Até ver... Depois do mundo, o Olimpo? Calma...
Acobertura de uns Jogos Olímpicos como enviado especial envolve vários desafios e obriga o jornalista a colocar diariamente uma pergunta: onde ir hoje? Além da constante procura de histórias paralelas, à margem da competição, uma parte fundamental é olhar para o calendário dos atletas portugueses e perceber onde é que está o maior potencial para um bom resultado ou uma eventual medalha (aquilo que todos querem testemunhar). E depois existem os momentos icónicos, imperdíveis, como a final dos 100 metros, por exemplo. Tanto em Londres 2012 como no Rio 2016 acabei algumas noites no pavilhão aquático a assistir às provas de natação. O objetivo foi sempre o mesmo: testemunhar em direto e in loco a história do desporto mundial a ser feita a cada braçada do norte-americano Michael Phelps, a Bala de Baltimore, o recordista de medalhas olímpicas – 23 de ouro, três de prata e duas de bronze. Portugal teve sempre atletas em prova (a natação é, aliás, o segundo desporto com mais federados em Portugal e também o segundo com maior representação nacional nos Jogos Olímpicos, só perdendo para o atletismo – 81 vs. 176 ao longo da história), mas a atenção mediática nunca apontou para eles. Porém, daqui por uns meses, quando arrancarem os Jogos de Paris 2024 já tudo será diferente. Agora, a natação vai ser ‘obrigatória’ na agenda da comunicação social.
O responsável por esta mudança é, já se percebeu, Diogo Ribeiro, que conseguiu na passada semana, aos 19 anos, a proeza de se tornar o primeiro campeão mundial português de natação e logo em dose dupla, com ouro nos 50 e 100 metros mariposa (só a última é distância olímpica). Importa, no entanto, antes que o país embarque no ‘comboio da euforia desmedida’, rumo à capital francesa, ter um pouco de calma e perceber o que está em causa. Singrar na alta competição, seja qual for o desporto, exige enorme disciplina física e mental. Mas a natação tem um contexto particular. Michael Phelps, em novembro de 2023, numa palestra noWorld Business Forum em que abordou os problemas de saúde mental que sofreu durante carreira, fez um bom resumo da singularidade da modalidade: “É um desporto solitário, em que não podes falar com ninguém, não podes ouvir música. És só tu contigo próprio”. Desenvolver-se como nadador profissional implica, além de um permanente cuidado com a alimentação por causa do peso, muito treino físico fora de água, a repetição exaustiva de movimentos técnicos para os aperfeiçoar, exercícios respiratórios, o apuramento da capacidade de reação ao toque de partida, quilómetros e quilómetros a nadar nos limites, sempre a correr contra o relógio, sem comunicar com o próximo, sem liberdade para improvisos nem para criatividade pessoal, ao contrário, por exemplo, do que acontece na maioria dos desportos coletivos. É preciso, por isso, além do talento e capacidade física, ter um foco excecional para obter o tipo de resultados que Diogo Ribeiro já está a conseguir aos 19 anos.
A mentalidade forte do nadador do Benfica, vítima de um acidente de mota em 2021 que quase lhe custou a carreira e órfão de pai desde os 4 anos, tem estado patente nas declarações que fez nos últimos dias – “em todas as finais que estive, ganhei medalhas”; “há que pensar em grande”; “até chegar à medalha olímpica, não descanso” – e é reconhecida por quem trabalha com ele. Essa característica é, aliás, um traço comum entre Diogo Ribeiro e as duas maiores referências atuais do desporto português, os multicampeões Cristiano Ronaldo e Fernando Pimenta, que desde muito cedo demonstraram uma enorme confiança naquilo que podiam alcançar, com elevadas doses de autoconfiança que, por vezes, foram confundidas com arrogância. O certo é que souberam sempre juntar às palavras uma entrega ao treino fora do comum, para lá do que lhes era exigido, que hoje é amplamente reconhecida e que serviu de suporte para carreiras longas no tempo e profundas nas conquistas – basta ver que, em 2023, aos 38 anos, Ronaldo foi o melhor marcador do Mundo com 54 golos e que Pimenta, aos 34 anos, somou três medalhas nos mundiais de canoagem, incluindo o ouro em K1 1000 metros.
Outro aspeto que une os três é o trabalho desenvolvido numa fase precoce da carreira com treinadores estrangeiros habituados a grandes conquistas nos palcos mundiais. Aconteceu a Ronaldo com Alex
Ferguson no Manchester United e com Scolari na seleção nacional; a Fernando Pimenta com o polaco Ryszard Hoppe, o autor da revolução que transformou Portugal numa potência da canoagem internacional; e agora a Diogo Ribeiro, que trabalha desde 2021 com o brasileiro Alberto Silva, dono de um currículo em que constam cinco presenças olímpicas como treinador, dois atletas medalhados em Jogos e mais de duas dezenas de pódios em Mundiais.
Esse foco de apontar a metas ambiciosas, mas podendo trabalhar sob a asa protetora de alguém que sabe o que é preciso para as alcançar, é, muitas vezes, determinante na evolução competitiva e pessoal dos atletas. Não nos esqueçamos de que Diogo Ribeiro tem apenas 19 anos. Criar expectativas desmesuradas sobre o que pode conseguir em Paris 2024 não ajuda ninguém. Muito menos o atleta. Inevitavelmente, as duas medalhas em Doha resultam num aumento exponencial da pressão que o rodeia, principalmente tendo em conta a proximidade dos Jogos Olímpicos. Aumenta a cobrança, a responsabilidade, as solicitações para eventos não desportivos e aparecem, como de costume, novas pessoas no seu entorno que olham muito para o atleta e pouco para a pessoa que ainda se está a formar. “É realmente um fora de série, mas ele praticamente cresceu e amadureceu aqui connosco. O que é que ele conhece da vida ou dessa pressão que vem junto?”, questionou, em janeiro, Alberto Silva numa entrevista a O Jogo. No DN, AlexandreYokochi, nome histórico da natação nacional na década de 80, deixou conselhos a Diogo: “Que continue a confiar nas pessoas com mais história que o apoiaram até agora, que ignore os amigos que vão aparecer de repente e que use este episódio para o ajudar a desenvolver-se num homem completo”. No Público, António Bessone Basto, outra referência da natação portuguesa, também chamou a atenção para os cuidados a ter com a gestão das expectativas: “[Nos Mundiais] Foi o melhor e o mais competente. Agora têm de dar espaço a um miúdo de 19 anos. Não lhe exijam nada. Deixem-no crescer”.
Deixem-no crescer, portanto. Teremos todos essa capacidade?