Diário de Notícias

O rei do higienizad­o

Bob Marley: One Love estreia-se no mundo inteiro esta semana. Esteve para estar na corrida aos Óscares, mas a Paramount afastou-o do calendário por, se calhar, já nem acreditar nele. Reinaldo Marcus Green fez um biopic onde o mito não está lá.

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

Aonda dos biopics das grandes lendas da música moderna continua. Agora é a vez de Reinaldo Marcus Green, fresquinho do biopic das irmãs Venus e Serena Williams, King Richard – Para Além do Jogo, se aventurar sobre a vida de Bob Marley numa aproximaçã­o bem comportada e com o aval da família do músico jamaicano. Um olhar que apanha essencialm­ente o mito do reggae no seu apogeu, entre 1976 e 1978, o período que se seguiu ao atentado na Jamaica sobre a sua vida e ao exílio em Londres no qual compôs e gravou o bem-sucedido álbum Exodus. Um Bob Marley visto como um Messias da cultura Rasta, um homem com uma missão de contaminar o mundo com uma mensagem musical que visava encontrar pontes de paz, união e amor.

Ao mesmo tempo, o realizador aborda a vida pouco conjugal com Rita Marley, a mulher que também fazia parte da banda Wailers, alguém que soube sempre manter a estrutura familiar e cuidar dos filhos. Muito ao de leve, percebe-se questões de ciúmes e posse. O argumento tenta ainda entrar pela questão da criação musical ou como Bob tentou encontrar um som mais amplo para o seu reggae, mostrando ainda o sucesso interplane­tário, o peso da fama e a maneira como nunca esqueceu o conflito civil no seu país. Evita-se sim a morte do homem, apenas se mostra como através de uma ferida num dedo do pé Bob é informado que tem um cancro da pele, doença que viria a vitimá-lo fatalmente em 1981.

Acima de tudo, o filme falha em fazer deste percurso uma avenida para o lado mítico.

As imagens de Reinaldo Marcus Green não captam de todo o peso lendário de Bob Marley – todo aquele colorido instagramá­vel não parece adequado para captar o espírito de um verdadeiro ídolo imortal. Talvez seja na leveza que a empresa falhe. Uma leveza que é sobretudo decorativa e na qual não se pressentem as zonas sombrias do homem. Claro que não se mostra a filosofia de drogas da banda, claro que o sua masculinid­ade tóxica não é debatida, enfim, o problema de Ziggy Marley e a restante família serem pais da encomenda...

Pensado para um espectador-reverente, Bob Marley – One Love é então o filme-homenagem higienizad­o, repleto de limitações narrativas, quase sempre com espartilho­s dramáticos apressados e com uma relutância tosca em servir como desfile de best-of a nível do património musical de Marley. É o tal compromiss­o inegociáve­l de apresentar um Bob Marley para todos, no panteão do mainstream. Daí os flashbacks demasiado explicativ­os e edulcorado­s, alguns, sobretudo aqueles que remetem para o pai branco, de um gosto mais do que duvidoso.

Na tal procura pela leveza em momentos trágicos, sobra uma noção de ridículo, sobretudo quando há tentativas de ter humor caricato. Custa engolir um retrato tão amestrado de uma figura que simbolizou uma revolução. Uma figura que nestas imagens nunca ganha carisma e onde os seus feitos parecem ser sempre compilados numa lógica de desbaste para caber tudo.

Festival de Sundance of age

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Kingsley Ben-Adir, depois de Malcom X, em Uma Noite em Miami, é um bem credível Bob Marley.
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Um filme apresentad­o no Festival de Sundance e agora na Disney+.

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