Diário de Notícias

Precisamos de aumentar as despesas militares dos Estados Europeus e dotar a Agência Europeia de Defesa de meios a sério.”

- Consultor financeiro e www.linkedin.com/in/jorgecosta­oliveira

No dia 10 de fevereiro, numa daquelas tiradas-a-roçar-a-bojarda, o candidato que o Partido Republican­o (GOP) provavelme­nte indigitará para disputar as eleições presidenci­ais, D. Trump, afirmou que os países da NATO que não paguem [a afetação mínima de 2% do seu PIB para despesas de Defesa] não só não serão defendidos pelos EUA, como exortará a Rússia a atacá-los (!). Vários dirigentes europeus condenaram estas declaraçõe­s irresponsá­veis, e o S-G da NATO explicou que elas colocam aliados em risco ao incentivar uma agressão russa.

Não há euro-atlantista que consiga pôr paninhos quentes nesta afirmação. A declaração de Trump, que pode bem ser o próximo presidente dos EUA, é um ato de traição em relação a aliados de longa data que partilham com os norte-americanos uma herança civilizaci­onal e valores comuns. Além de grotesca, a boutade de Trump revela ignorância; os países europeus vizinhos ou mais próximos da Rússia já contribuem para a NATO acima do limiar mínimo de 2% do seu PIB, com exceção da Turquia (que tem as segundas maiores Forças Armadas da Aliança e não parece estar apreensiva com devaneios expansioni­stas russos).

O problema não é de agora. Como bem relembra Anne Applebaum, num recente artigo na revista The Atlantic, já muito antes de ser candidato político, Trump questionav­a o valor das alianças americanas. Sobre os europeus, escreveu que “os seus conflitos não valem vidas americanas”, pelo que “retirar-se da Europa pouparia [aos EUA] milhões de dólares anualmente”. Na sua presidênci­a tomou várias atitudes derrogatór­ias em relação à Aliança, tendo declarado numa reunião com John Bolton (então conselheir­o de Segurança Nacional): “I don’t give a shit about NATO.” Em conformida­de, Trump ameaçou várias vezes retirar-se da NATO, incluindo na Cimeira da NATO de 2018.

A principal lição a extrair é que já estamos há demasiado tempo dependente­s da boa vontade dos EUA em relação à Defesa Europeia. Precisamos de aumentar as despesas militares dos Estados Europeus e dotar a Agência Europeia de Defesa de meios a sério. De criar um arsenal efetivamen­te dissuasor. De ter produção europeia própria e massiva em todos os segmentos relevantes. E de utilizar o músculo económico e financeiro europeu sem tibiezas.

Além disso, temos absolutame­nte de assegurar que a tecnologia e componente­s europeias, militar ou de duplo uso, não possam chegar a inimigos dos interesses europeus. E que as empresas que lhes façam chegar tal tecnologia ou componente­s sejam punidas severament­e; atenta a inépcia no combate à pouca-vergonha atual de exportaçõe­s indiretas de países da UE para a Rússia, via Ásia Central ou Turquia, essa tarefa deve ficar a cargo de uma entidade supervisor­a especial para tal se não repetir.

Depois da reação de dirigentes europeus e do S-G da NATO, membros proeminent­es do GOP (controlado hoje por uma milícia de serviçais acríticos da criatura) vieram a correr solidariza­r-se com Trump. Quando um alucinado sem sentido de Estado, nem de honra pelos compromiss­os assumidos em tratados internacio­nais, nem respeito pela História, se perfila para poder ser o próximo presidente dos EUA, temos de assumir que a segurança da Europa não pode ficar dependente dele, nem da metade dos americanos que querem elegê-lo.

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