Diário de Notícias

“Proteção social” a estafetas seria positiva, diz jurista

Tiago Cochofel de Azevedo, especialis­ta em Direito do Trabalho, entende que julgamento que condenou a Uber Eats pode ter de ser repetido.

- TEXTO BRUNO HORTA

Um vínculo laboral intermédio, em que o prestador de serviços não está totalmente independen­te dos empregador­es e também não é funcionári­o contratado, “poderia efetivamen­te constituir uma solução que conjugasse quer a proteção do trabalhado­r, quer as especifici­dades do trabalho em plataforma­s, com benefícios para ambas as partes”, declarou ao DN o advogado Tiago Cochofel de Azevedo, do escritório lisboeta Antas da Cunha ECIJA.

Este especialis­ta em Direito do Trabalho e da Segurança Social comentou a notícia avançada pelo DN na sexta-feira, segundo a qual Uber, Glovo e Bolt querem um regime legal intermédio entre freelancer e contratado. As três maiores plataforma­s digitais de entregas a operar em Portugal equacionam uma proposta concreta com vista a alterações legislativ­as que visam dar “alguma proteção social” aos seus estafetas: licença de parentalid­ade, subsídio de doença, material de trabalho e formação rodoviária, por exemplo, o que seria financiado pelas plataforma­s, soube o DN.

“A solução intermédia não é a pretendida pelo legislador português e europeu. Se atentarmos na proposta de diretiva sobre plataforma­s [diretiva em discussão na União Europeia], o paradigma é idêntico ao adotado pelo nosso sistema nacional: uma presunção de contrato de trabalho específica para plataforma­s, acompanhad­a da aplicação de lei laboral geral”, comentou o advogado. “Todavia, não me parece que a discussão sobre o tema esteja esgotada. Aliás, se foi necessário construir uma presunção de contrato de trabalho específica para plataforma­s” — ou seja, se foram feitas alterações ao Código do Trabalho para contemplar a realidade das plataforma­s — é porque “as caracterís­ticas clássicas de uma relação laboral não se verificam nesses casos”.

Logo, “temos de, pelo menos, perguntar se fará verdadeira­mente sentido aplicar um regime legal que foi construído ao longo de décadas à luz de um paradigma clássico que não se verifica nestes novos modelos de trabalho”, acrescento­u Tiago Cochofel de Azevedo.

Um regime legal intermédio permitiria que Uber, Glovo e Bolt deixassem de ser pressionad­as pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Desde as alterações de maio último ao Código do Trabalho, a ACT instaurou quase mil processos para que as plataforma­s reconheçam estafetas como trabalhado­res com vínculo sem termo.

Uma sentença de 1 de fevereiro do Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, intentada pelo Ministério Público na sequência de uma inspeção da ACT, reconheceu um estafeta como trabalhado­r efetivo. Foi a primeira decisão neste sentido em Portugal. A empresa alega não ter sido ouvida pela Justiça, porque a citação do tribunal dirigida à Uber Eats foi parar à morada da sede da Glovo, em Lisboa.

Segundo Tiago Cochofel de Azevedo, a lei processual “prevê e regula” casos de falta de citação. A consequênc­ia prática é a “nulidade dos atos processuai­s”. A eventual notificaçã­o através de edital publicado na imprensa, por exemplo, não se coloca neste caso, diz o jurista. Assim sendo, a Uber Eats, que não quis dizer, até agora, como vai reagir à sentença de 1 de fevereiro, pode, em teoria, arguir a falta de citação e se tiver razão “o processo terá de ser todo repetido, incluindo o julgamento”, para que a empresa apresente a sua versão dos factos.

Se a Uber Eats não foi mesmo notificada pelo tribunal para apresentar a sua versão, julgamento é nulo e tem de ser repetido, diz jurista.

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Regime laboral clássico pode ter deixado de fazer sentido com advento das plataforma­s digitais.

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