Escola partida
Durante os anos da pandemia, para mim, a Educação foi sinónimo de escadas, fotocópias e sobrelotação. Passo a explicar. O ponto de encontro da nossa bolha era na Associação de Moradores. Grande parte do dia era dedicado à distribuição alimentar, auto-gerida pelos moradores, entregando de forma eficiente esse cuidado básico às mais recentes famílias caídas no desemprego, na falência económica e no desespero.
No fim do dia, agarrávamos em sebentas temáticas por disciplina – doações antigas –, fotocopiávamos parte delas, subíamos as infinitas escadas das habitações sociais da cidade de Lisboa onde os elevadores não funcionam e tentávamos, no meio da sobrelotação – na esquina de Pladur possível, ter um momento de ensino.
Chegado a casa, não raras vezes, vi reproduzido nos media uma resiliência moderna: aulas à distância, escolas com tablets. Um país real no ecrã, irreal no terreno. Por onde ando e por onde andei, as escolas nem atendiam o telefone, quanto mais tablets
a serem sido oferecidos a alunos. E mesmo que tal tivesse acontecido, onde andaria o acesso à internet?
Refiro-me a estes episódios porque estamos em pré-campanha eleitoral e, para além das menções à justa reposição do tempo de serviço dos professores, há uma completa ausência de debate sobre a Educação.
É preciso visualizar situações concretas para nos remetermos a uma análise mais fina sobre o estado da Educação.
Lisboa é o município do país com a maior percentagem de licenciados, 41% da sua população tem o Ensino Superior. Às vezes deixamo-nos enganar pelas médias. Por mais preconceitos que existam sobre os municípios da periferia de Lisboa, a cidade é a mais desigual em toda a área metropolitana e aquela que tem escolas com valores absolutos mais altos de retenção ou desistência de alunos.
Nesta viagem pelo estado da Educação do país partimos da Praça de Londres. Aí encontramos a Escola Filipa de Lencastre onde a taxa de retenção e desistência no 5.º ano de escolaridade é de 0%. Se a partir daí eu percorrer a Av. de Roma, a Av. do Brasil, o
Campo Grande e a Alameda das Linhas de Torres vou chegar à Alta de Lisboa onde encontro as escolas Pintor Almada Negreiros e do Alto Lumiar, onde a mesma taxa é de 48% e 52%, respectivamente.
Ou seja, numa distância de 4km, na mesma cidade, no mesmo contínuo urbano e no mesmo Sistema de Ensino, há uma diferença de 52%.
Estes dados, retirados do Infoescolas do ano lectivo de 2020/21 não reflectem nenhum ano excepcional, mas apenas um statu quo que ninguém parece querer alterar. Nas últimas duas escolas mencionadas, o segundo grupo etário com mais peso nas turmas do 5.º ano, a seguir aos 10 anos de idade, são os alunos com mais de 14.
Em tese nada disto faria sentido. São escolas com uma liderança educativa estável, com mais de uma década, que servem comunidades bem estabelecidas na cidade de Lisboa.
O nosso encolher de ombros empurra o ónus sempre para os mesmos: as crianças e seus pais. E não, a culpa não é deles.
Imigrantes rurais, “contratados” de Cabo Verde, imigrantes dos PALOP, deslocados das obras públicas da cidade e população cigana, compõem o mosaico do bairro, onde construíram as suas casas, redes de solidariedade, associações e um movimento cultural.
Moram na freguesia mais pobre da cidade. Os pais e encarregados de educação não podem ser culpados pela precariedade laboral; vincada na falta de qualificações, na pouca remuneração, nos multi-empregos, nos horários nocturnos. E muito menos pode o Sistema de Ensino culpar os seus filhos pela vida austera a que Portugal ofereceu aos seus pais.
Está na hora de o ensino universal do 25 de Abril chegue de forma completa a estes territórios. Porque universal não quer dizer acesso. As escolas têm de deixar de ser uma fortaleza avançada no bairro, mas um espaço que alarga a potência dos territórios, unida com as suas comunidades, relacionando-se com a população no horário escolar, mas também nas dinâmicas comunitárias, protegendo alunos e serem verdadeiramente um instrumento de mobilidade social.