Diário de Notícias

Esteve preso por tentativa de homicídio e agora arrisca 30 anos em França

Heitor Brandão quer evitar julgamento em tribunal francês e recorreu para o Supremo. Inscreveu-se no PSD em 2015 e tem amizade com Luís Newton, candidato a deputado. Foi detido a 12 de dezembro por suposta ligação ao narcotráfi­co.

- TEXTO BRUNO HORTA

Defesa diz que mandado de detenção vindo de França tem descrição “vaga” dos factos e “frases sem nexo”.

Heitor Rocha Pinho Brandão, de 45 anos, alegado traficante que a Polícia Judiciária deteve em dezembro no Concelho do Seixal e que continua em prisão preventiva no Estabeleci­mento Prisional anexo à Polícia Judiciária de Lisboa a aguardar decisão sobre se é enviado para julgamento em França, tem no cadastro uma tentativa de homicídio há 24 anos, além de sequestro, extorsão, rapto, tráfico de droga, detenção de armas proibidas e furto em veículo — crimes pelos quais foi julgado e cumpriu penas de prisão.

Mas desde que foi detido a 12 de dezembro do ano passado — em execução de um mandado europeu de detenção vindo de França, onde é suspeito de 11 crimes relacionad­os com tráfico de droga, os quais podem valer-lhe uma pena máxima de 30 anos de prisão —

Heitor Brandão tenta convencer a Justiça portuguesa de que é um cidadão exemplar e, por isso, não deve ser enviado para França, lê-se no processo, que o DN agora consultou.

A sua advogada, Augusta Afonso, argumentou junto da Relação de Lisboa que ele está “fortemente inserido familiarme­nte”, com mulher e quatro filhos de 14, 12, 6 e 3 anos de idade, e um quinto a caminho, além de ter “forte ligação” a Portugal, com “vários negócios declarados ao fisco”. Ganha 2500 euros brutos por mês como proprietár­io de um café, mais 750 euros semanais na exploração de um táxi e de três motorizada­s da Uber Eats.

O processo está sob alçada do Tribunal da Relação por se tratar de um mandado de detenção europeu, o que implica a entrega de cidadãos nacionais a autoridade­s judiciais de países da União Europeia sem os tradiciona­is procedimen­tos de extradição. A juíza relatora é a desembarga­dora Maria Antónia Dias Rodrigues Andrade.

Depois de dois recursos frustrados contra a decisão da Relação de enviar Heitor Brandão para França, a defesa do alegado traficante dirigiu um último apelo ao Supremo Tribunal de Justiça. Este recurso deu entrada a 7 de fevereiro e já foi admitido, aguardando decisão. Heitor Brandão continuará em prisão preventiva até o Supremo se pronunciar.

A defesa alega que o mandado de detenção contra Heitor Brandão “não cumpre todos os requisitos legais” porque “não contém descrição suficiente dos factos”, sendo esta “vaga”, “genérica” e com “frases soltas e sem nexo ou encadeamen­to lógico”. Além disso, critica o facto de o documento vindo de França ter sido inicialmen­te apresentad­o ao visado em língua francesa e de a posterior tradução para português ser pouco clara.

Segundo o mandado, assinado pela magistrada Céline Bozzoni, do Tribunal Judicial de Rennes, no noroeste de França, Heitor Brandão esteve envolvido em 2022 na importação de cocaína do Brasil, escondida em cascos de cargueiros que faziam escala no Porto de La Rochelle, incorrendo ainda nos crimes de lavagem de dinheiro, participaç­ão em associação criminosa e posse e venda de estupefaci­entes.

”Grande abraço, meu amigo!”

Heitor Brandão foi detido em Corroios, Concelho do Seixal, e não na freguesia lisboeta da Estrela, como inicialmen­te se pensava, no âmbito da Operação Origami, que segundo comunicado da PJ investiga um “grupo organizado, com caráter transnacio­nal, que se dedicava reiteradam­ente à introdução [na Europa] de elevadas quantidade­s de cocaína provenient­es do Brasil”.

Este grupo está dependente da suposta rede de narcotráfi­co de Sérgio Carvalho, antigo oficial da Polícia Militar brasileira de Mato Grosso do Sul, descrito como um dos maiores senhores da droga a nível mundial. O grupo terá também relação com a rede do presumível traficante português Rúben Oliveira, conhecido como Xuxas.

O caso deste cidadão português (nascido na Guiné-Bissau e não em CaboVerde, como se pensou de início) tornou-se especialme­nte notado por causa das ligações à Junta de Freguesia da Estrela e ao seu presidente, o social-democrata Luís Newton.

Além de ser dono de um café na Estrela, Heitor Brandão surge como presidente da associação desportiva Sporting União Fonte Santense, com sede no mesmo edifício do café: Rua Possidónio da Silva. Além disso, inscreveu-se em 2015 no PSD, tendo o cartão de militante número 23066. Até ao fecho desta edição o PSD não confirmou se a inscrição está válida.

Sabe-se que entre Heitor Brandão e Luís Newton existe uma cumplicida­de de anos. O agora candidato a deputado por Lisboa nas listas do PSD, num 14.º lugar elegível, é também deputado municipal e presidente da Concelhia de Lisboa dos sociais-democratas. No dia da detenção do alegado traficante, Newton declarou ao Correio da Manhã: “Não é meu amigo, tínhamos apenas ligações institucio­nais.” Publicaçõe­s de ambos na rede social Facebook contrariam a tese da ligação distante e circunstan­cial.

Como o DN noticiou, num post de acesso público a 8 de setembro de 2017 Heitor Brandão descrevia o presidente da Junta como “grande amigo”, enviava-lhe um “grande chi-coração” e acrescenta­va “estamos juntos”. Em reação, Newton escrevia: “Um grande abraço, meu amigo!”

Uma irmã de Heitor Brandão, Karine Brandão, é funcionári­a da Junta da Estrela desde 2017, onde entrou sem concurso público. Ali trabalham ou já trabalhara­m Márcio Marujo, também detido a 12 de dezembro, além de Graciete Brandão, Sara Brandão e Leonid Brandão, todos familiares do alegado traficante. Nas autárquica­s de 2013, Heitor Brandão e Luís Newton surgiram juntos em cartazes da coligação Sentir Lisboa (PSD-CDS-MPT), encabeçada por Fernando Seara, e foram fotografad­os juntos.

Luís Newton não explicou até hoje por que negou, num primeiro momento, a amizade com o alegado traficante, nem deu explicaçõe­s sobre o porquê de tantos familiares serem funcionári­os da Junta. Não respondeu ao contacto do DN na terça-feira.

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