Mudam-se os tempos, contrariam-se as vontades
Diz-nos o mais recente estudo da NielsenIQ, Hábitos de Consumo OOH (Out of Home), que as pessoas em Portugal estão a consumir refeições fora de casa com menor frequência, ou seja, que o número de idas ao restaurante, à pastelaria ou ao café já não é o que era. Desta realidade eu própria já me tinha vindo a aperceber, assim como os empresários que convivem com a angústia de mesas vazias, sobretudo por consequência do aumento de custo de vida.
E é precisamente esse crescente custo de vida, para o qual nos continuam a empurrar, especialmente a inflação e as elevadas taxas de juro, que reside o principal motivo para esta mudança de hábitos. Quase que é caso para dizer “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Mas, nesta matéria em específico, julgo ser sensato “corrigir” o provérbio, porque mais me parece que os tempos mudaram e obrigaram as pessoas a contrariar as suas vontades.
Aquilo que os dados que a empresa líder mundial em inteligência do consumidor nos revela é que, de um ano para o outro, pelo menos 41% dos consumidores fazem menos pequenos-almoços, almoços e jantares fora de casa. As poupanças, que muitas vezes são impossíveis de fazer para grande parte das famílias, têm obrigado ao corte nas despesas e é nas visitas aos restaurantes, mas também nas viagens, que as percentagens falam mais alto.
Vários são os fatores que contribuem para este cenário menos animador na restauração, mas as prateleiras dos supermercados podem ajudar-nos a identificar um dos principais problemas: o aumento dos preços em geral e, em particular, dos alimentos. O IVA Zero, medida que sempre considerei insuficiente para resolver verdadeiramente as dificuldades das famílias, chegou ao fim, e o resultado está a ser penoso. Se os preços já estavam elevados, ainda mais altos ficaram.
De acordo com os últimos dados da Deco Proteste, em 9 de fevereiro de 2022, um cabaz de bens alimentares custava perto de 187 euros. Um ano depois (8 fevereiro de 2023) custava quase 225 euros, e a 7 de fevereiro de 2024 custava praticamente 238 euros. E, embora se comecem já a verificar ligeiras descidas na taxa de inflação, o preço dos bens alimentares continua em rota ascendente. Temos produtos alimentares essenciais que aumentaram mais de 70%.
Com mês e meio passado deste 2024, o ar que se respira não transmite muita confiança e, infelizmente, obriga-me a ter de contrariar a minha própria vontade e continuar a pensar com muita cautela. Respirar de alívio é coisa que não antevejo nos próximos tempos, que até podiam trazer esperança. Mas para isso vamos precisar de ver coragem.Vamos precisar que sejam tomadas as medidas necessárias ao crescimento das nossas empresas, para que estas possam gerar mais emprego, dar melhores condições aos seus trabalhadores e, dessa forma, contribuir para o aumento do poder de compra.
Esperar que a inflação desça para níveis suportáveis e aguardar até ao verão pela eventual descida das taxas de juro – que não devem ficar abaixo dos 2% de acordo com o governador do Banco de Portugal – são alternativas inviáveis. Logo, enquanto a conjuntura não se revela favorável e não se adotam medidas de incentivo às empresas muito dificilmente se podem voltar as satisfazer as vontades.
Resta às empresas, ou seja, a quem cria riqueza e contribui para o crescimento da economia, trabalhar arduamente na adaptação da oferta aos novos padrões dos consumidores, que cada vez mais ficam em casa. Em suma, resta às empresas a árdua tarefa de mudar os tempos e mudar as vontades.