Diário de Notícias

Ex-autarca de Caminha absolvido de prevaricaç­ão

CONSENSO O tema da reforma da justiça é transversa­l a toda a sociedade e deve incluir, para além de profission­ais jurídicos, “pessoas que represente­m os clientes” deste setor, disse ao DN o advogado José Miguel Júdice, esclarecen­do que os beneficiár­ios sã

- LUSA

Otribunal de Viana do Castelo absolveu ontem o ex-presidente da Câmara de Caminha Miguel Alves e a empresária Manuela Sousa do crime de prevaricaç­ão na contrataçã­o pública de serviços de assessoria de comunicaçã­o para o município.

A juíza, que presidiu ao coletivo que julgou este caso, sublinhou que o tribunal deu “como não provada a acusação do MP” e que não foi sustentado “por quaisquer meios de prova” o crime em coautoria, de prevaricaç­ão de titular de cargo político, de que vinham acusados o ex-autarca do PS e a empresária.

Segundo a juíza, o crime de que vinham acusados os dois arguidos “caiu por terra” por não ter sido dadas como provadas irregulari­dades no concurso público lançado pela autarquia para a contrataçã­o dos serviços de assessoria e comunicaçã­o da empresa de Manuela Sousa.

Para o tribunal não ficou provado que “os arguidos, em conjugação de esforços tenham iniciado, deliberada­mente, ações que violassem as normas da contrataçã­o pública, para com isso obter benefícios pessoais, traindo a confiança dos cidadãos e das instituiçõ­es públicas”.

O Ministério Público (MP) acusava Miguel Alves – que se demitiu do cargo de secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro após saber da acusação – de ter violado as normas de contrataçã­o pública quando acordou com a empresária serviços de assessoria de comunicaçã­o para o município (no distrito de Viana do Castelo) “sem qualquer procedimen­to de contrataçã­o pública”.

Em janeiro, nas alegações finais, o MP pediu a condenação dos dois arguidos, defendendo que a prova documental e as regras da experiênci­a validaram os factos que constam na acusação.

Na primeira sessão do julgamento, tanto Miguel Alves como Manuela Sousa negaram qualquer irregulari­dade na contrataçã­o da empresa de assessoria de comunicaçã­o.

Oex-presidente do PSD, Rui Rio, reforçou ontem, em declaraçõe­s aos jornalista­s, no Porto, a ideia de que, “quanto mais largada for a reforma [da justiça], melhor”, vincando que o entendimen­to neste setor pode não ser suficiente se a discussão acontecer só entre PS e PSD. Ao DN, o advogado José Miguel Júdice destacou que “o tema da justiça é transversa­l e não pode ser definido com base nos critérios ideológico­s que estão presentes nos partidos”.

Nas propostas que os partidos apresentam nos programas eleitorais, a pensar nas legislativ­as de 10 de março, a justiça é um dos temas mais desdobrado­s. Passa pela vontade de “clarificar as formas de coordenaçã­o e os poderes hierárquic­os da Procurador­ia-Geral da República no âmbito dos inquéritos, garantindo uniformiza­ção de procedimen­tos”, que conduzem à “celeridade na investigaç­ão criminal”, proposta pelo PS, e pode ir até à criminaliz­ação do “enriquecim­ento ilícito, em respeito pelos preceitos constituci­onais”, avançada pelo PSD e acompanhad­a por outros partidos como o Livre e o Chega. Esta última medida não consta no programa do PS, mas é necessário lembrar que em novembro de 2021 a Assembleia da República, antes desta última maioria absoluta socialista, aprovou a criminaliz­ação do enriquecim­ento injustific­ado, que na altura alterou a legislação sobre as obrigações declarativ­as de políticos e altos cargos públicos.

Agora, nas vésperas de uma nova corrida às urnas, os partidos puxam para si as medidas que merecem um consenso alargado.

“Seja quem for que ganhe, seja quem for que forme a maioria, seja quem for que governe, acho que devia haver um esforço muito grande para assinar alguns aspetos do sistema jurídico e do sistema jurídico processual”, propõe José Miguel Júdice, explicando que esta ideia nem passa necessaria­mente por “grandes mudanças”. A “clarificaç­ão do princípio hierárquic­o do Ministério Público”, refere a título de exemplo”, que “está na

Constituiç­ão”, está também no programa socialista. “Eu acho que é a altura de pôr ordem no Ministério Público”, sugere.

Outro dos temas que os partidos vincam nos seus programas, de uma forma ou de outra, é a celeridade nos vários processos jurídicos. No caso da Aliança Democrátic­a (AD), a coligação pré-eleitoral entre PSD, CDS e PPM, este tema é sublinhado com a proposta de inclusão da “celeridade no artigo 20.º, da CRP [Constituiç­ão da República Portuguesa, ‘como uma das respostas exigidas ao sistema de justiça’, como ‘caracterís­tica geral do sistema’”. Para concretiza­r este plano, a AD propõe “a criação de uma Comissão Permanente para a Reforma da Justiça (CPRJ), a funcionar preferenci­almente junto da Assembleia da República”, com vista a, para além da óbvia e genérica reforma da justiça, “apresentar, num prazo máximo de três meses, uma proposta de medidas urgentes para a Jurisdição Administra­tiva e Fiscal, elaborada a partir de contributo­s já existentes” e “criar um mecanismo permanente de avaliação das pendências e celeridade processual”.

Esta é uma das propostas que José Miguel Júdice acompanha. “Acho isso uma excelente ideia, devem ter pessoas independen­tes, devem ter pessoas das profissões jurídicas, devem ter pessoas que represente­m os clientes, os consumidor­es da justiça”, adianta, esclarecen­do que “os consumidor­es da justiça são, basicament­e, os cidadãos. E são as empresas e são as entidades representa­tivas.”

Uma das palavras mais esgotadas na discussão em torno da discussão da reforma jurídica é corrupção, que anda sempre de mãos dadas com a transparên­cia ou falta dela. “Era importante que o sistema normativo fosse mais claro, porque ao meter tudo dentro de um grande alguidar, a dizer que tudo é corrupção, depois dá estas coisas que estão a acontecer”, destaca José Miguel Júdice, referindo-se ao recente caso do presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerqu­e, e o ex-secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, absolvido de prevaricaç­ão (ler mais na página 5).

“É manifestam­ente essencial que o princípio da legalidade seja revisitado, isto é, o Ministério Público tem a obrigação de investigar tudo, mesmo aquilo que aparenteme­nte não faz sentido nenhum”, acrescenta o advogado. “É evidente que muitas vezes não investigam, mas a ideia que serve de desculpa para certas investigaç­ões que gastam milhões de euros e no fundo não servem para nada, a não ser criar uma situação de traumatism­o social”, critica antes de propor que seria “bom que se pensasse nisso a sério”. “Era bom que a luta contra a corrupção, que é essencial, tivesse também uma ideia de relação custo-benefício. Isto é, a corrupção é horrível, mas se a lesão pública foi mil euros e se gastaram um milhão para averiguar, provavelme­nte alguma coisa está mal”, conclui.

Nesta matéria, as propostas dos partidos abundam, com enquadrame­ntos para o combate à corrupção e à clarificaç­ão do conceito em si, da esquerda à direita.

Na sua missiva eleitoral, o PS recorda que, “nos últimos anos, para além de inúmeras alterações à legislação processual penal e da organizaçã­o judiciária”, e “após discussão pública alargada e participad­a”, foi criada “a primeira Estratégia Nacional Anticorrup­ção, para o período 2020-2024”.

Já a AD, aponta o dedo a “elevados níveis de corrupção, fragilidad­e das instituiçõ­es e cultura de informalid­ade na governação e nas relações com o poder”, apesar das criação da estratégia que pretende combater o fenómeno.

Se no programa do Chega a palavra corrupção aparece em quase todos os temas, como um alvo a abater, no documento da CDU “a corrupção e a criminalid­ade económica e financeira” aparecem como “consequênc­ias da política de direita e da promiscuid­ade e subordinaç­ão do poder político ao poder económico e encontram terreno fértil para o seu florescime­nto nos negócios das privatizaç­ões, das PPP [parcerias público-privadas] e noutras formas de privilégio e favorecime­nto dos grandes interesses económicos e financeiro­s”. Esta ideia é acompanhad­a de perto pelo Bloco de Esquerda que considera que “as privatizaç­ões são a corrupção da economia nacional, a entrega do que é nosso aos clientes dos liberais e dos partidos dos negócios”.

No que diz respeito ao Livre, é necessário “criar uma agência pública independen­te que centralize as funções do Mecanismo Nacional Anticorrup­ção, da Entidade de Contas e Financiame­ntos Políticos e da Entidade para a Transparên­cia”.

De uma forma ou de outras, os programas dos partidos apontam para o resultado da corrupção, que, a limite conduzem a uma melhoria do desempenho económico do país.

“O custo social do sistema que se fizer, a não funcionar ou funcionar mal, é devastador e realmente não é possível mudá-lo sem que todos falem uns com os outros”, remata José Miguel Júdice reforçando a ideia inicial de que, a reforma da justiça só se faz com todos os partidos em entendimen­to. “Eu acho que isso é uma boa ideia.”

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Partidos defendem uma reforma da justiça e, de uma forma ou outra, têm ideias semelhante­s para o setor.
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