“Proteção social” a estafetas seria positiva, diz jurista
Tiago Cochofel de Azevedo, especialista em Direito do Trabalho, entende que julgamento que condenou a Uber Eats pode ter de ser repetido.
Um vínculo laboral intermédio, em que o prestador de serviços não está totalmente independente dos empregadores e também não é funcionário contratado, “poderia efetivamente constituir uma solução que conjugasse quer a proteção do trabalhador, quer as especificidades do trabalho em plataformas, com benefícios para ambas as partes”, declarou ao DN o advogado Tiago Cochofel de Azevedo, do escritório lisboeta Antas da Cunha ECIJA.
Este especialista em Direito do Trabalho e da Segurança Social comentou a notícia avançada pelo DN na sexta-feira, segundo a qual Uber, Glovo e Bolt querem um regime legal intermédio entre freelancer e contratado. As três maiores plataformas digitais de entregas a operar em Portugal equacionam uma proposta concreta com vista a alterações legislativas que visam dar “alguma proteção social” aos seus estafetas: licença de parentalidade, subsídio de doença, material de trabalho e formação rodoviária, por exemplo, o que seria financiado pelas plataformas, soube o DN.
“A solução intermédia não é a pretendida pelo legislador português e europeu. Se atentarmos na proposta de diretiva sobre plataformas [diretiva em discussão na União Europeia], o paradigma é idêntico ao adotado pelo nosso sistema nacional: uma presunção de contrato de trabalho específica para plataformas, acompanhada da aplicação de lei laboral geral”, comentou o advogado. “Todavia, não me parece que a discussão sobre o tema esteja esgotada. Aliás, se foi necessário construir uma presunção de contrato de trabalho específica para plataformas” — ou seja, se foram feitas alterações ao Código do Trabalho para contemplar a realidade das plataformas — é porque “as características clássicas de uma relação laboral não se verificam nesses casos”.
Logo, “temos de, pelo menos, perguntar se fará verdadeiramente sentido aplicar um regime legal que foi construído ao longo de décadas à luz de um paradigma clássico que não se verifica nestes novos modelos de trabalho”, acrescentou Tiago Cochofel de Azevedo.
Um regime legal intermédio permitiria que Uber, Glovo e Bolt deixassem de ser pressionadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Desde as alterações de maio último ao Código do Trabalho, a ACT instaurou quase mil processos para que as plataformas reconheçam estafetas como trabalhadores com vínculo sem termo.
Uma sentença de 1 de fevereiro do Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, intentada pelo Ministério Público na sequência de uma inspeção da ACT, reconheceu um estafeta como trabalhador efetivo. Foi a primeira decisão neste sentido em Portugal. A empresa alega não ter sido ouvida pela Justiça, porque a citação do tribunal dirigida à Uber Eats foi parar à morada da sede da Glovo, em Lisboa.
Segundo Tiago Cochofel de Azevedo, a lei processual “prevê e regula” casos de falta de citação. A consequência prática é a “nulidade dos atos processuais”. A eventual notificação através de edital publicado na imprensa, por exemplo, não se coloca neste caso, diz o jurista. Assim sendo, a Uber Eats, que não quis dizer, até agora, como vai reagir à sentença de 1 de fevereiro, pode, em teoria, arguir a falta de citação e se tiver razão “o processo terá de ser todo repetido, incluindo o julgamento”, para que a empresa apresente a sua versão dos factos.
Se a Uber Eats não foi mesmo notificada pelo tribunal para apresentar a sua versão, julgamento é nulo e tem de ser repetido, diz jurista.