Polónia de Tusk apresenta plano para fazer as pazes com Bruxelas
São nove os projetos de lei com os quais o Governo de Donald Tusk quer recuperar o Estado de Direito. Vontade pode esbarrar no veto do presidente polaco, alinhado com a oposição.
A “qui estou eu a falar sobre o papel especial do Direito e do Estado de Direito”, disse Donald Tusk há semanas no discurso em que expôs o programa do seu Governo perante o Parlamento polaco. “Não há realmente nada mais importante para uma nação moderna do que um conjunto de direitos e obrigações reconhecidos como comuns, sem exceção”, acrescentou. O regresso do ex-presidente do Conselho Europeu à liderança do Governo na Polónia, em dezembro, representou o afastamento do poder do partido populista de direita Lei e Justiça (PiS), mas também uma reaproximação entre Varsóvia e Bruxelas. Reaproximação que ontem conheceu um passo decisivo com a apresentação de um “plano de ação” do Governo polaco para restaurar o Estado de Direito no país e levar a União Europeia a desativar a aplicação do artigo 7.º do seu tratado, relativo a graves e persistentes violações aos valores fundamentais europeus e que prevê sanções ao país infrator, como a perda de direitos políticos.
Outro sinal desta reaproximação é a viagem da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen – acompanhada pelo primeiro-ministro belga, Alexander de Croo – até Varsóvia na sexta-feira para se encontrar com Donald Tusk.
Este “plano de ação” apresentado ontem em Bruxelas pelo ministro da Justiça polaco, Adam Bodnar, durante uma reunião dos ministros dos Assuntos Europeus dos 27, consiste em nove projetos de lei que pretendem restaurar a independência do setor da Justiça do país, desde o Constitucional aos tribunais comuns. “Se a Polónia sair deste procedimento [artigo 7.º] significa que estamos mais fortes como Estado-membro, que podemos ter mais influência na integração europeia, e teremos também mais poder em apoiar as ideias e projetos que gostaríamos de implementar a nível da UE”, defendeu ontem Bodnar. A resolução deste procedimento poderá também representar para a Polónia o desbloquear de 76,5 mil milhões de euros em fundos de coesão e o acesso total ao Plano de RecupeJustiça ração e Resiliência, no valor de cerca de 60 mil milhões.
O ministro da Justiça polaco disse ainda desejar que o levantamento do artigo 7.º possa acontecer antes do final da presidência belga do Conselho da União Europeia, marcado para junho, uma ideia partilhada ontem pela ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, Hadja Labib. “Quando há vontade, há caminho. Foi precisa uma mudança política para finalmente contarmos com a presença do ministro da polaco”, referiu Labib. Outra data possível e desejável paraVarsóvia é 1 de maio, dia em que se assinalam os 20 anos da adesão da Polónia à UE.
A Comissão Europeia vai analisar agora o pacote de medidas apresentadas pela Polónia para regressar a um cenário de Estado de Direito e deverá apresentar uma avaliação nas próximas semanas. Os diferendos entre Bruxelas e o anterior Executivo nacionalista do PiS sobre a violação do Estado de Direito e do primado da lei duram há seis anos, tendo sido abertos vários processos de infração e a ativação, em 2017, do artigo 7.º.
Durante a sua governação, o PiS aumentou a influência do poder político sobre o poder judicial e minou a aplicação das leis comunitárias. Uma das reformas mais polémicas deu poderes à comissão disciplinar do Supremo para castigar magistrados de acordo com o conteúdo das suas sentenças.
“Iremos analisar a situação, o plano de ação e todas as decisões que a Polónia vai adotar e talvez nas próximas semanas apresentemos uma avaliação” sobre o encerramento do processo, disse ontem o comissário europeu para a Justiça, Didier Reynders, que considerou “muito positiva” a apresentação por Varsóvia. Reynders adiantou também que, para além do plano de ação, o Governo de Donald Tusk já tomou algumas decisões neste âmbito, como a de aplicar todas as medidas determinadas pelo Tribunal de Justiça da UE.
“Ouvimos um plano realístico para restaurar a independência do sistema judicial polaco”, referiu a comissária europeia para os Valores e Transparência, Vera Jourova, sublinhando, porém, haver muito trabalho a fazer antes de ser encerrado o processo por violação do artigo 7.º do Tratado da União Europeia. Mesmo assim, e menos otimista que Varsóvia, disse “ter o sonho” de que tudo fique resolvido até ao final do mandato da atual comissão, ou seja, 31 de outubro.
Esta falta de otimismo de Jourova está relacionada com uma questão: para as reformas agora propostas porVarsóvia se tornarem lei terão de ser assinadas pelo presidente polaco, Andrzej Duda, membro do PiS até à sua eleição como chefe de Estado, e que estará em funções até ao próximo ano. Se todo este processo não estiver concluído até ao final da presidência belga, a discussão passará para o país seguinte, a Hungria, que também tem um procedimento aberto no âmbito do artigo 7.º, que poderá atuar como uma força de bloqueio.
Levantamento da aplicação do artigo 7.º poderá também desbloquear 76,5 mil milhões de euros em fundos de coesão para a Polónia.