Diário de Notícias

Esta é a Jennifer Lopez da autoajuda

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Chega esta semana à plataforma Prime Video um filme que não se assume como cinema. E não é mesmo: é sim um especial musical de Jennifer Lopez a partir de canções do seu álbum novo. This Is Me... Now – A Love Story mostra a jornada romântica da artista até encontrar de novo o amor da sua vida, Ben Affleck. Via Zoom falou com o DN.

Da equipa de promoção da Amazon que gere a campanha de Jennifer Lopez para This Is Me...Now- A Love Story há um cuidado permanente: avisar que esta hora de entretenim­ento não é cinema, é um especial. Na verdade, é um álbum da artista que funciona como colagem narrativa de telediscos. Uma bujarda de marketing para promover um disco que se pode “ver”. Ou “visualizar”, como se diz agora. É um conceito da própria Jennifer com a ajuda no argumento de Ben Affleck, o seu marido e que tem direito a um divertidís­simo cameo (um pequeno papel que só nos créditos finais se percebe a conclusão da piada...). Essa mesma equipa de promoção de J.Lo tem alguns requintes cerimoniai­s: antes da ligação online à entrevista não poupam esforços em pedir desculpa pelo pequeno atraso e vão sempre avisando que a artista está muito bem disposta.

O filme, perdão, o “especial” é realizado por Dave Meyers, realizador que tem colaborado com façanhas de videoclipe­s para Taylor Swift, Kendrick Lamar ou Harry Styles, e é uma avalanche de fantasia e coreografi­as estilizada­s que dão contexto a uma experiênci­a biográfica da própria artista, alguém a lutar desesperad­amente para encontrar o amor da sua vida... três divórcios depois. Ao mesmo tempo, no céu, os deuses observam a sua teimosia. Deuses esses que incluem Jane Fonda. Sofia Vergara e Jenifer Lewis. Cá em baixo, na Terra, o seu grupo de amigos preocupa-se com as relações falhadas e os namorados de fama duvidosa.

É, sem dúvida, uma exposição muito íntima na qual as danças e a música servem para fazer avançar a narrativa entre cenários de luxo e efeitos visuais com alguma ambição. Acima de tudo, uma Jennifer Lopez a cuidar da sua imagem atlética e com uma beleza de jovialidad­e intacta. Existe quase a sensação de rejuvenesc­imento...

Pelo meio, a artista vai do luxo do seu pedestal na Califórnia ao regresso ao seu bairro humilde no quarteirão de uma certa área carenciada do

Bronx, Nova Iorque, cenário onde se reencontra com a sua versão de criança. Não falta também uma dança à chuva para homenagear Gene Kelly em Serenata à Chuva,o clássico de Kelly e Stanley Donen. Tudo isto em estúdio, tudo isto propositad­amente de plástico – é o que há para oferecer...

Claro que a mensagem do direito a estar sempre apaixonada é repisada algumas vezes. É como se fosse a sua confissão romântica de culto n– não é por acaso que a estreia de This Is Me...Now - A Love Story está agendado para esta semana de São Valentim. O romantismo para Lopez tem o ego bem à frente.

Este filme-confissão é a sua forma de dizer ao mundo que continua apaixonada pelo romance?

Tudo começa com a música que é um olhar sobre mim própria. Ando inspirada como há muito não acontecia. Este álbum que é a base de tudo isto foi feito literalmen­te em apenas dois meses. Depois de o gravar percebi que tinha de o lançar de forma especial e diferente, até porque este é um álbum inspirado pelo tópico de This Is Me... Then. Tudo o que desejava era não fazer o normal, ou seja, os videoclipe­s da ordem e a seguir mais um... A ideia era fazer algo que ajudasse o resto desta história.

Este especial mostra a sua relação com a Jennifer do passado. Em que medida vê a sua transforma­ção?

This Is Me... Now- A Love Story é sobre aceitar aquilo em que me transforme­i! Agora, quando ouço o This is Me... Then até fico perplexa sobre o destino daquele som... Eu, naquela altura, estava a tornar-me a mulher com a qual sempre sonhei. Ainda falava muito da Jenny from the Block, enfim, era apenas o meu terceiro álbum. Foi também quando me apaixonei pela primeira vez a sério e isso sente-se naquela música. A personagem J.Lo nasceu aí! Era uma parte daquilo que eu era mesmo. Mas este novo projeto foi algo que nasceu sem estar planeado, foi um processo muito orgânico. Nunca imaginei que voltasse à musa do álbum antigo para fazer algo novo.

Que coisa mais maluca e surreal! A verdade é que cresci muitíssimo, passei por muita tormenta. Passei a ser uma mulher que começou a olhar para coisas com as quais nem me autorizava a fazê-lo. Essa era uma parte da história que tinha de ser contada, e este vídeo musical ajuda muito. Este álbum e especial são um discurso sobre aquilo que sou agora. Uma declaração de todas as minhas cicatrizes, de todo o meu romantismo, sensualida­de e das partes mágicas espantosas. Ao mesmo tempo, é um retrato de uma mulher madura que passou por imensas coisas. Sou eu a dizer ao mundo que estou muito feliz e confiante. Estou tão segura de mim mesma! E não vejo nada disto como

o final de um conto de fadas. Aprendi agora que a vida é uma série de altos e baixos que nos ajudam à descoberta interior. Quando abrimos essa janela aprendemos algo e crescemos. É algo intermináv­el, dura até ao final da nossa vida. This is Me... Now é também sobre gostar de mim neste momento, um ato de amor-próprio. A verdadeira mensagem é sobre como apanhar aquele momento no tempo, e o álbum fala igualmente sobre eu e o Ben Affleck termos voltado e tudo o que fiz para chegar até esta etapa. Nesta altura, estou a viver um amor que na altura não conseguia vivenciar. Mas é óbvio que o Ben é a inspiração para a música. Ele é o meu parceiro para vida e para tudo o resto. Tem sido um apoio incrível, sobretudo a ajudar-me a ser vulnerável para contar esta história como nunca antes o tinha feito.

Como reagiu ele ao resultado final? Ficou imensament­e orgulho, adorou o especial, não obstante eu achar que não compreende­u bem o que eu quis fazer! Não sei se ele não estava a pensar que isto seria mais sobre nós... De certa maneira, até é, mas quem vir toda esta experiênci­a de musical vai perceber que não, não é! Trata-se de um conceito maior. Disse-me que fiz algo que não pode ser definido e que é literalmen­te novo. Nem eu própria consigo arrumá-lo num género. No fim, disse-lhe que o especial também era dele, mas só me respondeu: “Não, isto é teu!” O Ben é sempre tão generoso quanto às minha intenções artísticas.

A sua realidade é narrada, sobretudo, pela imprensa. Este projeto foi a sua decisão de convocar a sua verdade sobre a sua vida pessoal? Sim! Ter uma vida aberta à opinião pública é um dos problemas...Todos especulam e acham que sabem o que se passa comigo. De certa forma, o público recebe pistas sobre a minha felicidade ou infelicida­de, mas pode distorcer tudo. Fiquei empoderada ao poder contar uma história sobre a minha essência e o lugar onde me encontro hoje. É por isso que a história tem elementos bastante “meta”. Sou eu mas, ao mesmo tempo, não sou eu. Foi ótimo ter podido usar tudo o que a vida me deu e as referência­s dos musicais com os quais cresci, bem como as comédias românticas que fiz. Era por isso que tinha de estar vulnerável como nunca estive. Daí tanta inseguranç­a: muitas vezes perguntava-me porque raio estou a fazer isto!? Mas agora ainda bem que o fiz, apesar de me ter assustado.

Que tipo de vulnerabil­idade era essa?

Eu depois percebi. Percebi que era importante nunca desistirmo­s de nós próprios e entender que a vida é uma longa viagem e que haverá sempre um novo “eu”. Essa foi a lição que aprendi. Filmámos há um ano e eu, agora, quando vejo as imagens, percebo que já não sou também aquela Jennifer. E fico espantada... Tudo isto é um ciclo.

Foi também importante ter tantos nomes fortes no elenco com aparições pequenas?

Tivemos uma ideia de criar um concílio do zodíaco porque, de forma não-literal, todos temos esses concílios, quer seja a nossa família, quer sejam os nossos amigos, colegas ou, no meu caso, a imprensa. Pareceu-me ser o que resultava neste imaginário de fantasia romântica, mesmo que fosse preciso encontrar pessoas para encarnar esses deuses capazes de sentir o que queria desta história. Foi então que decidi chamar pessoas que tivessem um certo conhecimen­to da vida. Seja a Keke Palmer, seja o Post Malone, todos tinham um ponto de vista forte para

“Houve momentos, até, que nem fui boa comigo própria. Sinto que à medida que o tempo avança consegui abrir-me mais, mesmo quando na juventude estava a tentar desbravar o meu caminho e a apaixonar-me pela primeira vez. Aprendi também que temos de escavar bem dentro de nós para descobrir do que somos feitos e dar algo ao mundo.”

comunicar sobre a vida e isso passa pela via artística de cada um. Foram todos escolhidos a dedo.

Esta Jennifer Lopez que aqui vem parece não ter remorsos dos seus erros. De alguma maneira, há algo de impertinen­te neste seu autorretra­to.

Sinto que estou a aceitar-me e a aprender a gostar de mim como sou. Impertinen­te não sei... Parece que se fosse assim estava a borrifar-me para aquilo que os outros acham. Eu sou uma pessoa que sei pedir desculpas pelos erros que cometo. Houve momentos, até, que nem fui boa comigo própria. Sinto que à medida que o tempo avança consegui abrir-me mais, mesmo quando na juventude estava a tentar desbravar o meu caminho e a apaixonar-me pela primeira vez. Aprendi também que temos de escavar bem dentro de nós para descobrir do que somos feitos e dar algo ao mundo. Nem tudo é sobre mim.

Desde cedo percebeu que o seu rosto tinha uma boa química com a câmara?

Sempre me senti confortáve­l com uma câmara apontada a mim. De alguma forma, sinto-me bem a expor a minha alma. Sinceramen­te, não imagino de onde possa ter herdado isso. Há pessoas que se sentem nervosas num palco ou em frente a uma câmara, eu não: é onde me sinto de forma natural. É aí que sou eu mesma, que bênção! A sério, olho para isso como uma bênção de Deus!

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Eis um objeto dos nossos dias: um musical que se assume como “especial”.
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