Tentação dinástica distorce a maior operação eleitoral feita num só dia
Presidente cessante Joko Widodo ignorou lei eleitoral e fez campanha pelo antigo general envolvido nos massacres de Timor-Leste, que terá o seu filho como número dois.
As eleições que decorrem hoje na Indonésia, para lá do quebra-cabeças logístico que é recolher votos em cerca de 6000 ilhas num só dia, põem à prova a transição democrática depois de o atual e popular presidente cessante Joko Widodo ter apoiado a candidatura do controverso ex-general Prabowo Subianto.
Com mais de 204 milhões de eleitores registados, a Indonésia é considerada a terceira maior democracia – segundo a ONG Freedom House é “parcialmente livre”, com uma pontuação igual à Geórgia, país com estatuto de candidato de adesão à UE –, mas dada a complexidade do ato eleitoral há quem considere estas as maiores eleições do mundo. No mesmo dia os indonésios escolhem a dupla presidencial, bem como os 580 eleitos para a Câmara dos Representantes, os 152 senadores para o Conselho de Representantes Regionais, e ainda quase 20 mil para as assembleias das 38 províncias e de 416 distritos. Uma operação assegurada por 5,7 milhões de pessoas, mais do que a população ativa em Portugal (5,2 milhões), em 820 mil assembleias de voto.
A campanha eleitoral ficou marcada pelo uso de tecnologias de inteligência artificial, em especial um deepfake do falecido ditador Suharto a declarar apoio ao seu partido (Golkar, o segundo maior), mas o que fica para a história é a tentação dinástica de Joko Widodo. Ao finalizar os dois mandatos permitidos pela Constituição, Jokowi, como é conhecido, manteve uma popularidade em níveis estratosféricos. Não tendo seguido a via escolhida por vários líderes da América Latina e de África de alterar a lei para permitir um terceiro mandato consecutivo, Widodo, de 62 anos, interferiu na campanha da escolha do seu sucessor. Primeiro, ao apoiar diretamente a candidatura do seu ministro da Defesa, Prabowo Subianto, em contravenção à lei eleitoral que impede o presidente em exercício de se imiscuir na campanha. Em segundo, por colocar o seu filho mais velho, Gibran Rakabuming Raka, de 36 anos, como candidato a vice-presidente.
Esta aliança com o seu antigo adversário eleitoral em 2014 e 2019, além de manter a sua família na presidência, tem ainda contornos pouco claros. Em outubro, o Tribunal Constitucional aprovou a mudança na lei que permite candidatos à presidência ou vice-presidência se já tiverem sido eleitos anteriormente.
Esta decisão foi vista como uma lei à medida do filho de Widodo, autarca de Surakarta, uma cidade de meio milhão de habitantes em Java central. Foi o cunhado de Widodo, o juiz presidente Anwar Usman, quem deu o voto decisivo e dias depois Prabowo – também ele com uma ligação familiar reveladora (foi genro de Suharto) – anunciou Gibran Rakabuming Raka como número dois da candidatura. Em resultado da decisão do tribunal, Usman foi considerado culpado de “violações graves” e afastado do cargo por um conselho de ética, enquanto o presidente indonésio disse nada ter a ver com o assunto.
Os três candidatos às presidenciais encheram estádios e tentaram captar o voto dos jovens – 52% dos eleitores tem menos de 40 anos –, inclusive com Prabowo, expulso das forças armadas em 1998 pelo seu currículo de violações dos direitos humanos na Indonésia e em Timor-Leste, a travestir-se de avozinho afável e que não se furtou a uns passos de dança.
As sondagens mostravam até outubro um eleitorado dividido entre Prabowo e o candidato do maior partido, Ganjar Pranowo, mas desde que o filho de Widodo entrou na corrida a dúvida passou a ser uma: irá o antigo militar ser eleito à primeira? Caso contrário, a segunda volta realiza-se em junho.
Os indonésios têm no mesmo dia eleições presidenciais, legislativas, senatoriais, provinciais e distritais.