Rute Agulhas “Já chorei depois de ouvir alguns atendimentos”
A coordenadora do Grupo Vita está a preparar numa proposta de compensações monetárias às vítimas de abusos sexuais na Igreja. Ao DN revela o que tem visto ao longo dos últimos nove meses de trabalho.
É importante salientar que a maior parte das pessoas diz que não é a reparação financeira que vai fazer a diferença, em termos de impacto positivo. Para algumas pessoas, uma compensação financeira é entendida como positiva porque, por um lado, têm dificuldades económicas que podem ser colmatadas com um valor em dinheiro. Outras pessoas entendem que, para além do apoio psicológico ou psiquiátrico que possam receber, ou um pedido de desculpas formal da Igreja, acham que têm direito a esse valor. Terá de ser sempre algo extrajudicial, dado que são crimes prescritos. A Igreja pediu-nos, no final do ano passado, que elaborássemos uma proposta concreta e fundamentada sobre a forma como estes processos deviam ser equacionados e essa proposta será entregue no próximo dia 19.
Em que é que consiste essa proposta?
Não posso falar sobre isso.
Nos primeiros oito meses, o Grupo Vita recebeu 78 pedidos de ajuda. Deste, sete vítimas mostraram vontade de serem compensadas pelos abusos. Qual é o perfil destas pessoas?
Estas pessoas são todas elas mais velhas, alegam ter sofrido uma situação abusiva há vários anos, há décadas. Em algumas situações o suspeito já faleceu e também não é possível, no fundo, saber a versão da pessoa que está a ser acusada. Sendo que o agressor, em muitos casos já morreu, não temos o outro lado da história.
Pois não, não há o direito ao contraditório, que se coloca em qualquer outro processo quando o acusado está vivo. Temos apenas a versão da pessoa que está a alegar essa agressão. Depois, as comissões diocesanas têm aqui um papel importante, porque são elas que fazem uma primeira averiguação – não só as comissões diocesanas, mas os institutos religiosos de uma forma geral – da situação, tentando perceber se a pessoa acusada estava naquele local àquela data. Se, de facto, há verosimilhança e a possibilidade de os factos alegados terem acontecido.
Sendo que a maior parte das vítimas relata ter sido abusada há vários anos, porque é que só agora resolvem revelá-lo?
A componente do segredo é uma característica do crime de abuso sexual, independentemente de onde ele acontece. Sabemos isso com todas as vítimas que já conhecemos, ao longo dos anos, e que foram abusados na família, na escola, por vizinhos. Há uma cultura de segredo, neste caso, que é reforçada não só pela culpa que sente, pela vergonha, pelo medo que possa acontecer algo de negativo, mas também é reforçado pela ambivalência de sentimentos em relação ao agressor, que é na maior parte das vezes alguém de quem se gosta. Depois, há situações em que o agressor ameaça ou dá algum tipo de recompensas a troco deste silêncio. Além disso, temos uma sociedade que muitas vezes desacredita a vítima, as crianças quando falam são chamadas de mentirosas, sobretudo, quando a pessoa acusada é uma pessoa bem-vista. No contexto da Igreja, há uma dimensão espiritual em que a pessoa que está a ser acusada é alguém que é padre e está quase num plano divino. Neste contexto da Igreja, os agressores muitas vezes recorrem à palavra de Deus como forma de justificar o abuso. Isso para uma criança ou jovem que admira aquela pessoa adulta, também se torna mais difícil fazer essas revelações. Por isso há pessoas que mantêm esse silêncio há décadas. Fizemos esses cálculos e a média desse silêncio é de 40 anos. Com a comissão independente, em primeiro lugar, e agora com o Grupo Vita, muitas pessoas acabaram por ver aqui uma janela de oportunidade e contactaram-nos.
As denúncias que vos chegam são de atos sexuais de relevo?
São de todos os géneros. Temos algumas situações em que de facto estamos a falar de exibição, de manipulação, de carícias e masturbação. Não tão frequentemente, mas também ocorrem, situações de penetração. Depois há casos de engano. Estou a lembrar-me de um caso de um padre que estava a ajudar um jovem a trocar de roupa. E, de repente, tocou-lhe nos genitais. Foi uma situação de engano e de alguma surpresa. São casos em que as vítimas se sentiram confusas, eram muito pequenas na altura e afirmam que só perceberam mais tarde o que lhes tinha acontecido.
Os agressores, além de padres também podem ser leigos ou do sexo feminino?
As situações que nos foram relatadas, até à data, são todas com agressores do sexo masculino. Houve uma suspeita sobre uma mulher, uma religiosa, mas que não veio a confirmar-se. Depois de entrevistada a senhora, supostamente agredida, e o que ela relatava, não configurava uma agressão sexual.
Em que moldes são feitos os vossos atendimentos?
Fizemos 45 atendimentos, até agora. Com os atendimentos pretendemos recolher mais informação, porque muitas vezes no telefonema ou no email que as pessoas nos enviam a explicação é muito sucinta. Depois, temos de perceber se o atendimento pode ser presencial – o que é preferencial – mas há pessoas que nem sequer vivem em Portugal e outras não se sentem à vontade. De resto há pessoas que se sentem bem num espaço que possa ser da Igreja e há pessoas que não; que nos pedem mesmo que não seja num espaço sem qualquer ligação à Igreja, para evitar um ambiente que lhes recorde o abuso. Quais são os critérios para apoio psicológico e psiquiátrico?
Há quem já nos chegue com esses acompanhamentos e tentamos perceber se são regulares, porque há quem, por dificuldades económicas, nem sempre seja vista. Quando a pessoa manifesta sofrimento, nos relata alterações de humor, sociais, comportamentais, dificuldades de sono, irritabilidade, tentativas de suicídio, tentamos mapear a sintomatologia e perceber se há necessidade de ajuda. Perguntamos o que pensa a pessoa, mas há quem não queira este tipo de apoios.
Quais os problemas mentais que estas pessoas desenvolvem?
O mais frequente é a perturbação depressiva e a ansiedade.
Houve algum caso de abuso que considere mais chocante? Vários. Posso dizer que tenho quase 26 anos de experiência na área do abuso sexual e há muitas situações que são muito impactantes do ponto de vista emocional. Já chorei depois de alguns atendimentos. Que balanço faz destes meses de trabalho?
É positivo, a vários níveis. Não só em termos de pedidos de ajuda, que têm vindo a surgir, o que traduz confiança no Grupo Vita. Tem sido positivo em termos da articulação com as diversas estruturas da Igreja.
“Estamos a falar de exibição, de manipulação, de carícias e masturbação. Não tão frequentemente, mas também ocorrem, situações de penetração.”
AOrdem dos Médicos (OM) lamentou ontem ainda não ter recebido respostas do Ministério da Administração Interna (MAI) e da direção nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) sobre as baixas passadas aos polícias. “Tenho de lamentar que, até ao dia de hoje [ontem] – em que já passaram quase duas semanas –, a OM não teve nenhuma resposta, nem sequer a dizer que tinham recebido o nosso ofício”, disse o bastonário da OM após uma visita ao Hospital de Faro.
Carlos Cortes recordou ter enviado um ofício ao MAI e à direção nacional da PSP um dia depois de, em 3 de fevereiro, o jogo Famalicão-Sporting, da I Liga de futebol, ter sido adiado por falta de policiamento.
Segundo a PSP, “antes do início do policiamento ao evento, um número não habitual de polícias informaram que se encontravam doentes, comunicando baixa médica”. A situação também se repetiu em duas partidas da II Liga no mesmo fim de semana.
“Para a OM ter uma intervenção adequada, em relação ao problema, nós temos de ter aqui factos. E a verdade é que, até ao dia de hoje, não há nenhum facto que tenha sido reportado à OM”, disse Carlos Cortes . “Em primeiro lugar, [é preciso] sabermos exatamente o que aconteceu e, a partir desse momento, atuarmos e termos uma intervenção. A OM poderá ter uma intervenção, se for caso disso. Mas, para isso, o MAI e a direção nacional da PSP têm de informar cabalmente a OM daquilo que aconteceu”, vincou.