A presença portuguesa nos Altos de França
Todos os anos se assinala a batalha de La Lys em La Couture, onde está um monumento aos mortos portugueses, e em Richebourg, onde está o cemitério militar português.
Ambleteuse é um pequeno município no departamento de Pas de Calais, junto à fronteira com a Bélgica, a poucos quilómetros de Dunquerque, onde na Segunda Grande Guerra houve violentos bombardeamentos e, durante a Primeira Guerra, foi instalado o Hospital Militar Português da Cruz Vermelha, para cuidar das baixas na frente de combate. Para Portugal, o episódio mais dramático ocorreu na Batalha de La Lys, devido ao elevado número de vítimas entre os soldados que faziam parte do Corpo Expedicionário Português.
A história de Ambleteuse tem por isso um significado muito especial e ganha uma densidade particular pelo facto de, atualmente, o maire ser descendente de um soldado português que combateu na Primeira Grande Guerra. O nome não engana: Stéphane Pinto.
A história do maire de Ambleteuse confunde-se com a dos portugueses nos Altos de França, pelos que morreram nos campos de batalha e pelos que lá criaram raízes, casaram, tiveram descendentes, organizaram a sua vida e confundiram-se na sociedade.
Fica assim disseminado por toda a região um sentimento difuso de apego às origens lusas, uma certa nostalgia de pertença a um outro país e outra cultura, que toca alguns milhares de portugueses da região, que trabalham, têm empresas ou vão às associações.
Mas, passado mais de um século, há ainda muitas coisas por descobrir e contar sobre a presença portuguesa nos Altos de França, trabalho que vários descendentes de portugueses e portugueses estão pacientemente a fazer. Bruno Cavaco é o cônsul honorário de Portugal em Lille e tem tido um papel extraordinário na promoção do conhecimento mútuo. As suas origens algarvias vêm do avô, que em 1920 foi ajudar na reconstrução da cidade de Lens, destruída na guerra. António Marrucho, cujos pais emigraram no início dos Anos 60 para trabalhar em Roncq na indústria da borracha, tem feito um trabalho de pesquisa extraordinário, com centenas de horas a vasculhar nos arquivos históricos das instituições públicas para trazer à luz do
No cemitério militar português em Richebourg repousam 1831 soldados. Em 2023 foi classificado como Património Mundial da UNESCO.
dia a história dos portugueses. Ou ainda o historiador Jorge Viaud ou Aurore Descamps, neta também de um soldado português, que agora está a preparar um estudo sobre os casamentos franco-portugueses após a Primeira Guerra Mundial.
A maior evidência da presença portuguesa nos Altos de França, é a celebração anual da batalha de La Lys, em La Couture, onde está um monumento aos mortos portugueses, inaugurado em 1928, e em Richebourg, onde está o cemitério militar português, onde repousam 1831 soldados, classificado desde 2023 como Património Mundial da UNESCO. Desde 2022 que também os municípios de Boulogne-sur-Mer e Ambleteuse se juntaram às celebrações. No cemitério de Boulogne-sur-Mer repousam os corpos de soldados portugueses que morreram na frente de batalha, alguns dos quais foram trasladados do cemitério de Ambleteuse, onde está uma Cruz de Cristo portuguesa.
Mas além destes, muitos outros municípios nos Altos de França são relevantes pela presença portuguesa, que merece ser descoberta,
como Roubaix, Tourcoing, Arques, Roncq ou Lille, cidade que tem em exposição permanente um lindíssimo “Cofre de Portugal”, oferecido logo após a guerra pelo Governo português como forma de reconhecimento pelo apoio da população da cidade aos soldados portu
gueses feitos prisioneiros pelos alemães depois da batalha de La Lys.
Este é apenas parte do património humano, material e moral que está presente nos Altos de França, onde os portugueses são parte integrante da construção da identidade da região, consolidada posteriormente por novas vagas de emigração após a Segunda Grande Guerra, desta feita para trabalhar na indústria têxtil e nas minas, neste caso marcando presença uma importante comunidade alentejana de Aljustrel.
É por isso que muitos municípios da região estão geminados com municípios portugueses e outros procuram fazê-lo, porque existe toda esta densidade da história que liga os dois povos. E seria muito importante que cada um à sua dimensão pudesse dar o seu contributo para estreitar estes laços, que se criaram ao longo da história, com sangue, sonhos, suor e lágrimas, que tanto portugueses como franceses podem levar mais longe, procurando aprofundar o conhecimento mútuo e a amizade que nos liga.
Stéphane Pinto de Ambleteuse