Exportações de calçado caíram 8% em 2023, mas empresas em Milão cresceram todas
Nova coleção de outono-inverno está a ser apresentada no maior certame mundial do setor, a Micam, em Itália. Entre os 35 expositores nacionais o ambiente é de preocupação, para alguns, ou de otimismo moderado, para outros, mas ninguém assume quebras de faturação no ano passado.
Aindústria portuguesa do calçado exportou, no ano passado, menos dez milhões de pares de sapatos correspondentes a menos 165 milhões de euros do que em 2022, mas encontrar uma empresa, em Milão, que assuma que perdeu vendas em 2023 é o mesmo que procurar uma agulha num palheiro. Todas cresceram ou, pelo menos, mantiveram o nível de faturação do ano anterior, mas todas, sem exceção, apontam o momento difícil, a conjuntura adversa, a contração dos consumidores, a falta de dinheiro, as guerras, a inflação e a subida das taxas de juro como explicação para o aperto que se vive no setor. “Estou há 30 anos nos sapatos, já passamos por épocas boas e más, mas nunca vi uma crise tão acentuada”, diz José Afonso Pontes, CEO da Cruz de Pedra.
Este é um dos 35 expositores portugueses na Micam, a maior feira de calçado do mundo, que está a decorrer em Milão, até quarta-feira. Com 90 trabalhadores, é uma das fábricas de calçado mais antigas de Guimarães, com 65 anos de atividade, e que vai já na terceira geração. Fechou 2023 “quase a tocar” nos dez milhões de euros, em linha com o ano anterior, mas, para 2024, não arrisca previsões, assumindo que “esperamos sempre pelo melhor, mas a conjuntura é que vai ditar” o que será o ano.
E a conjuntura é “preocupante e assustadora”, com “muitas empresas em graves dificuldades para manterem os postos de trabalho por falta de encomendas”, admite o empresário, que está a concluir um investimento de 400 mil euros em modernização e automação industrial. A agravar a situação, lembra, as empresas estão agora a ter que pagar os apoios covid-19 com taxas de juro de 5 e 6%, quando os contrataram em valores negativos.
Também a Comforsyst, empresa de São João da Madeira que detém a marca Softwaves, fala numa “retração do mercado”, mas garante que “não estamos a notar quebras” e espera este ano, se possível, “crescer 5 a 10%” sobre o crescimento de 22% obtido em 2023 para os 9,5 milhões de euros. “O consumidor está sem poder de compra e estamos a lutar por conseguir um pequeno espaço no retalho quando as lojas estão carregadas de stocks”, diz Hélder Santos, um dos três irmãos que gerem a empresa, comprada pelo pai em 1990. Desde 2000, ano em que criaram a marca própria, que só produzem para o calçado de senhora da Softwaves, que está presente em cerca de 1500 pontos de venda nos três mercados em que atua: França, Bélgica e EUA. “Em vez de nos dispersarmos por muitos mercados, preferimos fazer um trabalho muito sustentado apenas em três. Conseguir visibilidade de uma marca é muito difícil e nós não temos milhões para gastar em publicidade, portanto, crescemos quase só por osmose”, diz o irmão Orlando Santos.
Presença habitual na feira da Micam “há muitos anos”, a Softwaves deixou de expor em Milão com a pandemia e só agora está a regressar. “É a principal feira europeia, temos que estar presentes e mostrar que estamos ativos”, refere. A loja online, criada ainda antes da covid, mas que ganhou novo fôlego com a pandemia, ajuda a chegar a novos mercados, da Austrália à Nova Zelândia, passando pelas Ilhas Guadalupe ou pela Roménia, e vale já 10 a 15% das vendas totais.
A Centenário, de Oliveira de Azeméis, teve em 2023 um ano “bastante positivo”, tendo finalmente recuperado as vendas perdidas com a pandemia. Cresceu 15% face a 2022 e chegou aos sete milhões de euros. Para este ano, Pedro Ferreira mostra-se cauteloso: “Queríamos continuar a segurar os clientes e tentar que as vendas não decrescessem, mas a indicação que nos dão é que os consumidores estão retraídos, estão a comprar menos. Esperemos que a retoma aconteça no segundo semestre”, afirma. No imediato, vai dar uma semana de férias aos trabalhadores em março, na Páscoa, e fazer uma semana de formação, ao abrigo dos apoios criados pelo Governo ajudar as empresas com falta de encomendas. A grande incógnita é se conseguirá já arrancar com a produção das nova coleção, de outono-inverno, em abril.
Com trabalho garantido até maio, pelo menos, está a Valuni, de Arrifana, Santa Maria da Feira, que fechou 2023 com dez milhões de euros de faturação, em linha com o ano anterior. “No nosso caso particular o ano correu bem, mas começamos a sentir, a seguir ao verão, uma instabilidade do mercado, com os clientes muito indecisos [nas compras] e a queixarem-se que estavam a vender pouco. Isso deixou-nos apreensivos, mas, com o desenrolar da época, e mais próximo do final do ano, sentimos que houve algum desanuviar do ambiente”, explica o CEO, David Braga, que acredita que a diversificação de mercados e a aposta num produto de segmento médio-alto ajudou. “As pessoas que consomem este tipo de produtos não estão à espera do final do mês para comprar sapatos”, reconhece.
Com 130 trabalhadores e a comemorar 42 anos, aValuni subcontrata cerca de metade das suas necessidades de costura fora de portas. Em 2022, com o boom do crescimento do mercado – as exportações do setor dispararam 20% e ultrapassaram, pela primeira vez, a barreira dos dois mil milhões de euros –, chegou a subcontratar costura em fábricas marroquinas, mas agora já não precisa. Aliás, David Braga, pai, assume que a sua principal preocupação, atualmente, é com a “instabilidade do mercado que está a levar ao desaparecimento de muitos pequenos fornecedores, sem capacidade para fazer face às quebras de produção” das grandes empresas.
Empresas estão agora a pagar os apoios covid-19 com taxas de juro de 5 e 6%, quando os contrataram em valores negativos, lembra um empresário do setor.