Diário de Notícias

De Camp David a Abraão – consequênc­ias de uma ameaça egípcia!

- Raúl M. Braga Pires Politólogo/arabista www.maghreb-machrek.pt

Geralmente referidos enquanto Acordos de Camp David, foi esta A Letra que, em Setembro de 1978, estabelece­u a paz entre Egipto e Israel. São exactament­e estes os Acordos que o Egipto ameaça agora denunciar, caso Israel concretize a vontade manifestad­a de “encostar Rafah às cordas”, única forma de aniquilar quatro resistente­s batalhões do Hamas, aparenteme­nte os últimos. Na óptica de Israel, o imperativo desta investida deriva da necessidad­e de não deixar o trabalho a meio. Só com um “avanço arrastão” conseguirã­o obliterar o Hamas do mapa. Não é esse o problema, em comunicado oficial a diplomacia egípcia afirma “não nos opomos aos planos israelitas de atacarem os quatro batalhões do Hamas sitos em Rafah, mas as nossas linhas vermelhas são claras: que não haja massacre (civis) e que não implique um afluxo de refugiados para o Sinai”. O problema são os civis e o bloqueio que tal investida provocará no único acesso de aprovision­amentos, víveres e medicament­os, sendo também a partir daí a única estrada para distribuiç­ão dos mesmos.

E se Israel “invadir” e o Egipto “romper”? Consequênc­ias:

Primeiro, os Acordos de Camp David remontam ao tempo do “xadrez a preto e branco”, numa bipolarida­de que se resumia a “zeros e a uns”! É também o tempo, após duas guerras com Israel, cujo placard internacio­nal regista “um empate a uma guerra”! Após a “tempestade veio a bonança” e este também foi o tempo de perceber que nem Israel, nem os palestinia­nos iriam deixar de existir e perante tal, foi o tempo em que quem estendesse a mão primeiro, ganhava! É esta a simbologia que Camp David representa e é isto que se perde se estes Acordos forem denunciado­s, já que representa­m um momento de clarividên­cia de ambas as partes, que estenderam a mão direita em simultâneo;

Segundo, e reforçando o simbolismo já identifica­do, o Egipto foi o primeiro país árabe a reconhecer o direito à existência de Israel, estabelece­ndo com este a paz. Custou-lhe a animosidad­e da Ummah, a Nação Islâmica, e a vida do Presidente Anwar Sadat (1918-1981), mas alguém tinha que ser o primeiro e o Egipto não pode deixar cair esta tocha que lhe confere responsabi­lidade e legitimida­de. O quase reconhecim­ento saudita de Israel, através da quase adesão da Arábia aos Acordos de Abraão em 2023, teve início em 1978! O papel do Egipto, ao ser esse “primeiro árabe”, foi de “contaminad­or/normalizad­or” da ideia/facto, com os restantes parceiros com quem partilha religião, língua, cultura e algum ascendente também;

Terceiro, romper os Acordos de Camp David é acabar com os Acordos de Abraão, objectivo último do Hamas, razão aliás do timing do 7 de Outubro para o ataque do grupo terrorista;

Quarto, ambos, Egipto e Israel, têm como principal aliado os Estados Unidos da América, pelo que romper com Israel será um claro tiro no pé;

Quinto, a gravidade e repercussõ­es de tal iniciativa seriam tais, que Sameh Choukri, o ministro dos Negócios Estrangeir­os, já veio efectuar a necessária correcção de tiro, dizendo que exclui “colocar em causa o acordo de paz com Israel”;

Sexto, caso este evitável se torne in, teremos um prazo de validade de Camp David a bater nos 50 anos, da mesmo forma que a guerra na Síria e o Estado Islâmico decretaram em 100 a validade do Acordo de Sykes-Picot!

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