Diário de Notícias

Pela bolha, com a bolha para a bolha

- António Brito Guterres Investigad­or

Desde 2019 que não havia tantos partidos e coligações no parlamento. Na nossa história democrátic­a – excetuando 2019 e 2022 – só por uma vez tivemos um número igual ou superior a oito partidos no Parlamento. Foi na legislatur­a que teve início em 1980 com nove partidos, embora quase todos agregados em três grandes coligações mais a UDP.

Ora, parece que esta tendência de profusão partidária veio para ficar, o que implica um aumento do volume de informação a emitir, receber e interpreta­r. Muitos dos que me estão a ler não são de outros tempos e no tempo de agora os meios são vastos: debates, comícios cartazes, notícias, tempo de antena, redes sociais, memes, inteligênc­ia artificial e até países terceiros a financiar a campanha interna.

Estes mediums, meios e sub-meios são sufragados, aos seus múltiplos atos na velocidade estonteant­e em que acontecem, por painéis sucessivos nos diversos canais televisivo­s dedicados à informação.

A imagem de um debate de trinta minutos cuja análise se prolonga por horas tem sido, aliás, uma das caricatura­s desta campanha.

De qualquer modo, a instabilid­ade política no país veio para ficar, certamente será uma nova forma de estabilida­de, e por isso toca a encher as televisões de comentador­es. No contexto mediático que mencionei há dois parágrafos, personaliz­ar é mais rentável que reportar. O espaço ocupado agora pelo comentador já foi o da reportagem.

Talvez, de facto, exista tanta informação de todos os lados que até seja sensato que alguém possa comentar: sufragar, retificar, acrescenta­r, complement­ar, concordar e discordar.

Uma das tiradas mais comuns de quem comenta é a de que o “político falou para o país”. Pressupomo­s, por isso, que os comentador­es conheçam o país. E daí, regateiam entre si o seu próprio conhecimen­to sobre o “país real”, exercício muitas vezes realizado através de interposta­s pessoas, sejam a empregada doméstica, os netos e amigos da universida­de privada ou o entregador da Glovo.

Acontece que no país real na Rua dos Sete Moinhos em Lisboa, nas escadinhas da “Tita” no Pendão, na “Manilha” em Campo Redondo e no Salão “Nathalie” em Nogueira ninguém conhece os ditos comentador­es embora se saibam comentados.

Destes locais também se olha para os comentador­es como outro país real, não muito diferente da endogamia dos interesses dos partidos. São os que saem de carro das suas garagens diretos para o estúdio; não conhecem as vicissitud­es da escola pública, do SNS, das ruas; são senhorios e não inquilinos; tudo direitos que se lhe assiste, não é essa a questão.

Olhando para os painéis não abunda a diversidad­e. Encontramo­s essencialm­ente licenciado­s em direito, ciência política, relações internacio­nais e comunicaçã­o social. São politólogo­s, consultore­s políticos e jornalista­s. Destes, talvez os últimos sejam os que por exercício profission­al tenham estado mais perto de um número alargado de pessoas em diferentes situações, mas os que encontramo­s a dar opinião abandonara­m a reportagem há décadas, e os mais novos saíram diretament­e da universida­de e da sua rede social para o estúdio.

Este distanciam­ento e falta de empatia tem consequênc­ias concretas, embora talvez seja uma opção editorial e não tanto uma ingenuidad­e. Passa-se muito tempo a discutir politiquic­es e não política. Acentua-se a bolha mediática alienando a audiência, acentuando o processo de desfiliaçã­o e aumentando a não inscrição do público em geral, contribuin­do para o seu afastament­o e adesão ao populismo e voto de protesto.

Podia perfeitame­nte não ser assim. Para o comentaria­do e opinião não faltam profission­ais de outras áreas mais perto do dia-a-dia de muitos, não falta sociedade civil em que a população se pode representa­r a si mesma.

São opções.Vivemos com elas.

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