Mau tempo não fez foliões desistirem da diversão no Carnaval
Em Ovar, como é tradição, o Carnaval fez-se de muita cor e alegria, mas também ao som dos ritmos brasileiros do samba. A chuva não demoveu os foliões das ruas da cidade.
Loulé, no Algarve, reclama o título de Apesar das baixas temperaturas, os cortejos fizeram-se, como é habitual, com muito pouca roupa.
DNa aldeia transmontana de Podence os saíram à rua. O é classificado como Património Imaterial da Humanidade e chama muitos visitantes, de todo o país, à aldeia do Distrito de Bragança. e norte a sul do país, passando pelas ilhas, o Carnaval saiu à rua, apesar de alguns adiamentos, no domingo, devido ao mau tempo. Ontem, Terça-feira Gorda, vários desfiles animaram os foliões. Em Podence, o Entrudo Chocalheiro, classificado pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, também saiu à rua.
Endiabrados, os Caretos e as suas vestes de lã coloridas, máscaras de metal encarnadas e chocalhos à cintura, andaram pelas ruas da aldeia transmontana a “chocalhar” as mulheres. Os Facanitos – crianças que já se mascaram de caretos – também entraram na brincadeira e a Aldeia de Podence encheu-se de visitantes, de todo o país, para assistirem à festa.
O Carnaval de Torres Vedras, tido como “O mais português de Portugal”, também fez cumprir a tradição. As Matrafonas – homens mascarados de mulher – fizeram das suas pelas ruas daquela cidade do oeste. Os carros alegóricos, com sátira política e social, foram outro dos atrativos da festa que, todos os anos, chama à região milhares de pessoas. O tema deste ano foi Carnaval do
Entrudo Chocalheiro Caretos
Futuro a folia.
A norte, em Ovar, e a sul, em Loulé, os cortejos também saíram à rua, com mais ou menos pele à mostra e samba no pé.
No entanto, o Carnaval também é bem conhecido por ser uma época de excessos. A PSP apreendeu 15 260 doses de droga e 44 armas de fogo, bem como 26 armas brancas, no âmbito da operação Carnaval em Segurança, em que deteve 13 pessoas por posse de armas proibidas. Entre 5 e 12 de fevereiro, segunda-feira, a PSP deteve 481 pessoas, das quais 117 por crimes rodoviários e 62 por condução sob efeito de álcool, durante ações de fiscalização rodoviária realizadas em Portugal continental e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Foram detidos 55 condutores sem carta e 49 por tráfico de droga não especificada no comunicado que a PSP emitiu ontem. Foram registados 1187 acidentes, dos quais resultaram 351 feridos ligeiros, cinco feridos graves e duas vítimas mortais. e, apesar dos chuviscos, não faltou
De frente para televisão, o momento ia-se repetindo, sem sombra de saturação. Pelo contrário, quanto mais víamos e ouvíamos, mais queríamos ver e ouvir. Foi assim que, sem nos apercebermos, eu e as minhas irmãs nos juntámos ao movimento político mais poderoso que conheço: o da mobilização colectiva por Justiça Social.
Fizemo-lo despreocupadamente, entre brincadeiras de infância, sob a condução de um pai-feito-maestro, e o ritmo do coro mais entoado daqueles tempos: “We are theWorld.We are the children”, ou, na tradução para o português, “Nós somos o mundo. Nós somos as crianças”.
Enquanto desafinávamos, imitávamos os esgares das estrelas no vídeo, e inventávamos palavras que soavam a inglês, a fome cobria de morte a Etiópia, tragédia que motivou a criação desse refrão, lançado em 1985.
Na altura, estava já horrorizada com as imagens de crianças etíopes severamente subnutridas, e pareceu-me natural ver tantas vozes unidas numa campanha solidária.
Como que movidas por um incontornável dever de humanidade.
Hoje revisito esses sentimentos à boleia do documentário A Grande Noite da Pop, que apresenta, de forma inédita, os bastidores dessa actuação.
Voz-guia ao longo da produção, o músico Lionel Richie conta-nos como o lendário militante pelos direitos civis, Harry Belafonte, o desafiou: “Vemos pessoas brancas a salvar pessoas negras, mas não vemos pessoas negras a fazê-lo. Temos de salvar o nosso povo da fome.”
O repto, parafraseado por Lionel, traduzia o empenho do músico e actor em aproximar a geração mais nova de artistas afro-americanos da realidade africana.
A inspiração, ficamos a saber no documentário, é indissociável do single Do They Know It’s Christmas?, gravado em 1984 por estrelas da música britânica e escocesa, reunidas no grupo Band Aid.
Entre as notas de uma e outra composição, encontramos uma resposta à tragédia etíope, à época mediatizada e globalizada a partir de uma reportagem emitida pela BBC.
Mas, acima de tudo, vejo n’ A Grande Noite da Pop uma enorme demonstração da nossa força política. Individual e colectiva.
Para quem conhece o tema We are theWorld,ea constelação de mais de 40 estrelas que lhe deram vida – a começar por Lionel Ritchie e Michael Jackson, parceiros na composição –, é impressionante perceber que tudo aconteceu na base do “passa a palavra” e “vamos ver quem aparece”.
Não menos admirável é acompanhar como se geriram as tensões e frustrações ao longo de uma noite e madrugada de gravações, realizada em Los Angeles sob a batuta do inimitável Quincy Jones.
Tão genial quanto providencial, o produtor dos produtores afixou, à porta do estúdio, o aviso “Check your ego at the door”, traduzível para “Verifiquem o vosso ego à entrada”.
É verdade que nem por isso os egos ficaram de fora, mas acredito que a simples recomendação produz alguns efeitos de auto-regulação, visivelmente em défice nos estúdios de TV que, até dia ao próximo dia 23, recebem os debates para as legislativas, férteis na criação de moderadores-contendedores.
Mas deixo essa conversa para outro momento, e fixo-me n’ A Grande Noite da Pop.
À medida que percorro as imagens por detrás do projecto que angariou milhões de dólares para combater a fome na Etiópia, penso no mundo que somos, agora pouco compatível com a minha velha e ingénua crença num incontornável dever de humanidade.
Questiono-me se as novas gerações de músicos, educadas numa era de tragédias transmitidas ao minuto e em directo, seriam capazes de se mobilizar massiva e globalmente, e sem qualquer retorno financeiro, pela(s) mesma(s) causa(s).
Escrevo músicos porque está neles o foco d’ A Grande Noite da Pop, mas estou a falar de todos nós. O tal mundo e as crianças que somos.
Se em meados dos Anos 80, a catástrofe etíope ainda era capaz de suscitar comoção generalizada – activando o tal dever de humanidade para a acção –, desconfio que no novo quotidiano, povoado de redes sociais e múltiplos canais de notícias com transmissão ininterrupta, pudesse desmerecer actualidade.
Diante da avalanche de informação, desinformação e dessensibilização que nos atravessa, o que antes era indiscutível, à luz de valores humanos, torna-se cada vez mais discutível, à luz de publicações, reacções e comentários online.
Como se as normas humanitárias fossem descartáveis em função das circunstâncias, entendimento para o qual o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertava, no final do ano passado, a propósito do genocídio na Palestina.
“O Direito Humanitário Internacional estabelece regras claras que não podem ser ignoradas. Não é um menu à la carte, e não pode ser aplicado selectivamente”, destacou o líder da ONU.
O aviso continua, contudo, a cair em saco-roto: os ataques israelitas em Gaza persistem, e, segundo as autoridades locais, já totalizam acima de 28 mil mortes, incluindo mais de 11 500 menores de 18 anos.
O grupo Euro-Mediterranean Human Rights Monitor acrescenta outro dado ao balanço do genocídio: 24 000 crianças perderam um ou ambos os pais.
A cada vida subtraída e trauma somado, fica evidente que, no mundo em que estamos, “Não somos estas crianças”. Mas temos o dever de ser.