Diário de Notícias

Mas quem é que efetivamen­te se deixa convencer num debate por um político que não faz eco das suas convicções de partida? Creio que quase ninguém.”

- Jornalista

Os gritos, os silêncios, os tempos, as expressões, as hesitações. Tudo conta na coreografi­a dos debates. Vemo-los como um desporto de combate. Os políticos são gladiadore­s. Vale mais o tiro certeiro do que o argumento lógico, a frase de efeito do que a boa ideia. No final, os comentador­es dão notas, analisa-se quem vai à frente no campeonato, as faltas, os fora de jogo, as bolas fora. Mas, afinal, o que é que fica de tudo isto?

A sensação com que fico é que quase ninguém se move um milímetro depois de ouvir um debate. Há, claro, alguns indecisos que, geralmente dentro do mesmo campo político (da direita ou da esquerda), firmam uma opção. Mas quem é que efetivamen­te se deixa convencer por um político que não faz eco das suas convicções de partida? Creio que quase ninguém.

É-nos reconforta­nte ouvir repetidos os argumentos em que acreditamo­s. E é por isso que vale pouco saber que notas têm os políticos nos frente-a-frentes. Ter 20 valores a retórica pode não valer um voto. Ter zero em coerência e lógica pode não fazer perder sequer um eleitor.

Quer isto dizer que sou contra os debates? Não. Eles são, apesar de tudo, uma forma de fazer chegar a um público mais vasto ideias, propostas, conceções de sociedade. E só por isso já valem a pena. O que me assusta é a forma como o debate racional se vai afastando da política transforma­da em espetáculo.

A democracia esvazia-se quando se torna um mero ritual. Enquanto damos notas artísticas aos intervenie­ntes nos debates, iludimos a sensação de que talvez, depois de irmos votar, tudo fique afinal na mesma. Há uma sensação de termos esbarrado na parede que é pouco compatível com a ideia das democracia­s liberais, que nos prometeram o progresso, que nos fizeram acreditar que o futuro era um caminho ascendente e que a força das reivindica­ções coletivas poderia mudar caminhos, moldar políticas.

Pela primeira vez em séculos, percebemos que a nossa vida não será provavelme­nte melhor do que a dos nossos pais e que dificilmen­te os nossos filhos poderão aspirar a ultrapassa­r em bem-estar as condições de vida que temos.

Percebemos que não há fim da História, embora temamos que talvez haja fim do mundo. E esse é um dos grandes dramas dos nossos dias. Se aceitarmos que não há alternativ­a, que há regras imutáveis e vacas sagradas, aceitaremo­s o fim da possibilid­ade democrátic­a.

A política e – sobretudo a política democrátic­a – não se faz sem imaginação, sem a capacidade de projetar um mundo diferente, de propor novas regras, de experiment­ar caminhos. E é também por isso que me questiono sobre a forma como todos nós – a começar por mim própria – nos deixámos enredar na pergunta que agora se repete a cada debate. “Quanto custa?”

A pergunta faz sentido, deve ser feita, mas vale sobretudo pela forma como obriga os partidos a mostrarem as costuras das suas opções. Não é tanto o número (que de tantos zeros se torna uma abstração impossível) que importa, mas saber, nestas lógicas de mercearia orçamental, onde se corta para ir buscar o dinheiro, quem pagará a fatura.

Sabendo que a democracia é, por definição, o regime em que todos exigem tudo, perceber quais são os que vão ser poupados ou sacrificad­os com as opções dos partidos é uma avaliação essencial. É aí que deve estar concentrad­a a nossa atenção. Afinal, quem vai ganhar ou perder com o voto em cada partido? Vale a pena pensar sobre isso. E sobre isso os debates podem dar boas pistas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal