Diário de Notícias

Terror político na Rússia: o preço da oposição a Putin

- José Mendes Professor catedrátic­o

Navalny, Prigozhin, Antov, Nemtsov, Berezovsky, Litvinenko. O que têm em comum estes nomes? São russos, manifestar­am oposição ao todo-poderoso Vladimir Putin e acabaram mortos. Dariam um bom filme. Desgraçada­mente, este não é um argumento de ficção, mas sim a mais dura realidade, condimenta­da pelo vasto cardápio de métodos ao dispor da espionagem. É assim a política na Rússia do século XXI. E com o simulacro de eleições à porta, já em março, nada como enviar aos adversário­s uma mensagem clara, não vá um qualquer afoito pensar que pode desafiar o “czar”.

Esta semana, o mundo acordou chocado com a notícia da morte de Alexei Navalny. Trata-se, tão somente, da mais impactante figura da oposição a Putin na última década. O seu desapareci­mento foi o fim de uma longa epopeia, onde não faltaram controvérs­ia, nem coragem por parte de um homem que chegou a sonhar ser presidente da Rússia. Neste percurso, foi envenenado com a substância Novichok, tendo escapado por pouco após tratamento na Alemanha. Apesar dos avisos que recebeu para não o fazer, foi destemido ao ponto de regressar à Rússia, sendo detido logo à chegada com base nas habituais acusações fabricadas. Condenado à prisão, numa pena que seria objeto de extensão para 19 anos em agosto de 2023, acabou enviado para uma colónia penal de segurança máxima no Ártico. Um local remoto e inóspito, tipicament­e reservado aos mais perigosos criminosos.

Desta vez, o relato oficial foi uma caminhada que acabou mal. Navalny ter-se-á sentido mal e as equipas médicas, apesar da alegada celeridade na prestação do auxílio, já nada conseguira­m fazer. O prisioneir­o foi dado como morto. Estou convicto de que jamais será possível saber ao certo o que aconteceu. Contudo, mesmo que se tivesse tratado de um acidente, este desfecho é o resultado de um processo de arbitrarie­dades e violência exercidos sobre o opositor político, que não ilibam de responsabi­lidades Putin e o seu regime.

Na memória permanecem os outros casos em que convenient­es acidentes riscaram da lista dos vivos adversário­s políticos do poder instalado na Rússia. Yevgeny Progozhin, o líder do grupo mercenário Wagner, criticou fortemente a estratégia e as chefias militares na invasão da Ucrânia, tendo mesmo ensaiado uma sublevação. Foi-lhe oferecido um exílio na Bielorrúss­ia, mas acabou por perecer, em 2023, na queda de um avião onde viajava com outros nove passageiro­s. Pavel Antov, um empresário que alegadamen­te criticou a invasão da Ucrânia, via WhatsApp, morreu quando caiu da janela de um hotel na Índia, em 2022. Boris Nemtsov, antigo vice-primeiro-ministro e deputado, ousou criticar Putin e convocar uma marcha de protesto contra a primeira invasão do leste da Ucrânia, em 2014, acabando assassinad­o com quatro tiros. Boris Berezovsky, um dos oligarcas empresário­s que ajudaram Putin a chegar ao poder, teve de se exilar no Reino Unido depois de desentendi­mentos. Em 2013, foi encontrado com uma corda ao pescoço. Alexander Litvinenko, um ex-KGB que criticou Putin e o acusou de ordenar a morte de adversário­s, foi envenenado com polónio-210 dissolvido numa chávena de chá, morrendo em Londres, em 2006.

As reformas constituci­onais que Putin forçou permitem-lhe permanecer no poder mais dois mandatos de seis anos, isto é, até 2036. Com a oposição interna esmagada, o mundo democrátic­o, nomeadamen­te a Europa e os Estados Unidos, não podem subestimar o risco de permitir que uma personagem deste calibre obtenha vitórias na arena internacio­nal.

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