Diário de Notícias

O “segredo bem guardado” de Paulo Raimundo, que foi revelado ao país

Há 30 anos, o líder do PCP estreou-se na TV em registo revisteiro. Ganhou um concurso de talentos e com o prémio abriu conta no banco, tirou a carta e comprou um carro. Com o prémio comprou um Renault 5, em segunda mão, que lhe durou anos. “Nunca mais fui

- TEXTO MARGARIDA DAVIM

Paulo Raimundo, que vestiu a pele de ardina, fez equipa com as professora­s Teresa e Isabel. O passado artístico do líder do PCP foi revelado na SIC por Ricardo Araújo Pereira.

Foi graças ao concurso de talentos A Filha da Cornélia que Paulo Raimundo veio pela primeira vez de Setúbal a Lisboa sem ser em visita de estudo da escola, que se estreou a dormir num hotel e ganhou dinheiro suficiente para tirar a carta de condução e comprar o seu primeiro carro. Trinta anos mais tarde, a sua participaç­ão televisiva foi recuperada por Ricardo Araújo Pereira no programa Isto É Gozar Com Quem Trabalha, na SIC, precisamen­te quando o atual secretário-geral do PCP estava a debater com Mariana Mortágua na SIC Notícias.

“Não vi, porque a essa hora estava no debate”, diz ao DN Paulo Raimundo, contando que rapidament­e o telefone se encheu de mensagens de amigos surpreendi­dos com este passado artístico. “Era um segredo bem guardado”, brinca o comunista que, mesmo tendo sido alvo de humor pela falta de talento para cantar, olha com carinho para um episódio que foi marcante. “Tinha 15 ou 16 anos”, recorda, explicando que a ideia de participar no concurso apresentad­o por José Fialho Gouveia – que repescava o sucesso dos Anos 70 de A visita da Cornélia – partiu de Isabel Tavares, que tinha sido sua professora de Biologia e que era uma das dinamizado­ras de um grupo de jovens do Bairro da Bela Vista, em Setúbal. “Essa professora foi uma pessoa muito importante na minha vida.”

Foi palhaço e poeta apaixonado

“Éramos alunos e ex-alunos da Secundária do Bairro da Bela Vista e fazíamos uma série de iniciativa­s. Festas de Natal para idosos, ir cantar as janeiras, fazer festas infantis, um pouco de tudo”, conta, explicando que, nessa altura, chegou a “um poeta apaixonado”, numa peça de teatro que foi à cena no Teatro Luísa Todi, e “várias vezes palhaço em festas infantis”.

Paulo Raimundo e o seu grupo foram duas vezes a A Filha da Cornélia. À segunda, ganhou o concurso, “mas a primeira foi a mais marcante”. Tudo era novidade. “Foi a primeira vez que vim a Lisboa, sem ser naquelas visitas da escola para vir ao Jardim Zoológico ou ao Aquário Vasco da Gama.” A cidade pareceu-lhe “muito grande”. E o adolescent­e ficou ainda mais deslumbrad­o por entrar, pela primeira vez, num hotel. “Uma cambada de pés-rapados, ficarem a dormir num hotel nessa noite, foi uma loucura.”

Na altura, Paulo Raimundo já trabalhava. “Era trabalhado­r-estudante no liceu. Estive numa carpintari­a e, depois, como animador cultural.” Antes, ainda sem idade legal para trabalhar (“aos 14 anos”), fazia turnos noturnos numa padaria todas as sextas e sábados. “Era eu e todos os outros do bairro.” Ganhava ao dia. “Cheguei a ganhar em tickets-refeição.”

O dinheiro era curto e, por isso, os cerca de mil contos – “foi menos por causa dos impostos” – pareceser

ram-lhe uma fortuna. “Deu para abrir uma conta bancária, que nunca tinha aberto, para tirar a carta e comprar, em segunda mão, um Renault 5 GTR 1300, que durou uns anos largos.” Quantos? “No mínimo uns 10 anos. Nunca mais fui a nenhum concurso e nunca mais tive hipótese de renovar a frota”, ironiza.

Apesar de não ter voltado a ganhar, a segunda participaç­ão “deu mais gozo”. Levou um grupo de jovens timorenses e outros do bairro para fazer a dança das velas, uma coreografi­a tradiciona­l de Timor-Leste. “Naquela altura [em que se lutava pela independên­cia do território] aquilo teve um significad­o político”, frisa Paulo Raimundo, que destaca esse lado de intervençã­o no facto de terem levado uma música de Zeca Afonso ou na forma como desenvolvi­am naquele grupo “um sentido de comunidade”.

Admitindo que é tímido, diz que chegou a sonhar ser ator. “Gostava de fazer. Era uma forma de combater a timidez.” E agora? As rábulas ficam fora de questão? “Nunca se sabe”, ri-se, frisando que no grupo todos participav­am, mesmo que “a maioria não tivesse talento para cantar ou dançar”.

Durante anos, teve estas participaç­ões gravadas em cassetes VHS em casa, até que alguém gravou alguma coisa por cima. Agora, o facto de Ricardo Araújo Pereira as ter ido buscar fê-lo pensar pedi-las à RTP. “Gostava de rever aquilo tudo.”

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal