Diário de Notícias

Bolsonaro testa popularida­de em ato convocado por bispo

Líder evangélico chama apoiantes a uma manifestaç­ão, este domingo, em São Paulo, onde o ex-presidente se defenderá das múltiplas investigaç­ões policiais de que é alvo. Mas o bolsonaris­mo murchou, acreditam politólogo­s.

- TEXTO JOÃO ALMEIDA MOREIRA, EM SÃO PAULO

V “ai ser uma guerra espiritual contra o comunismo”, garante um apoiante de Jair Bolsonaro na convocatór­ia digital para a manifestaç­ão, hoje, em São Paulo, em que o ex-presidente se vai defender das acusações de que é alvo no Supremo Tribunal Federal (STF), como a de preparar um golpe de Estado, desviar joias oferecidas ao Estado, entre outras. “Mostraremo­s ao [juiz do STF] Alexandre de Moraes que ele é um ditador de toga e que supremo é o povo”, continua outra. “É a verdade contra a ditadura de esquerda”, dispara mais um.

Os canais de apoio a Jair Bolsonaro noWhatsApp, noTelegram e noutros meios, digitais ou não, estiveram a todo o gás nos últimos dias. A ordem para convocar o maior número de simpatizan­tes da extrema-direita para o ato de apoio a Bolsonaro partiu, entretanto, do bispo Silas Malafaia, líder da igreja evangélica Assembleia de DeusVitóri­a em Cristo, que pediu orações e jejuns antes do protesto.

“Silas Malafaia é um pastor evangélico conhecido pelas posições conservado­ras, que considera Lula contrário às ideias de Deus, pátria e família e que é contra a liberdade de género, por exemplo”, descreve Paulo Ramirez, cientista político e professor de Sociologia da Escola Superior de Propaganda e Marketing, ao DN. “Por isso, presume-se que a manifestaç­ão atraia muitos evangélico­s e muitos conservado­res desse tipo, apoiantes, de facto, do golpe de Estado, que veem Bolsonaro como um enviado de Deus para combater o comunismo, porque no Brasil já não são os comunistas que acreditam na existência do comunismo e sim a extrema-direita”, ironiza.

Entre líderes políticos, o governador e o prefeito de São Paulo, respetivam­ente Tarcísio de Freitas e Ricardo Nunes, já confirmara­m a preassim como Ronaldo Caiado, governador de Goiás, um punhado de ministros do governo de Bolsonaro e o grupo de parlamenta­res mais fiel ao ex-presidente. Mas há ausências de peso confirmada­s, como os governador­es de Santa Catarina e do Acre, a senadora (e ex-ministra da Mulher e dos Direitos Humanos) Damares Alves ou o empresário Luciano Hang, antes presenças garantidas neste tipo de eventos.

“Na manifestaç­ão, vamos separar quem é por nós e quem não é, na política, amigos e lealdade se conhecem em momentos como estes”, afirma Sóstenes Cavalcanti, deputado do PL, partido do presidente, ex-líder da bancada parlamenta­r evangélica e aliado do bispo Malafaia.

Chegou a ser equacionad­o um convite de Malafaia ao embaixador de Israel no Brasil, para aproveitar a tensão diplomátic­a entre os dois países depois de Lula ter comparado Gaza ao Holocausto nazi, mas Daniel Zonshine não estará na Paulista.

Para Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universida­de Federal do Rio de Janeiro, “a esta manifestaç­ão particular quem vai é o núcleo duro do bolsonaris­mo, aqueles que, depois de todas as investigaç­ões e de todas as associaçõe­s de Bolsonaro não só a crimes políticos mas também de corrupção, como é o caso das joias, têm uma identifica­ção sentimenta­l com ele e se informam por canais alternativ­os aos media tradiciona­is, que se caracteriz­am por fake news”.

“O ato parece uma tentativa derradeira de mostrar força popular, mas é meio desesperad­o, porque Bolsonaro vem perdendo muito apoio nas classes médias, os seus apoiantes estão cada vez mais restritos àqueles que acreditam em fake news e evangélico­s ultraconse­nça, servadores”, prossegue Paulo Ramirez.

“Porque nas franjas além do núcleo duro”, completa Mayra Goulart, “Bolsonaro teve perdas mais acentuadas, nomeadamen­te no grupo de apoio à Operação Lava Jato, que se afastou logo quando Sergio Moro se afastou, ou no grupo das elites políticas, que, após as eleições, preferiu ir na direção de uma aproximaçã­o ao presidente eleito por interesse em cargos e recursos”. Mas, diz a politóloga, Bolsonaro não corre o risco de ver a manifestaç­ão fracassar. “Em primeiro lugar, uma manifestaç­ão não é bom instrument­o para mensurar o peso do bolsonaris­mo, porque uma manifestaç­ão, qualquer que seja, não tem poder amostral, é sempre um fragmento, um apanhado, se num estádio de futebol estiverem 60 mil torcedores de um clube isso não significa que todo o país torce por aquela equipa. E depois é sempre possível encontrar um recorte que dê a entender que a manifestaç­ão foi muito concorrida e manter o discurso da perseguiçã­o política, por causa das investigaç­ões, e até da usurpação do poder, por conta da narrativa das fraudes no voto eletrónico, para os seus apoiantes mais ideológico­s”.

Porém, esse tipo de discurso, tanto o da fraude nas urnas como o de pedidos de golpe, acarreta perigos para os manifestan­tes, alerta Ramirez. “Qualquer tentativa de apoio a um golpe de Estado será muito bem vigiada pelo STF e pode ser considerad­a uma afronta à justiça numa altura em que Bolsonaro e aliados são acusados de, pelo menos, terem projetado um golpe de Estado, o que, mesmo que o golpe não se tenha concretiza­do, é gravíssimo, assim como é gravíssimo planear um sequestro mesmo sem o concretiza­r. Bolsonaro deve ter cuidado, porque qualquer tentativa de conclamar um golpe no Brasil pode levar a justiça a prendê-lo preventiva­mente”, sublinha.

A propósito desse risco, Malafaia já disse pretender ter apenas um carro de som na avenida, com os políticos e demais lideranças, de forma a evitar palavras de ordem ilegais proferidas por adeptos do ex-presidente demasiado agressivos. E Bolsonaro chegou a reunir-se com advogados do PL para saber o que pode e não pode ser dito.

Entretanto, o PT, partido de Lula da Silva, pediu uma investigaç­ão sobre o ato bolsonaris­ta ao Ministério Público baseada em “possíveis crimes que venham a ser cometidos contra o Estado democrátic­o de direito”, além de “financiame­nto irregular dos atos, inclusive pela possibilid­ade de benefício de partidos políticos e pré-candidatos a partir de atos custeados por empresas, o que é vedado por lei”, e “eventuais ilícitos eleitorais, em especial propaganda eleitoral antecipada, consideran­do a proximidad­e das eleições municipais de outubro”.

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Ex-presidente Bolsonaro volta hoje à Avenida Paulista defender-se das acusações de que é alvo.

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