As imagens perdidas que revelam a História do Carnaval do Rio
Rafael Cosme colecionou mais de 150 mil fotografias e negativos de filmes, quase todas feitas por amadores, que contam a História do Rio de Janeiro dos Anos 1890 aos Anos 1980. E uma certeza: “Não há como pesquisar sobre esta cidade sem passar pelo Carnav
Há seis anos, Rafael Cosme estava numa feira de antiguidades no Rio de Janeiro, quando encontrou, no chão, uma pilha de negativos de filmes. O vendedor disse que ninguém os queria. Custavam 2 dólares.
“Levei para casa dois sacos de negativos a pensar: O que é que estou a fazer com a minha vida?” recorda.
E assim começou a obsessão de Cosme pelas fotografias perdidas e descartadas do passado da sua cidade. Desde aquela manhã de 2018, colecionou mais de 150 000 fotografias e negativos de filmes, quase todas feitas por amadores, que contam a História do Rio de Janeiro dos Anos 1890 aos Anos 1980: um instantâneo no tempo, de cada vez.
No seu trabalho, apercebeu-se de que há um tema que aparece mais vezes do que qualquer outro... o Carnaval.
É a exalação coletiva anual do Rio — uma erupção de quatro dias de arte e música, disfarces e alegria — que recomeçou no sábado.
Esta celebração passou a definir o Rio de Janeiro em todo o mundo e tornou-se, ao mesmo tempo, um motor influente da cultura da cidade.
“Não há como pesquisar sobre esta cidade sem passar pelo Carnaval”, afirmou Cosme.
Mas através das fotografias, tiradas ao longo de décadas por fotógrafos cujos nomes se perderam na história, pôde ver como o Carnaval mudou com a cidade, e vice-versa.
Desde impressões com 100 anos, com uma tonalidade sépia, a diapositivos Kodachrome saturados, com 60 anos, as imagens revelaram tendências de mudança na sociedade, humor, moda, consumo de drogas e liberalização sexual.
As fotografias tiradas por amadores com as máquinas fotográficas do seu tempo têm muitas vezes uma beleza irregular e uma intimidade especial, em comparação com a perfeição digital dos dias de hoje.
“Percebi que há inúmeras histórias que eu poderia contar sobre esta cidade”, afirmou Cosme sobre a sua descoberta das fotografias perdidas do Rio. Porque dentro de cada casa, dentro de
cada armário, há uma caixa com revelações.”
O Carnaval, uma celebração de um dia antes da Quaresma cristã, chegou ao Brasil com os colonizadores portugueses e, durante séculos, manteve as tradições europeias. Era uma espécie de festa de disfarces, onde os foliões escondiam as suas identidades para pregar partidas aos vizinhos.
Em meados do século XIX, os brasileiros começaram a acrescentar música, dança e folia nas ruas. Na viragem do século XX, era uma festa em pleno.
Nessa época, as elites ricas do Rio começaram a desfilar pela cidade durante o Carnaval em carros abertos, segundo Maria Clementina Pereira Cunha, historiadora que escreveu livros sobre o Carnaval do Rio.
Era, em parte, uma forma de exibir a sua riqueza, afirmou ela. Mas quando os moradores dos subúrbios começaram a juntar dinheiro para alugar carros para desfilar também, a tendência saiu de moda entre as elites e morreu na década de 1930.
Mesmo com a sua constante evolução, o Carnaval continuou a ser uma festa de disfarces. As fotografias revelam que muitas pessoas, em particular entre os pobres do Brasil, criaram roupas criativas em casa, usando o que conseguiam encontrar.
“As mães costuravam e bordavam para que os filhos ficassem apresentáveis no Carnaval», afirmou Pereira Cunha. “É por isso que queriam que lhes tirassem uma fotografia.”
Os disfarces também eram satíricos e divertidos, fazendo por vezes referência à cultura pop e a acontecimentos da atualidade — referências que, atualmente, nem sempre são tão claras.
Um dos disfarces mais populares era o de homens que se vestiam de mulher. Eram feitos para ser uma piada, muitas vezes com tropos sexistas e, com o tempo, caíram em desuso.
Os disfarces de palhaço foram populares durante muito tempo, mas ao longo de décadas tornaram-se mais sinistros. As pessoas que os usavam tentavam, muitas vezes, assustar os outros foliões.
Com o tempo, os moradores dos subúrbios cariocas criaram um estilo chamado “bate bola”, um disfarce que envolvia palhaços ameaçadores que batiam bolas amarradas a cordões contra a rua. Este tipo de disfarce tornou-se conhecido por assustar as crianças, mantendo-se ainda hoje.
Na década de 1910, as pessoas começaram a transportar garrafas de vidro com um líquido perfumado à base de éter que proporcionava uma breve euforia. Mais tarde, as garrafas deram lugar a latas pressurizadas. Chamavam-lhes “lança-perfume”.
Os foliões pulverizavam a mistura na multidão ou em estranhos, muitas vezes para namoriscar, afirmou Felipe Ferreira, historiador do Carnaval da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O Governo proibiu os sprays em 1961, no entanto uma versão mais forte ainda hoje é utilizada ilegalmente.
O século XX trouxe também os “blocos”, ou bandas de rua, que se tornaram, e hoje ainda são, parte integrante do Carnaval brasileiro. Cada um é uma espécie de clube social que toca música na rua, com tambores, buzinas e, muitas vezes, com conjuntos a condizer.
Desfilavam habitualmente pela cidade, animando festas improvisadas, com diferentes blocos oferecendo diferentes estilos de música, disfarces e temas.
E no final da década de 1920, chegaram as chamadas escolas de samba. Eram grupos formais de músicos e dançarinos de samba que faziam espetáculos cada vez mais elaborados, contando histórias através de disfarces, letras e dança. Estas eram constituídas principalmente por habitantes negros dos bairros mais pobres e tinham por objetivo celebrar a sua herança afro-brasileira.
Como as escolas de samba se tornaram a atração mais popular do Carnaval carioca, a prefeitura fechou uma avenida principal para os desfiles das mesmas e acrescentou decorações de grandes dimensões e arquibancadas. As escolas, por sua vez, adotaram disfarces e carros alegóricos ainda mais extravagantes. Presentemente, o desfile continua a ser o ponto central do Carnaval do Rio, sendo realizado num estádio próprio construído em 1984.
Desde impressões com 100 anos, com uma tonalidade sépia, a diapositivos Kodachrome saturados, com 60 anos, as imagens revelaram tendências de mudança na sociedade, humor, moda, consumo de drogas e liberalização sexual.