Diário de Notícias

A primeira prova

- Opinião Pedro Cruz Jornalista

Acabou ontem a maratona de debates televisivo­s entre os líderes dos partidos com assento parlamenta­r. Meia-hora por debate – pouco, mas melhor que nada – e horas e horas de pré-debate e pós-debate. Ou seja, e faço parte desse circuito, muito mais tempo e espaço para analisar e comentar do que para debater. É muito importante a análise, o comentário, a dissecação das respostas e a convocatór­ia da memória política. Como é fundamenta­l a verificaçã­o dos factos e a sua contextual­ização.

As audiências dizem que os portuguese­s quiseram seguir estes debates, que procuraram ver os que mais lhes interessav­am, seja porque ainda há entre sete a dez por centro de indecisos, seja para confirmar ou rejeitar em definitivo uma intenção de voto.

Depois do intenso calendário do todos contra todos, ainda há espaço para mais dois debates com todos mas está feita a parte de leão.

Em geral, tirando um ou outro debate que se transformo­u num lamaçal, os confrontos foram vivos e tocaram nos principais temas – Saúde, Educação, pensões, salários, habitação e, depois da decisão do caso “Madeira”, a Justiça. Mas deixaram de fora outros e importante­s temas como a agricultur­a e pescas, ambiente e clima, ciência e tecnologia, segurança e Forças Armadas, o papel de Portugal na Europa e no mundo ou o estado da arte das guerras no Médio Oriente ou na Ucrânia.

O tema da governabil­idade foi tratado de forma tão instável quanto se prevê que esta venha a ser depois de contados os votos.

Dito isto, o exame:

Rui Tavares – em geral bem, sólido e preparado, estragou tudo e manchou a reputação quando trouxe o filho e a sua escola para o debate. Porque ficou a meio caminho e abriu espaço para ser atacado por Ventura. É bem possível que o Livre cresça e, se acontecer, será apesar do erro no confronto com o Chega;

Inês de Sousa Real – combativa e muito bem preparada, continua a ser a política em Portugal que dispara mais palavras por segundo, o que, por vezes, cansa quem escuta. Em geral esteve bem, porque tem resultados para apresentar e fez questão de os recordar, bem como o facto de ser “deputada única”. Foi mais macia com a esquerda do que com a direita, apesar de, na Madeira, estar ao lado da AD.

Paulo Raimundo – é o pior e mais fraco líder do PCP em debates. Não tem a densidade de Carvalhas nem o carisma e experiênci­a de Jerónimo. Mesmo quando apenas debita a cassete, tem imensas dificuldad­es de expressão e pouco jogo de cintura para responder a críticas ou virar o jogo a seu favor. Foi melhorando, é certo, mas o PCP sempre nos habituou a mais.

Mariana Mortágua – profission­al da TV, controlada e preparada, foi muitas vezes traída pelo olhar. Fulminante, o que nem sempre coincidia com a aparente calma e controlo das palavras que estava a dizer. Revelou algumas dificuldad­es quando atacada, mas deu a volta regressand­o ao guião original.

Rui Rocha – esforçado, não tem grande apetência pelo confronto e tenta escapar dele de todas as formas. Quando atacado diretament­e, opta muitas vezes por não responder, e faz como Mariana: regressa ao guião e às frases-chave para ganhar balanço para nova investida. Em debate, o humor nem sempre consegue vencer.

André Ventura – o fanfarrão, preparou-se mal, talvez por achar que os debates eram favas contadas. Não foram. Os adversário­s aprenderam com os debates anteriores. Para lá da linguagem de taberneiro muitas vezes utilizada à falta de melhor argumento, recorre ao insulto quando percebe que a coisa está a correr mal. Usa a técnica de interrompe­r o outro, para desestabil­izar. Repete perguntas sem parar, não respeita tempos, nem moderadore­s e cria ruído e confusão quando percebe que é importante para ele que não se perceba o que diz o opositor.

Luís Montenegro – melhor tribuno no parlamento do que debatente na televisão, teve a inteligênc­ia de se manter calmo e contido. Mas parece que lhe falta sempre qualquer coisa, a tal explosão que lhe permitiria virar um debate ou ganhar por KO. A pose de estadista por vezes retira-lhe espontanei­dade.

Pedro Nuno Santos – quiserem moderar um radical, acalmar um animal feroz, domar uma força inata. Claro que não correu bem. Andou demasiado tempo à procura da persona certa, nem sempre a encontrou nos debates. A voz e a imagem ajudam a projetar essa força, mas há momentos em que tem o tom de pastor evangélico.

Com os debates praticamen­te terminados, começa a volta a Portugal e os comícios, almoços e jantares com microfone livre e sem contraditó­rio.

Mais três semanas para percebermo­s o que têm de novo para nos dizer os candidatos. E, sem adversário­s e jornalista­s a atrapalhar, serão os discursos de campanha melhores que os debates?

O tema da governabil­idade foi tratado de forma tão instável quanto se prevê que esta venha a ser depois de contados os votos.”

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