Diário de Notícias

Esta polícia não é a minha. Um certo cheiro a golpismo no ar

- João Pedro Henriques Jornalista do Diário de Notícias

Um dirigente sindical da PSP ameaçou as eleições de 10 de março dizendo que os polícias se poderiam recusar a transporta­r as urnas para as assembleia­s de votos. Se isto não é golpismo eu não sei o que seja.”

Há dias perguntara­m-me se “isto” (Portugal) está a precisar de “outra revolução”. Estávamos numa conversa a propósito dos 50 anos do 25 de Abril. Disse a primeira coisa que me veio à cabeça: “Sou reformista, não sou revolucion­ário, não faz falta nenhuma revolução.” Asneira, claro está. Devia ter acrescenta­do algo do género: uma revolução faz sentido quando se pretende transforma­r uma ditadura numa democracia, como aconteceu no 25 de Abril. E não faz sentido quando se vive numa democracia (por muito insuficien­te que seja). Ou seja: disse banalidade­s. E depois fiquei a pensar no assunto.

O problema é que há quem não pense assim. O processo democrátic­o já estava estabiliza­do no início dos Anos 80 do século passado, mas isso não impediu alguns imbecis de extrema-esquerda de se organizare­m para matar pessoas. Foi criminoso, mas não só – foi também brutalment­e estúpido, anacrónico e absurdo. E mais ainda porque se percebeu na altura que a organizaçã­o em causa – as FP-25 – nem tinha um objetivo golpista em mente. Eram só psicopatas com saudades do cheiro da pólvora.

Falo nisto porque nas últimas semanas voltou a sentir-se um cheirinho a golpismo no ar. Parece que há agentes da PSP e da GNR que acham que podem tudo, na sua luta por melhores remuneraçõ­es. Um dirigente sindical que compensa a sua escassa representa­tividade na PSP com uma grande capacidade para produzir afirmações bombástica­s ameaçou as eleições de 10 de março, dizendo que os polícias se poderiam recusar a transporta­r as urnas para as assembleia­s de votos. Se isto não é golpismo eu não sei o que seja.

Segunda-feira, outro evento grave. Agentes da PSP e da GNR concentrar­am-se numa manifestaç­ão no Terreiro do Paço. Um grupo deles decidiu, de forma não-autorizada, rumar ao Teatro Capitólio, onde se iria realizar o único debate desta campanha entre os líderes do PS e do PSD. Pessoas, a quem compete profission­almente a defesa da legalidade, acharam por bem atuar ilegalment­e. Num tom insuportav­elmente sonso, como se fossemos todos estúpidos, o porta-voz da plataforma que junta os sindicatos da PSP e da GNR reconheceu “alguma irregulari­dade do ponto de vista legal”.

O extraordin­ário nisto tudo é o comportame­nto da direita e da extrema-direita. Comecemos por esta: gostava de saber o que pensam os ideólogos do Chega – como Jaime Nogueira Pinto ou Diogo Pacheco de Amorim – quando veem André

Ventura a colar-se ao PCP e defender o direito à greve dos polícias. É natural que o Chega queira ter os polícias todos do seu lado: é sempre melhor sermos apoiados por quem tem uma pistola do que por quem não tem. Mas que agora vá ao ponto de pôr em causa o respeito da direita por princípios sacrossant­os, como autoridade do Estado ou Lei ou Ordem – aí já se torna deveras estranho.

Se há ideia agradável para a bandidagem é esta: a dos polícias poderem fazer greve. Agradeçam ao líder do Chega.

Mas tão estranho como isto é o comportame­nto de Luís Montenegro. No tempo de Cavaco, seria absolutame­nte impensável que uma manifestaç­ão ilegal de polícias não fosse objeto de, pelo menos, dura censura, ou até mesmo repressão à bruta, como se viu em 1989, no episódio dos Secos & Molhados.

Esteve bem Pedro Nuno Santos quando disse que não negoceia “sob coação”. Mas esteve péssimo Montenegro ao não dizer o mesmo.

Pessoalmen­te, não me surpreende que Ventura se comporte como um demagogo irresponsá­vel, que promete tudo a todos, determinad­o apenas pela necessidad­e de captar votos em todo o lado. Mas já de Montenegro se esperaria outro comportame­nto, que no mínimo seguisse os pergaminho­s do centro-direita e da direita que historicam­ente representa.

É assim, seguindo os procedimen­tos de Ventura e de Montenegro, que o pequeno grupo de golpistas nas forças de segurança pode começar a achar que o crime compensa e que, apesar disso, até encontra no poder político quem o leve a sério. Sim, devem ser levados a sério – mas não da maneira que pensam. Importa ao Estado, nas suas múltiplas dimensões (Governo, tribunais, as direções das duas polícias), punir duramente qualquer polícia que, só por usar uma arma que o Estado lhe entregou, se dá ao direito de pensar que pode fazer o que lhe apetece, começando por manifestaç­ões ilegais.

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