Esta polícia não é a minha. Um certo cheiro a golpismo no ar
Um dirigente sindical da PSP ameaçou as eleições de 10 de março dizendo que os polícias se poderiam recusar a transportar as urnas para as assembleias de votos. Se isto não é golpismo eu não sei o que seja.”
Há dias perguntaram-me se “isto” (Portugal) está a precisar de “outra revolução”. Estávamos numa conversa a propósito dos 50 anos do 25 de Abril. Disse a primeira coisa que me veio à cabeça: “Sou reformista, não sou revolucionário, não faz falta nenhuma revolução.” Asneira, claro está. Devia ter acrescentado algo do género: uma revolução faz sentido quando se pretende transformar uma ditadura numa democracia, como aconteceu no 25 de Abril. E não faz sentido quando se vive numa democracia (por muito insuficiente que seja). Ou seja: disse banalidades. E depois fiquei a pensar no assunto.
O problema é que há quem não pense assim. O processo democrático já estava estabilizado no início dos Anos 80 do século passado, mas isso não impediu alguns imbecis de extrema-esquerda de se organizarem para matar pessoas. Foi criminoso, mas não só – foi também brutalmente estúpido, anacrónico e absurdo. E mais ainda porque se percebeu na altura que a organização em causa – as FP-25 – nem tinha um objetivo golpista em mente. Eram só psicopatas com saudades do cheiro da pólvora.
Falo nisto porque nas últimas semanas voltou a sentir-se um cheirinho a golpismo no ar. Parece que há agentes da PSP e da GNR que acham que podem tudo, na sua luta por melhores remunerações. Um dirigente sindical que compensa a sua escassa representatividade na PSP com uma grande capacidade para produzir afirmações bombásticas ameaçou as eleições de 10 de março, dizendo que os polícias se poderiam recusar a transportar as urnas para as assembleias de votos. Se isto não é golpismo eu não sei o que seja.
Segunda-feira, outro evento grave. Agentes da PSP e da GNR concentraram-se numa manifestação no Terreiro do Paço. Um grupo deles decidiu, de forma não-autorizada, rumar ao Teatro Capitólio, onde se iria realizar o único debate desta campanha entre os líderes do PS e do PSD. Pessoas, a quem compete profissionalmente a defesa da legalidade, acharam por bem atuar ilegalmente. Num tom insuportavelmente sonso, como se fossemos todos estúpidos, o porta-voz da plataforma que junta os sindicatos da PSP e da GNR reconheceu “alguma irregularidade do ponto de vista legal”.
O extraordinário nisto tudo é o comportamento da direita e da extrema-direita. Comecemos por esta: gostava de saber o que pensam os ideólogos do Chega – como Jaime Nogueira Pinto ou Diogo Pacheco de Amorim – quando veem André
Ventura a colar-se ao PCP e defender o direito à greve dos polícias. É natural que o Chega queira ter os polícias todos do seu lado: é sempre melhor sermos apoiados por quem tem uma pistola do que por quem não tem. Mas que agora vá ao ponto de pôr em causa o respeito da direita por princípios sacrossantos, como autoridade do Estado ou Lei ou Ordem – aí já se torna deveras estranho.
Se há ideia agradável para a bandidagem é esta: a dos polícias poderem fazer greve. Agradeçam ao líder do Chega.
Mas tão estranho como isto é o comportamento de Luís Montenegro. No tempo de Cavaco, seria absolutamente impensável que uma manifestação ilegal de polícias não fosse objeto de, pelo menos, dura censura, ou até mesmo repressão à bruta, como se viu em 1989, no episódio dos Secos & Molhados.
Esteve bem Pedro Nuno Santos quando disse que não negoceia “sob coação”. Mas esteve péssimo Montenegro ao não dizer o mesmo.
Pessoalmente, não me surpreende que Ventura se comporte como um demagogo irresponsável, que promete tudo a todos, determinado apenas pela necessidade de captar votos em todo o lado. Mas já de Montenegro se esperaria outro comportamento, que no mínimo seguisse os pergaminhos do centro-direita e da direita que historicamente representa.
É assim, seguindo os procedimentos de Ventura e de Montenegro, que o pequeno grupo de golpistas nas forças de segurança pode começar a achar que o crime compensa e que, apesar disso, até encontra no poder político quem o leve a sério. Sim, devem ser levados a sério – mas não da maneira que pensam. Importa ao Estado, nas suas múltiplas dimensões (Governo, tribunais, as direções das duas polícias), punir duramente qualquer polícia que, só por usar uma arma que o Estado lhe entregou, se dá ao direito de pensar que pode fazer o que lhe apetece, começando por manifestações ilegais.