Greves em Medicina são “inconvenientes”...
A‘Primavera marcelista’ já lá ia. O reformismo anunciado por Marcello Caetano – que em setembro de 1968 sucedeu a Salazar – foi sol de pouca. Não passou de meras mudanças de cosmética: o partido único, a União Nacional, passou a chamar-se Acção Nacional Popular e a PIDE, a polícia política, foi rebatizada com o nome de Direcção-Geral de Segurança, o bispo do Porto, António Ferreira Gomes, foi autorizado a regressar do exílio e Mário Soares do desterro em São Tomé.
As liberdades continuaram suspensas: as eleições não eram livres, os opositores eram reprimidos, os ‘coronéis’ da censura mantinham-se atentos e firmes de lápis azul em riste. As universidades – por decisão do ‘reformista’ ministro da Educação, Veiga Simão – eram vigiadas pelos ‘gorilas’ que tentavam pôr os estudantes na ordem. Ainda assim, a contestação à ditadura, pelas liberdades públicas e pelo fim da guerra colonial, não deixou de agitar as universidades desde 1962, ano da primeira ‘crise académica’.
A Faculdade de Medicina de Lisboa vivia tempos de revolta. O DN de há 50 anos não dá notícia da contestação juvenil. Limita-se a publicar na íntegra uma nota oficial que reza assim: “O Conselho Escolar da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, reunido sob a presidência do magnífico reitor [o historiador Veríssimo Serrão, tenaz adversário de Marcello Caetano e saudosista de Salazar] e com a presença de 13 professores catedráticos e 11 extraordinários, ponderou as circunstâncias que desde o início do corrente ano letivo tem impedido o regular funcionamento da Faculdade com os graves inconvenientes que daí resultam, quer para a indispensável preparação dos estudantes quer para o ambiente de menos tranquilidade que atinge forçosamente o Hospital Escolar de Santa Maria. Tal situação compromete o prestígio do ensino universitário e afeta a validade dos diplomas que esta Escola concede”.
Em parte nenhuma da nota há a mais pequena referência ao movimento estudantil contra o regime e pelas liberdades públicas.
O Conselho Escolar da Faculdade e o reitor da Universidade apelam às “instâncias superiores” a “promulgação d e medidas urgentes que permitam à Faculdade de Medicina cumprir a sua missão”.