Roberta Medina “Tentamos chegar a todas as gerações”
O Rock In Rio vai celebrar 20 anos com a 10ª edição nos dias 15, 16, 22 e 23 no Parque Tejo Lisboa. O cartaz conta com nomes como Scorpions, Ed Sheeran , Jonas Brothers e Doja Cat. O DN esteve à conversa com Roberta Medina sobre o passado e o futuro deste festival.
Faltam cerca de 119 dias para o Rock in Rio Lisboa voltar a abrir as portas na sua 10ª edição em solo português. O DN falou com Roberta Medina, vice-presidente do evento, sobre as duas décadas do festival que nasceu no Brasil. O encontro deu-se no Hotel Myriad, perto da nova localização do Rock in Rio Lisboa, o Parque Tejo. Medina fala do entusiasmo que a equipa já sente para os quatro dias de música que estão a organizar.
O que é que significa 20 anos do Rock in Rio em Lisboa? Significam muitas conquistas. Acho que mostra que é possível realizar sonhos. Ainda estava no Brasil e lembro-me que a conversa sobre realizar o festival em Portugal começou a surgir sem fazer, ainda, muito sentido. E, de repente, chegamos a Portugal e em um mês as coisas estavam a acontecer. Quando se acredita muito numa ideia, é possível torná-la realidade. Recordo-me que na primeira conferência de imprensa do festival eu ainda não tinha chegado a Lisboa. No Brasil, perguntavam: “O que vocês vão fazer em Lisboa?” Há 20 anos havia dúvida do que estávamos a fazer em Lisboa. Hoje em dia, a relação entre Portugal e o Brasil é uma relação muito mais constante e próxima. É também uma vitória conquistar um espaço na agenda do país. As pessoas perguntam: é ano de Rock in Rio ou não? Já é uma referência. Hoje não há gerações que não sabem o que é Portugal sem Rock in Rio. Podemos ver muitos pais a levar os filhos ao festival. O Rock in Rio é o primeiro festival de muitas crianças e sabemos que há muita gente que se conheceu no festival. A sustentabilidade é um dos grandes pilares do evento. O que têm feito ao longo deste anos? Em 2006 fizemos um inventário da pegada carbónica. Primeiro, uma coisa muito impactante foi que tínhamos de levar os nossos parceiros, artistas, fornecedores e o público a ajudar, porque senão nada ia mudar. Conseguiu repensar modelos de construção, por exemplo, uma coisa que hoje se vê como muito habitual são os contentores como parte das estruturas. Isto foi uma forma de simplificar a montagem e ter menos desperdício de resíduo. Criámos também o Rock in Rio Atitude Sustentável, que é um prémio que inclui categorias: como o stand ou o fornecedor mais sustentável. Eu lembro-me do primeiro fornecedor que ganhou o prémio, a PERI, uma empresa que montava os palcos. Ganharam porque repensaram a forma de montar os camiões. Também fizemos uma evolução brutal nos geradores, e passamos de 52 geradores para nove. Isso porque, em parte, começamos a usar mais energia renováveis. Um dos temas mais importantes é também a adesão aos transportes públicos. A maior parte das emissões do festival está no transporte. Então, se o público não adere ao transporte público, não tem nada que se possa fazer, por isso temos temos sempre um grande plano de mobilidade. Contudo, em 2012 o Metro fez greve nos dias do festival e as pessoas perderam um pouco a confiança de que têm o transporte público à disposição para sair do evento. Desde então, tem existido mais dificuldade de adesão. Acho que agora a mudança para um novo local é uma boa oportunidade de recomeçar essa conversai. E outra coisa que fazemos desde a primeira edição é a doação dos materiais no final do evento. Nos primeiros dois, três dias, de desmontagem várias entidades vão ao local recolher as madeiras em boas condições e a relva sintética para serem reaproveitados noutros eventos, noutros lugares. Depois, há muitas coisas que ainda não conseguimos avançar e que necessitam de uma mobilização de indústria, porque são necessárias soluções para eventos de grande dimensão. Esse é o maior desafio neste processo de se tornarem mais sustentáveis?
O maior desafio no início dessa jornada na sustentabilidade foi o mindset, a mentalidade. Você tem
que se dar ao trabalho de repensar e fazer as coisas de forma diferente. Foi difícil conquistar as pessoas para que se fosse mudando a forma de fazer as coisas. Em 2013, concorremos para a aplicação de um projeto certificado da ISO 20121, que é um sistema de gestão para a sustentabilidade de eventos. E isso obrigou a quem não estava interessado em contribuir e passou a ser uma regra para todos os departamentos, que tiveram que responder auditorias.
E no que respeita à diversidade, o que têm feito?
O que aconteceu também nos últimos tempos é que como o pilar ambiental está muito amadurecido, começamos a avançar para o pilar da pluralidade. Falamos de pluralidade porque inclui a diversidade, e é mais amplo. Então, hoje temo-nos focado muito em ter cada vez no evento mais pessoas com necessidade especiais. Queremos que isso seja feito de uma forma mais transversal nesta próxima edição. Quero espaços em várias áreas do evento apropriados para pessoas com diferentes necessidades especiais, mas que seja algo mais alargado. Vamos trabalhar com idosos também, que queiram estar no evento. Hoje temos o espaço reservado na frente do palco e temos também linguagem gestual. Começamos ainda trabalhar num mapa tátil para as pessoas com deficiência visual. Claro que não é um evento com um perfil muito apropriado para alguém com dificuldades visuais esteja sozinho, mas tem o mapa tátil e, pelo menos, conseguem sentir um pouquinho do que é a dinâmica da cidade do rock. Outra das
“Acho que a dificuldade, no mercado português, onde existe uma paixão enorme pela música, é que há uma grande quantidade de oferta gratuita e uma população com poder aquisitivo restrito”.
coisas que vamos alterar, este ano, são os banheiros. Vamos ter casa de banho masculinas, femininas e uma para todos. E no que respeita à alimentação, que é um tema que também está a ficar cada vez mais marcante, sempre houve muita preocupação do nosso lado em existirem opções vegetarianas. Hoje já estamos evoluindo para ter opções veganas, além das vegetarianas. E temos uma equipa a pensar em opções para celíacos? E também estamos a discutir muito sobre a possibilidade de fazer estudos da cadeia produtiva, pelo menos ligada à música. Estamos a ver como é que se faz para a gente envolver startups para desenvolverem tecnologia e soluções para os eventos.
Qual tem sido a maior dificuldade de manter um festival durante 20 anos?
Acho que a dificuldade, no mercado português, onde existe uma paixão enorme pela música, é que há uma grande quantidade de oferta gratuita e uma população com poder aquisitivo restrito. A viabilidade financeira dos projetos, onde não existe uma cultura forte de investimento em cultura, não está presente em Portugal. Economicamente estamos a viver uma fase muito difícil e já tivemos várias. A instabilidade financeira dos projetos no mercado português é o maior desafio, sem dúvida nenhuma. Outra dificuldade, é que os artistas podem faturar mais noutros lugares, quando estamos a disputar a agenda. Mas instabilidade económica dos eventos continua a ser o maior desafio. Como é feita a escolha dos nomes para os cartazes do Rock in Rio?
O Rock in Rio é muito diferente nesse aspeto, porque é um evento, onde todos os estilos estão presentes. Tentamos chegar a várias gerações. O exemplo deste ano correu bem, mas nem sempre dá certo, devido às agendas dos artistas. Nós temos um dia mais rock, um dia mais pop, um dia mais familiar e um dia para pessoas mais novas. Em 2022, também deu súper certo. Tivemos o dia dedicado aos pais com os Duran Duran e o dia mais jovem com Post Malone, a Anitta e o Jason Derulo. Primeiro começamos sempre com o cabeça de cartaz, que está disponível naquela data para vir ao país e que atende ao gosto do público português. Este ano, no primeiro dia desta edição é dedicado ao rock com os Scorpions, Evanescence, Extreme e Xutos&Pontapés. Depois temos um dia muito familiar com Ed Sheeran, Fernando Daniel, Jão e Calum Scott. O terceiro dia é um dia para mais jovens, mas não tão jovem como o quarto dia porque o Jonas Brothers, Ivete, é para maiores de 25 anos e o último dia é para mais a faixa etária de 15. Assim passamos por todas as gerações. Há festivais que são mais fechados, que são mais focados num determinado tipo de música. Nós tentamos agradar a todos.
O surgimento de mais um festival em Lisboa, o Kalorama, foi sentido e veio perturbar o mercado de alguma forma? Não. Acho que temos assistido nestes 20 anos ao surgimento de muitos festivais. Esse já não é o tema. É o mercado que mostra se há espaço ou não. Se correr bem é porque há mercado. Confesso que achei que a pandemia ia dar um corte maior na existência de festivais. Mas estou curiosa para saber o que vai acontecer este ano porque 2022 e 2023 foi o regresso após a pandemia e o mercado ficou muito forte. O Kalorama traz só um desafio para os moradores da Bela Vista. Só vejo elogios ao Kalorama e só vi ali alguns ruídos na relação com a comunidade local. O parque obviamente passou a ter uma necessidade de um cuidado maior para um evento anual e não de dois em dois anos. Felizmente conseguimos fazer a recuperação do espaço num compromisso com a Câmara de Lisboa.
Quais são as suas expectativas para esta edição que marca a 10ª edição em Portugal?
As minhas são muitas. O que mais queremos é que seja uma edição de muita alegria e uma sensação de gratidão, de que vale a pena e que as pessoas sintam o tempo todo no evento. Não só quando tem um grande concerto, mas que o sintam o tempo todo existe esse ar de... “Cara, que bom que a gente pode estar junto.” Acho que é um pouco do que se sentiu também no festival de 2022, no pós pandemia. Havia uma perceção e uma sensação coletiva diferente. Gostávamos que as pessoas continuem a valorizar a vida, o estarmos juntos, independente de podermos estar todos dias juntos. Todos os dias vamos ter uma grande celebração com um espetáculo musical, luzes. Pela primeira vez, vamos envolver a plateia toda no Palco Mundo. Vamos fazer com que todos sintam a vibração do que é estar à frente do palco. Vamos também ter 100 artistas de rua , de mágicos a malabaristas e músicos, que estarão dia inteiro a brincar com as pessoas . Este ano decidimos ter um cartaz com artistas que as pessoas sabem cantar as letras das suas músicas. Com vamos estar num novo espaço, conseguimos trazer mais um palco de grande porte e o Palco Galp cresceu. E o terceiro palco vai ser muito bom também. E vamos ter o regresso do Digital Stage e a campanha do All In Rio, Love In Rio, Joy In Rio.
Como é que vai ser inaugurar um novo espaço para o festival? Estamos histericamente felizes por fazê-lo. Muito ansiosos porque o parque é absolutamente deslumbrante. É muito bonito. Vai ser um salto gigantesco na experiência para o público, tanto a nível de espaço como de conforto. Vamos ter mais casas de banho, mais bares, mais restauração. E assim vão acabar os picos de circulação na zona VIP, que por vezes ficava muito cheia. As pessoas vão ter uma experiência muito mais leve do que existia na Bela Vista . Teremos também o privilégio de ter as bancadas naturais, como exista na Bela Vista, porque todos os palcos têm a sua própria clareira com inclinação natural. E tem uma coisa muito especial que é a energia de estar perto do Rio. Acho que vai ser uma experiência muito bacana.
E daqui a dois anos, na 11ª edição, consegue dizer que vai ficar no Parque Tejo?
Vamos avaliar se o público quer voltar para a Bela Vista ou se quer continuar aqui. Acho que é muito importante avaliar como é que funcionou a experiência para os moradores. É muito importante que a gente faça essa primeira experiência para percebermos, porque a Jornada Mundial da Juventude foi um evento diferente. Vamos conseguir perceber qual é a medida certa para o funcionamento daquele local.