprovar mais medidas. E que não temos receio de qualquer responsabilidade que nos queiram dar.
Já disse que a nível nacional afasta um entendimento que viabilize um Governo da AD. Pode afirmar taxativamente que manterá essa posição se o PAN puder garantir uma maioria estável à direita do PS que exclua o Chega?
Já deixámos claro que temos duas linhas vermelhas. Por um lado, o
Chega, por ser uma força populista antidemocrática. Não compactuamos com forças fascistas e misóginas que põem em causa os direitos das mulheres, que querem virar uns contra os outros, que incentivam e alimentam o discurso do ódio e da discriminação, e que põem em causa direitos sociais basilares. Em relação à AD, não a confundimos o PSD. Na Madeira o PAN tem um acordo de incidência parlamentar com o PSD.
Mas o Governo Regional da Madeira também integra o CDS.
De qualquer forma, o acordo é com o PSD. Não nos revemos na escolha de Luís Montenegro, que optou por trazer à boleia o conservadorismo bafiento do CDS e do PPM quando assinalamos 17 anos desde que Portugal aprovou, através de referendo, o direito à interrupção voluntária da gravidez. Portanto, nunca haverá maioria com AD, Iniciativa Liberal e PAN? O PAN não dará a mão a alguém que integra na AD o PPM de Gonçalo da Câmara Pereira, que acha legítimo bater numa mulher. Da mesma forma que o CDS vem pôr em causa os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e o direito à morte medicamente assistida. Foi um dos grandes temas da legislatura, e será na próxima. Dizia há pouco que para o PAN não importa se as medidas são de esquerda ou de direita. Se houver, por parte da AD, mesmo com os dois partidos que contesta, propostas relevantes, pode haver entendimentos parlamentares, negociados caso a caso?
O compromisso do PAN é com o eleitorado. A nossa grande coligação é com os portugueses e em fazer avançar as nossas causas. Não temos o preconceito de acharmos que, sendo partido da oposição, não devemos fazer avançar as propostas que trazemos para a Assembleia da República. Mas não damos a mão a valores contrários aos do século XXI. Isto está claro: não estamos aqui para alimentar o conservadorismo. Estamos a aproximar-nos de uma fase em que poderá haver, como disse o Presidente da República, uma série de miniciclos eleitorais. Que papel é que o PAN e defende que ele deve assumir perante esta possibilidade de instabilidade política nos próximos tempos? Marcelo Rebelo de Sousa tem contribuído para a instabilidade política. Achámos lamentável quando veio dizer que, consoante o resultado de 10 de março, o país poderia ir novamente para eleições. Está a desincentivar ao voto num dia em que é fundamental que as pessoas, independentemente da cor política, participem deste ato eleitoral para combatermos a abstenção e garantirmos uma solução que pugne pela estabilidade governativa – e atenção que a maioria absoluta não é sinal de estabilidade governativa. A maioria absoluta não é a solução para o país, mas as pessoas podem e devem votar e optar por forças políticas que sejam porta-vozes das suas causas.
Falou várias vezes na necessidade de alertar para as alterações climáticas, mas pergunto se para o PAN há limites no que deve ser esse combate. Por exemplo, atiraria sopa à
De forma alguma. Acreditamos que a luta se faz nas ruas, com as manifestações que enchem com milhares de jovens as ruas de Lisboa e do mundo. Não através da destruição da arte ou até mesmo atirando tinta a governantes. Não nos parece que seja essa a solução. Precisamos de ter mais força no Parlamento para que propostas como a que o PAN conseguiu aprovar, a Lei de Bases do Clima, ou até a aposta nos transportes públicos com os passes gratuitos que o PAN conseguiu alargar desde os jovens do ensino superior aos jovens dos cursos profissionais – o nosso objetivo na próxima legislatura é alargar esta gratuidade a todos os jovens. Tudo isso são passos importantes para a descarbonização, mas temos que ir mais longe. Sabemos que temos que tocar em áreas em que é necessária a reconversão, como a pecuária intensiva e superintensiva. Temos que colocar a economia verde ao serviço desta transição ecológica e do bem-estar animal que se exige.
Terá noção que nos protestos dos agricultores o PAN é visto muitas vezes como insensível às suas dificuldades. Sente que há necessidade de conciliar a sustentabilidade ambiental com os problemas reais dos agricultores?
Temos tido uma ministra da Agricultura que é uma nódoa e não serve os interesses do país, mas também não é com a AD, com o ex-presidente da CAP, que vamos mudar a agricultura no nosso país. Para termos uma agricultura de futuro, com precisão, com inovação, com apoios para os agricultores mais jovens e também para as boas-práticas tradicionais, então precisamos de votar em forças progressistas. No PAN, que é o melhor amigo dos agricultores, e não o contrário.
“Não temos o preconceito de acharmos que não devemos fazer avançar as propostas que trazemos para a Assembleia da República. Mas não damos a mão a valores contrários aos do século XXI.”