O Estado perdeu as eleições
Aduas semanas das eleições, é seguro dizer-se que a direita vai ganhar – seja AD+IL (maioria?) seja com o apoio tácito do Chega. Em ambos os casos terá mais votos que toda a esquerda coligada. Ora, como se gerou uma mudança tão brusca face à maioria PS de há dois anos? A verdade é que, como se viu em todos os debates, há já um derrotado: a máquina estatal. Da Saúde à Educação, da Justiça à Segurança, da Habitação à Coesão Territorial, o caos instalou-se. E é este falhanço estrondoso que entrega o país a uma governação de direita para uma tentativa da velha fórmula ‘menos Estado, melhor Estado’.
Mas que país acredita nesta fórmula? Há dois países. Um, em Lisboa, com um PIB per capita acima da média europeia, hipermediatizado, onde tudo o que acontece tem consequências – do simples buraco de rua aos protestos à porta de qualquer ministério – e onde tudo se resolve com milhões do Estado (a exceção foi a dos agricultores, porque estávamos em eleições). Há depois o outro país, espalhado pela “província”, que vegeta no ostracismo. Muito bom para visitar, difícil para viver com rendimento decente – e sempre na cauda das regiões mais pobres da Europa. Esse país só tem uma arma: o voto. E quer menos Estado.
As sistemáticas greves em escolas, tribunais, hospitais, transportes (CP, a recordista), função pública, etc., desesperam as pessoas. Quase tudo funciona mal. A este caos funcional junta-se agora o caos institucional – os protestos quase violentos dos polícias e a ameaça dos militares. Perante este quadro crítico, gerou-se uma mudança: milhões de trabalhadores e pequenos empresários, sem capacidade reivindicativa, recusam outra ‘geringonça’. Alternativa?
Olhe-se para os principais candidatos e salta à vista um facto: nenhum dos líderes dos oito partidos teve experiência profissional relevante a gerir alguma empresa ou organização – à exceção de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas. Mas foi a sua gestão displicente que lhe vai custar as eleições: pagar uma indemnização de 500 mil euros a uma gestora na esfera pública (TAP) e três meses depois empregá-la num outro organismo público (NAV ) é inconcebível – gerou, aliás, a sua demissão. E, claro, anunciar, à revelia do primeiro-ministro, a construção do aeroporto do Montijo, para o demolir logo a seguir, porque, entretanto, gastaria 10 mil milhões num aeroporto em Alcochete, à escala de Heathrow... Os portugueses têm medo deste “andar para a frente” com o dinheiro público.
Entregar o país a Luís Montenegro está a tornar-se numa inevitabilidade pela simples razão de que não há nenhuma boa solução. Aliás, a melhor de todas é mesmo a da ingovernabilidade: um período em que não se estrague ainda mais do que já está, até surgir uma nova liderança e visão, numas novas eleições tão breve quanto possível – obviamente com Passos Coelho, no PSD, e talvez Medina, no PS. Precisamos de um tempo novo e não apenas um reportório tático recitado em campanha.
Na noite de 10 de março, António Costa acabará por ser o derrotado-fantasma. Apesar das contas certas, institucionalizou um laissez-faire no funcionamento do Estado que culmina nesta nova paisagem eleitoral claramente hostil ao PS. Costa foi deixando cair os (poucos) reformistas nos diferentes governos e o seu poder apodreceu.
E assim chegamos a um país cansado de pagar impostos sem contrapartida de serviços públicos equivalentes. Pronto a virar à direita. Uma pena, porque o Estado devia defender-nos da desigualdade crescente com eficácia. Mas agora vai ser ainda mais desmantelado.
“Temos receio de que o governo regional continue a investir quase 16 milhões de euros a promover a Madeira para os municípios cobrarem uma taxa turística que depois não aplicam devidamente.”
Secretário Regional do Turismo e Cultura da Madeira nega que a atual crise na Região tenha impactos no setor e descarta o favorecimento dos grupos AFA e Pestana. À nova administração da TAP deixa elogios e assume interesse num voo direto entre o Funchal e o Brasil.
O turismo atingiu recordes em 2023, e a Madeira não foi exceção. Que fatores ditaram o sucesso na Região?
Os números que alcançámos em 2023 são o resultado de um processo longo. A pandemia foi entendida como uma oportunidade: não só reposicionámos o destino como lançámos uma nova marca e fomos um território muito friendly para os nómadas digitais. Tivemos uma grande capacidade de atrair turistas mais jovens e negociámos com novas companhias aéreas mais ligações. 2023 foi um ano de consolidação dessas decisões que tomámos anteriormente.
Em que indicadores há maior margem de crescimento?
Temos uma taxa média de ocupação de 75% das camas, a margem de progressão não é muito grande. Estes indicadores são excecionalmente elevados para um destino turístico. Relativamente ao preço, o mercado é soberano. Há o limite de quantidade e há o limite de valor. No segundo dificilmente podemos intervir para influenciar.
A Madeira está a atingir o pico dos preços?
Os crescimentos de valor são acentuados, na casa dos 40% a 60% face a 2019, o que já revela uma progressão bastante importante. Há investimentos muito importantes dirigidos ao luxo, nomeadamente através do grupo do Savoy, e sabemos bem que o mercado de luxo está disponível para pagar valores bastante acima daqueles que se praticam na Madeira. Os mercados como os Estados Unidos e o Médio Oriente estão habituados a pagar bastante pela oferta.
Além dos Estados Unidos, também o Brasil tem sido uma prioridade para a Região?
Em 2022 conseguimos uma ligação direta de Nova Iorque para a Madeira. Teremos também, a partir de julho, uma ligação direta a Boston e um voo direto para Toronto. Estas ligações com o nosso parceiro SATA envolvem um investimento grande na promoção. No mercado brasileiro, a nossa intenção é evoluir no mesmo sentido, ou seja, criar notoriedade suficiente no Brasil para gerar uma ligação mais direta à Madeira. Atualmente já acolhemos muitos turistas brasileiros, que fazem escala no hub de Lisboa. Muitos dos que chegam fazem-no através da operação que a TAP tem.
O objetivo é ter uma ligação direta entre o Funchal e o Brasil ?
Esse é o desejo de qualquer destino insular: ter voos diretos. Terminámos 2023 a trabalhar com 98 aeroportos diferentes, tivemos 123 rotas, cinco milhões de lugares, 51 companhias aéreas e 29 países. E isso dá-nos capacidade de gerar o tráfego de uma forma mais consistente. A Madeira sempre que tem ligações diretas com diferentes origens ganha objetivamente. Quando as ligações obrigam a paragem, neste caso em Lisboa ou no Porto, não são tão apelativas. Qualquer voo direto para a Madeira é sempre uma prioridade para o destino.
A Ryanair inaugurou a base na Madeira em 2022 e na altura o número de lugares na Região cresceu 22%. A companhia decidiu agora retirar um avião. Que impacto terá?
Tem sempre impacto. A Ryanair tem tido um efeito extraordinariamente positivo para a Madeira, porque não só de uma assentada produziu esse aumento de lugares para o destino, como durante o tempo que operou com os dois aparelhos teve um efeito de push relativamente às outras companhias. Mas é verdade que agora a dependência que tínhamos da Ryanair já não é a mesma que foi gerada no momento em que entrou. Estimávamos que essa redução iria impactar em cerca de 5% o movimento do aeroporto e muito rapidamente, com a parceria do Turismo de Portugal e da ANA, identificámos um conjunto de oportunidades.
A saída da Ryanair está completamente compensada com novas operações?
Ainda não. O nosso objetivo é recuperar até ao final deste verão. Compreende os argumentos da companhia relativamente ao aumento das taxas aeroportuárias?
Essa é uma reivindicação que a Ryanair tem vindo a fazer há muito tempo. A Madeira também tem assumido posição relativamente às taxas que se praticam no aeroporto. O que propusemos ao Sr. Primeiro-Ministro foi a revisão desta questão e que as taxas que se praticam no aeroporto da Madeira fossem niveladas pelas taxas que são praticadas nos aeroportos dos Açores, porque somos ambas regiões ultraperiféricas, insulares, com as mesmas características, e temos que ter a mesma capacidade de atração de fluxo aéreo. Quando a ANA ganhou a concessão dos aeroportos, contava com esta receita, e por isso não é legítimo que seja o concessionário a ser prejudicado pelo facto de se reverem as taxas. A Madeira nunca teve nenhuma preocupação de atacar a receita da ANA, tem uma preocupação de tornar mais competitivo o aeroporto da Madeira.
A ANAC deveria ser mais efetiva a travar os aumentos tarifários das taxas?
A pronúncia da ANAC sobre as atualizações tarifárias fica sempre aquém do desejo da Madeira. Não se resolve este problema sem uma revisão dos valores das taxas. Criticou no passado a aposta da TAP na região. Qual é, atualmente, o papel da companhia?
Esta nova administração da TAP tem um entendimento diferente da utilidade da companhia para o território nacional. E tem sido possível trabalhar de uma forma também diversa daquela que existia no passado.
A TAP não correspondeu àquelas que foram as expectativas da Madeira?
Não. Por exemplo quando, em 2015, resolveu mudar de estratégia e ignorar a importância das ligações diretas para a Madeira, como fez com o voo de Heathrow, no Reino Unido, que é, para mim, uma decisão completamente errada. O mercado aproveitou claramente o espaço deixado pela TAP, o que significa uma ausência de leitura correta do que deveria acontecer. A nova ligação que teremos a Caracas, que era uma reivindicação antiga, foi atendida pela atual comissão executiva, que percebeu claramente o potencial que tem esta ligação. Temos tido da parte da
transportadora aérea nacional uma perfeita sintonia no que diz respeito a melhorias significativas dos horários, a utilização de aparelhos, na otimização dos slots. Dispor de slots para a Madeira e utilizá-los com aparelhos de maior capacidade permite transportar mais pessoas. Essa capacidade de gestão existe hoje em dia na TAP. Mas não existia até agora?
No passado era mais difícil de conseguir. Há outras operações que estão também a ser estudadas, mas não é ainda altura de se falar delas. A TAP tem tido abertura em acolher essas ideias e estudá-las.
Há um antes e um depois do CEO, Luís Rodrigues?
É uma pessoa que conhece bem as regiões, esteve a trabalhar nos Açores e isso deu-lhe uma perspetiva bastante interessante. Além de ser já uma pessoa da casa, trabalhou na TAP, conhecia bem a companhia e as particularidades das Regiões Autónomas, e por isso entende com facilidade o que são as reivindicações da Madeira. Agora, entre essa compreensão e a capacidade de corresponder vai um grande espaço, que também é imposto por este momento que se vive na companhia. Ele tem feito, com a sua equipa, um trabalho notável, tem apresentado resultados, mas estão reféns do enquadramento político governamental. Ter uma ligação direta da TAP ao Brasil é uma prioridade?
Sim. Para nós qualquer ligação direita é uma prioridade. Preocupa-o o impacto que uma futura privatização da TAP possa ter na Região?
Os novos acionistas têm uma palavra a dizer. É muito importante que a companhia aérea tenha a consciência – e neste momento tem – da importância das Regiões Autónomas, e da Madeira em particular. Penso que numa fase em que os novos investidores estiverem sentados à mesa, a própria administração da TAP terá a oportunidade de manifestar esta grande oportunidade que é trabalhar com a Madeira.
Vários municípios preparam-se para começar a aplicar a taxa turística. Esta medida pode vir a retirar competitividade ao destino?
É fundamental prestar contas em relação a essa contribuição. Corre-se
o risco de a taxa turística ser mais uma receita municipal, porque são os municípios que a vão cobrar e não o governo regional. Temos um histórico na Madeira que é o pior possível, com Santa Cruz, que cobra já a taxa há vários anos e não a aplica no setor turístico.
Apelidou-a de “aldrabice”...
Não tem sentido verdadeiro, não é transparente e é um engano ao turista. Utilizar-se uma taxa turística para cobrar um euro ou dois euros a quem visita a Madeira, sem fazer com que se reflita no benefício do setor de oferta turística, é partir de um pressuposto errado. E esse é o histórico que existe na Madeira. Se é uma taxa turística, essa receita deve ser aplicada diretamente na melhoria da oferta turística, mas nada disso está a acontecer. Temos receio de que o governo regional continue a investir quase 16 milhões de euros a promover a Madeira para os municípios cobrarem uma taxa que depois não aplicam devidamente. Não sei o que será o futuro, porque até agora o histórico que temos é apenas do município de Santa Cruz.
E é um mau exemplo?
É um péssimo exemplo. Tudo o que não devia estar a acontecer, acontece ali. É preciso não esquecer que tudo o que fazemos a pensar no turista deve ser primeiro pensado para o residente. A esperança que eu tenho é de que os decisores autárquicos, no momento da aplicação desta taxa, a vejam não com fome de receita, mas que tenham a consciência de que estamos a falar de um setor que é muito importante para a economia regional– é quase 30% do nosso PIB que depende diretamente da atividade turística. E isto não pode ser só apenas visto como um sítio para se ir buscar dinheiro.
Em que modelo está a ser feito o investimento na praça hoteleira? Por força do plano de ordenamento do turismo, não se podem construir hotéis de grande dimensão até 2027. O que leva a que os maiores investidores procurem infraestruturas que já existam, para remodelar. Este processo tem permitido que as unidades mais envelhecidas, algumas que até estavam encerradas, voltem ao mercado. O investimento da Hyatt na Quinta do Lorde [Dreams Madeira Resort Spa & Marina] é relevantíssimo. A aquisição pelo grupo Memmo Hotels do hotel Paul do Mar é importantíssimo também. Há aquisições de um conjunto de quintas encerradas que estão a ser absorvidas por vários investidores. O governo regional colocou no mercado o edifício do Golden Gate e foi imediatamente adquirido por um fundo internacional [Mercan Properties], que se propôs trazer uma marca internacional da hotelaria para a Madeira. O Barceló [Funchal Oldtown] foi uma lufada de ar fresco para a vida da cidade. São vários os exemplos de unidades que estavam fora do ativo e que estão a ser recuperadas. Interessa-nos muito mais que o mercado absorva essas unidades e que lhes dê nova vida do que carregar o território com novas.
A margem de investimento será limitada a determinada altura?
A margem de crescimento é cada vez menor, mas a dinâmica do mercado também pode evoluir noutro sentido, com o investidor a procurar unidades em funcionamento. Temos assistido a uma grande procura e interesse por parte de investidores internacionais.
A crise no governo regional, que envolveu nomes ligados ao turismo, beliscou a confiança dos investidores no setor?
Não tive registo de qualquer impacto no setor. Aliás, a atividade do setor turístico mantém-se dentro da normalidade e tudo o que estava programado está a acontecer. Não houve cancelamentos de operações, não houve cancelamento de interesses de investimento, não houve nenhuma reação que pudesse estar diretamente relacionada com esse episódio. Temos trabalhado com toda a normalidade, dando seguimento a todos os assuntos e projetos e mantendo o ritmo de investimento.
O grupo AFA, dono dos hotéis Savoy, inaugurou o primeiro hotel há 25 anos na Região e detém, atualmente, seis unidades. Como caracteriza a relação do governo com o grupo na vertente turística?
A relação é igual à que temos com os outros grupos. Teve investimentos significativos e recordo que resolveu um grande problema que existia: o antigo Savoy [Classic] tinha sido demolido e era um buraco que tínhamos na cidade, foi um espaço que ficou ao abandono durante uma data de anos até que se resolvesse [com a construção do Savoy Palace]. O grupo trouxe conceitos diferentes à Madeira. É um grupo que nos tem deixado um contributo significativo e positivo e queremos continuar a contar com ele na mesma medida que contamos com o resto do setor. Este episódio, que envolveu não só o grupo AFA mas também o Pestana, não impactará decisões sobre futuros investimentos? Não, absolutamente nada. O contributo que os grupos deixam para o setor turístico em nada depende da política governamental. E são grupos sólidos, que investiram bastante na Madeira, que fazem uma leitura correta do destino e que são nossos parceiros regionais, como são todos os outros.
Nunca foram favorecidos face a outros investidores?
Em circunstância alguma, nem seria sequer possível que isso acontecesse, porque trabalhamos na gestão do território e do destino em si, e não trabalhamos a pensar no grupo A, B ou C. É a oferta dos serviços e do alojamento que esses grupos promovem neste destino. Não trabalhamos a olhar especificamente para um grupo ou para outro. Não o faríamos, isso seria o fim deste equilíbrio que mantemos aqui na Região.
“Esta nova administração da TAP tem um entendimento diferente da utilidade da companhia para o território nacional. E tem sido possível trabalhar de uma forma também diversa da que existia no passado.”