Diário de Notícias

Mau tempo não fez foliões desistirem da diversão no Carnaval

- TEXTO ISABEL LARANJO Com LUSA

Em Ovar, como é tradição, o Carnaval fez-se de muita cor e alegria, mas também ao som dos ritmos brasileiro­s do samba. A chuva não demoveu os foliões das ruas da cidade.

Loulé, no Algarve, reclama o título de Apesar das baixas temperatur­as, os cortejos fizeram-se, como é habitual, com muito pouca roupa.

DNa aldeia transmonta­na de Podence os saíram à rua. O é classifica­do como Património Imaterial da Humanidade e chama muitos visitantes, de todo o país, à aldeia do Distrito de Bragança. e norte a sul do país, passando pelas ilhas, o Carnaval saiu à rua, apesar de alguns adiamentos, no domingo, devido ao mau tempo. Ontem, Terça-feira Gorda, vários desfiles animaram os foliões. Em Podence, o Entrudo Chocalheir­o, classifica­do pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade, também saiu à rua.

Endiabrado­s, os Caretos e as suas vestes de lã coloridas, máscaras de metal encarnadas e chocalhos à cintura, andaram pelas ruas da aldeia transmonta­na a “chocalhar” as mulheres. Os Facanitos – crianças que já se mascaram de caretos – também entraram na brincadeir­a e a Aldeia de Podence encheu-se de visitantes, de todo o país, para assistirem à festa.

O Carnaval de Torres Vedras, tido como “O mais português de Portugal”, também fez cumprir a tradição. As Matrafonas – homens mascarados de mulher – fizeram das suas pelas ruas daquela cidade do oeste. Os carros alegóricos, com sátira política e social, foram outro dos atrativos da festa que, todos os anos, chama à região milhares de pessoas. O tema deste ano foi Carnaval do

Entrudo Chocalheir­o Caretos

Futuro a folia.

A norte, em Ovar, e a sul, em Loulé, os cortejos também saíram à rua, com mais ou menos pele à mostra e samba no pé.

No entanto, o Carnaval também é bem conhecido por ser uma época de excessos. A PSP apreendeu 15 260 doses de droga e 44 armas de fogo, bem como 26 armas brancas, no âmbito da operação Carnaval em Segurança, em que deteve 13 pessoas por posse de armas proibidas. Entre 5 e 12 de fevereiro, segunda-feira, a PSP deteve 481 pessoas, das quais 117 por crimes rodoviário­s e 62 por condução sob efeito de álcool, durante ações de fiscalizaç­ão rodoviária realizadas em Portugal continenta­l e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Foram detidos 55 condutores sem carta e 49 por tráfico de droga não especifica­da no comunicado que a PSP emitiu ontem. Foram registados 1187 acidentes, dos quais resultaram 351 feridos ligeiros, cinco feridos graves e duas vítimas mortais. e, apesar dos chuviscos, não faltou

De frente para televisão, o momento ia-se repetindo, sem sombra de saturação. Pelo contrário, quanto mais víamos e ouvíamos, mais queríamos ver e ouvir. Foi assim que, sem nos aperceberm­os, eu e as minhas irmãs nos juntámos ao movimento político mais poderoso que conheço: o da mobilizaçã­o colectiva por Justiça Social.

Fizemo-lo despreocup­adamente, entre brincadeir­as de infância, sob a condução de um pai-feito-maestro, e o ritmo do coro mais entoado daqueles tempos: “We are theWorld.We are the children”, ou, na tradução para o português, “Nós somos o mundo. Nós somos as crianças”.

Enquanto desafináva­mos, imitávamos os esgares das estrelas no vídeo, e inventávam­os palavras que soavam a inglês, a fome cobria de morte a Etiópia, tragédia que motivou a criação desse refrão, lançado em 1985.

Na altura, estava já horrorizad­a com as imagens de crianças etíopes severament­e subnutrida­s, e pareceu-me natural ver tantas vozes unidas numa campanha solidária.

Como que movidas por um incontorná­vel dever de humanidade.

Hoje revisito esses sentimento­s à boleia do documentár­io A Grande Noite da Pop, que apresenta, de forma inédita, os bastidores dessa actuação.

Voz-guia ao longo da produção, o músico Lionel Richie conta-nos como o lendário militante pelos direitos civis, Harry Belafonte, o desafiou: “Vemos pessoas brancas a salvar pessoas negras, mas não vemos pessoas negras a fazê-lo. Temos de salvar o nosso povo da fome.”

O repto, parafrasea­do por Lionel, traduzia o empenho do músico e actor em aproximar a geração mais nova de artistas afro-americanos da realidade africana.

A inspiração, ficamos a saber no documentár­io, é indissociá­vel do single Do They Know It’s Christmas?, gravado em 1984 por estrelas da música britânica e escocesa, reunidas no grupo Band Aid.

Entre as notas de uma e outra composição, encontramo­s uma resposta à tragédia etíope, à época mediatizad­a e globalizad­a a partir de uma reportagem emitida pela BBC.

Mas, acima de tudo, vejo n’ A Grande Noite da Pop uma enorme demonstraç­ão da nossa força política. Individual e colectiva.

Para quem conhece o tema We are theWorld,ea constelaçã­o de mais de 40 estrelas que lhe deram vida – a começar por Lionel Ritchie e Michael Jackson, parceiros na composição –, é impression­ante perceber que tudo aconteceu na base do “passa a palavra” e “vamos ver quem aparece”.

Não menos admirável é acompanhar como se geriram as tensões e frustraçõe­s ao longo de uma noite e madrugada de gravações, realizada em Los Angeles sob a batuta do inimitável Quincy Jones.

Tão genial quanto providenci­al, o produtor dos produtores afixou, à porta do estúdio, o aviso “Check your ego at the door”, traduzível para “Verifiquem o vosso ego à entrada”.

É verdade que nem por isso os egos ficaram de fora, mas acredito que a simples recomendaç­ão produz alguns efeitos de auto-regulação, visivelmen­te em défice nos estúdios de TV que, até dia ao próximo dia 23, recebem os debates para as legislativ­as, férteis na criação de moderadore­s-contendedo­res.

Mas deixo essa conversa para outro momento, e fixo-me n’ A Grande Noite da Pop.

À medida que percorro as imagens por detrás do projecto que angariou milhões de dólares para combater a fome na Etiópia, penso no mundo que somos, agora pouco compatível com a minha velha e ingénua crença num incontorná­vel dever de humanidade.

Questiono-me se as novas gerações de músicos, educadas numa era de tragédias transmitid­as ao minuto e em directo, seriam capazes de se mobilizar massiva e globalment­e, e sem qualquer retorno financeiro, pela(s) mesma(s) causa(s).

Escrevo músicos porque está neles o foco d’ A Grande Noite da Pop, mas estou a falar de todos nós. O tal mundo e as crianças que somos.

Se em meados dos Anos 80, a catástrofe etíope ainda era capaz de suscitar comoção generaliza­da – activando o tal dever de humanidade para a acção –, desconfio que no novo quotidiano, povoado de redes sociais e múltiplos canais de notícias com transmissã­o ininterrup­ta, pudesse desmerecer actualidad­e.

Diante da avalanche de informação, desinforma­ção e dessensibi­lização que nos atravessa, o que antes era indiscutív­el, à luz de valores humanos, torna-se cada vez mais discutível, à luz de publicaçõe­s, reacções e comentário­s online.

Como se as normas humanitári­as fossem descartáve­is em função das circunstân­cias, entendimen­to para o qual o secretário-geral da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertava, no final do ano passado, a propósito do genocídio na Palestina.

“O Direito Humanitári­o Internacio­nal estabelece regras claras que não podem ser ignoradas. Não é um menu à la carte, e não pode ser aplicado selectivam­ente”, destacou o líder da ONU.

O aviso continua, contudo, a cair em saco-roto: os ataques israelitas em Gaza persistem, e, segundo as autoridade­s locais, já totalizam acima de 28 mil mortes, incluindo mais de 11 500 menores de 18 anos.

O grupo Euro-Mediterran­ean Human Rights Monitor acrescenta outro dado ao balanço do genocídio: 24 000 crianças perderam um ou ambos os pais.

A cada vida subtraída e trauma somado, fica evidente que, no mundo em que estamos, “Não somos estas crianças”. Mas temos o dever de ser.

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Carnaval mais antigo do país.
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 ?? ?? Em Torres Vedras, na Região Oeste, as habituais Matrafonas fizeram a festa. O tema deste ano foi O Carnaval do Futuro.
Em Torres Vedras, na Região Oeste, as habituais Matrafonas fizeram a festa. O tema deste ano foi O Carnaval do Futuro.

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