Diário de Notícias

BERLINALE Um festival sem favoritos

- TEXTO RUI PEDRO TENDINHA

O Festival de Berlim atribui hoje os Ursos do seu palmarés, ao fim da tarde, numa cerimónia que pode ser vista em Berlinale. Não há propriamen­te vencedores antecipado­s, numa seleção mediana sem filmes de excelência. Mãos no Fogo, de Margarida Gil, pode vencer prémio na secção Encontros.

Adivinhar o Urso de Ouro é o desporto mais perigoso do mundo, sobretudo este ano com um júri presidido pela atriz Lupita Nyong’o e com jurados presumivel­mente radicais como o catalão Albert Serra e o berlinense Christian Petzold. À partida, é difícil encontrar favoritos, em especial devido a uma competição em que a variedade foi grande e não terão surgido obras-primas. Uma competição sem desastres e com uma média de qualidade assinaláve­l, mesmo com muita imprensa a reclamar. Hoje ao final da tarde sabe-se o palmarés principal e há um filme que já ganhou o prémio da crítica internacio­nal: My Favourite Cake, do casal Maryam Mogdaddam e Behtash Sanaeeh, uma história de amor na terceira idade, claramente a obra mais consensual. A sua possível vitória serviria também como um grito de protesto contra o regime iraniano – não esquecer que os cineastas não foram autorizado­s a viajar... Por outro lado, fala-se nos corredores da Postdamer Platz que a aventura americana do mexicano Alfonso Ruizpalaci­os pode ter hipóteses. La Cocina teve uma grande divisão nas notas dos críticos acreditado­s, mas não deixa de ser um dos filmes bons que mais mediatismo teve nesta competição com déficit de alarido, algo compreensí­vel com a falta de filmes americanos. Curiosamen­te, o melhor filme a concurso poderá ter vindo dos EUA, A Different Man, de Aaron Schimberg, com Sebastian Stan na pele de um homem que deixa de ficar desfigurad­o e descobre mais tarde que quem vê caras não vê corações. Trata-se de um objeto que dificilmen­te poderá figurar no palmarés em virtude de já ter sido mostrado no Festiva Sundance. Um Urso de Ouro para um filme que não é estreia mundial não deixaria de ser bizarro.

Também querido da imprensa o alemão Dying, de Mathias Glasner, sobre uma família onde a morte e a sua chegada parece aproximar todos. Um exemplo de um cinema alemão narrativo que quer chegar a um público largo. Seria um prémio que cairia bem numa indústria alemã que precisa cada vez mais de se internacio­nalizar.

Nos últimos dias, cresceu o falatório em torno de Devil’s Bath, de Veronika Franz e Severin Fiola, uma história verdadeira com toques de sobrenatur­al sobre uma camponesa que decidiu rebelar-se de um mundo patriarcal na Áustria rural de 1750. É um filme assumidame­nte feminista e nesta altura do campeonato pode ser importante a nível de escolhas dos jurados.

Um ator inesperado

No que toca a interpreta­ções, recorde-se que o prémio é unissexo e só ganha uma pessoa. Provavelme­nte é de bom senso apostar em Adam Pearson, o desfigurad­o de A Different Man, um ator com um carisma difícil de explicar, quanto mais não seja porque o seu tumor facial não lhe permite um variado espectro de expressões, mas é inegável todo um talento invisível. Ao mesmo tempo, não será má ideia apontar o irlandês Cillian Murphy como presumível favorito em Small Things Like These, de Tim Mielants, mesmo se tivermos em conta o quão frouxo este objeto é. Murphy é o favorito ao Óscar de melhor ator em Oppenheime­r, de Christophe­r Nolan, e aqui é tocante como um pai de família que desafia as convenções católicas ao ajudar uma jovem maltratada pelas freiras do convento das Irmãs Madalena.

Ouro para Rooney Mara?

Se o júri for para as mulheres, Rooney Mara terá de ser considerad­a em La Cocina, onde interpreta uma mulher muito sexual num dia infernal num restaurant­e em Nova Iorque. Uma interpreta­ção destemida de uma atriz que rasga uma certa imagem de correção. A grande concorrênc­ia que terá vem do Irão, da veterana

Lily Farhadpour, comovente em My Favourite Cake como uma dama de 70 anos a desafiar a polícia da moral em Teerão e a propor um encontro sexual com um estranho num delicioso conto do Viagra. Igualmente, ter em conta a força da nórdica Sidse Babett Knudssen em Sons, de Gustav Moller, outro dos filmes que está nas listas dos favoritos. A impressão ou a marca que a Berlinale número 74 vai deixar passa pela fibra politizada dos filmes, isto num festival em que se falou mais de causas e ativismo do que de cinema. A beleza silenciosa como Olivier Assayas filma a paisagem pastoral da sua casa de campo em Hors du Temps será que choca com este clima? Choca, mas é bom perceber que o cinema arqueológi­co de Margarida Gil em Mãos no Fogo foi bem recebido pelo público na secção Encontros. Nesta politizaçã­o, todas as imagens de arte com cinema puro são como um bálsamo de alívio.

 ?? ?? My Favourite Cake conquistou ontem, sexta-feira, o Prémio da Crítica Internacio­nal.
My Favourite Cake conquistou ontem, sexta-feira, o Prémio da Crítica Internacio­nal.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal