Diário de Notícias

Moro e Moraes

- João Almeida Moreira Jornalista, correspond­ente em São Paulo

Em 2014, um homem em Michigan, nos EUA, sentiu-se vítima de parcialida­de judicial num caso em que a ex-mulher ganhou a custódia dos filhos. Não era para menos: o juizWade McCree Jr. enviou, do púlpito, mensagens de cunho sexual à litigante, com quem teve, depois, relações sexuais no gabinete, que resultaram numa gravidez, elevando a máxima dos romanos Nemo iudex in causa sua [Ninguém pode ser juiz em causa própria] a um outro nível.

Perto de McCree Jr., portanto, até o enviesado Sergio Moro passa por isento. Moro, que liderou a Lava Jato, meritória investigaç­ão que revelou uma organizaçã­o composta por construtor­as que corrompiam políticos, foi, depois, exposto na série de reportagen­s Vaza Jato.

Em mensagens, divulgadas pelo site The Intercept Brasil, Moro sugeria, por exemplo, a audição de testemunha­s e a realização de operações policiais aos procurador­es e pedia para acelerar investigaç­ões contra o então ex-presidente Lula da Silva mas para preservar o antecessor dele, Fernando Henrique Cardoso.

E muito mais: ao saber, através de uma escuta ilegal, que Dilma Rousseff, a presidente à época, cogitava nomear Lula ministro, o juiz mandou o áudio para as televisões.

E, depois de prender Lula “por convicção” e não por provas, impedindo-o de concorrer à eleição de 2018, cujas sondagens liderava, assustado por ver que o substituto Fernando Haddad crescia nas pesquisas, atirou para os jornais uma delação de um ex-ministro do PT, requentada e insignific­ante, mas, mesmo assim, impactante, para interferir no ato eleitoral.

Por estas duas últimas trafulhice­s, Moro pediu desculpas, ou melhor, “escusas”, que ele acha mais bonito, antes de aceitar ser superminis­tro do mesmo Jair Bolsonaro que ajudara a eleger ao afastar Lula da corrida.

O resto já se sabe: Moro acabaria por sair do Governo Bolsonaro,

execrável demais até para o seu largo critério, e iniciou uma carreira política (na verdade, iniciou-a ainda enquanto juiz, como descrito acima) que vai acabar em breve, com o mandato de senador revogado e ele a queixar-se de “julgamento político e parcial” – porque no Brasil, o mundo não gira, capota e o karma uberizou-se, isto é, chega rapidinho, rapidinho.

Entre os primeiros quatro Governos do PT e o flagelo do bolsonaris­mo houve, entretanto, Michel Temer, o presidente postiço que em dois anos só teve tempo de nomear um juiz do Supremo, um tal de Alexandre de Moraes.

Moraes é visto hoje como um salvador da pátria por, a partir de um processo contra as fake news bolsonaris­tas, das quais se tornou símbolo aquela de que Haddad, se eleito em 2018, iria promover biberões em forma de pénis para combater a homofobia, ter descoberto que Bolsonaro desviava joias sauditas, que a agência de inteligênc­ia do país agia como polícia pessoal da família presidenci­al ou que o ex-presidente liderou uma tentativa de golpe de estado após perder as eleições de 2022.

Sim, Xandão – como a esquerda carinhosam­ente o chama – pode ter salvado a democracia brasileira.

Porém, causa incómodo ler uma notícia da semana passada em que, no primeiro parágrafo, se diz que “Moraes autorizou buscas a golpistas” e, no terceiro, que “esses golpistas escreveram na minuta do golpe que Moraes deveria ser preso”. É a tal da nemo iudex in causa sua.

Em coerência, ninguém na esquerda, por mais que atribua méritos a Moraes, pode achar que está tudo bem hoje na Justiça do Brasil. Mas ninguém na direita, depois de ter incensado Moro, pode achar que agora é que está tudo mal.

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