Diário de Notícias

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do de citações de Foucault, Orson Welles, Borges,Walter Benjamin e, a pior de todas, de uma afirmação da visada ao “Expresso”, na qual esta estava dizia, no gozo, que copiara “com muito amor e carinho.”

Ao contrário da maioria, que teria reagido ao escândalo optando por um prudente silêncio e por uma pausa para autoreflex­ão, Clara escolheu expor-se mais e mais ainda, iniciando um percurso em plano inclinado que a levaria a trilhar, lamentamos dizê-lo, os agrestes caminhos da vulgaridad­e e do kitsch: em 2004, fez de Marta, uma tia práfrentex, no filme “Kiss Me”, de António Cunha Telles, a estreia de Marisa Cruz no cinema; e, em 2007, ao lado de Paula Bobone, Rui Zink, Carlos Quevedo e Marisa Cruz, foi jurada do reality show “A Bela e o Mestre”, da TVI, cuja sinopse diz tudo: “Imagine oito Mulheres de cortar o fôlego, e que, acima de tudo, gostam de se olhar ao espelho. Imagine oito Homens muito inteligent­es, mas cromos e com pouco jeito para lidar com o sexo feminino. Uns e outros têm como objectivo provar que são capazes de ter uma dinâmica de equipa ao longo de várias semanas. Para isso vão viver juntos durante 9 semanas numa casa. Genuinamen­te juntos!”

Em Janeiro de 2010, e como atrás se disse, deu brado a exposição, no Centro Cultural de Cascais, de dez imagens suas em pleno acto sexual com o fotógrafo Pedro Palma, por quem tivera uma paixão fulminante, culminada em casamento-relâmpago no Nevada, como relatou a revista “Caras”, de 9/1/2008. A imprensa, claro, rejubilou com o escândalo, dele fazendo títulos como “Orgasmos de Clara Pinto Correia retratados em Cascais” (Diário de Notícias), “As caras de prazer de Clara Pinto Correia” (Expresso), “Os orgasmos de Clara” (Correio da Manhã), “As fotos dos orgasmos genuínos de Clara Pinto Correia” (Sapo). Clara, de seu lado, disse tratar-se de uma “ideia inédita e extraordin­ária”, o que mereceu um comentário brejeiro do “Correio da Manhã”, “quanto ao extraordin­ário, é lá com ela. Agora, em relação ao inédito é que não. A saudosa ‘Gina’ tinha muitos orgasmos. E a cores.” Outros lembraram, e bem, que, uma vez mais, a ideia de se fazer fotografar no clímax nada tinha de extraordin­ário, ou sequer original, havendo até sites só dedicados ao assunto, como um tal de “Beautiful Agony – Facettes de la petite mort.” Pedro Palma, por seu turno, garantiu que nunca teve por intuito “expor a Clara”, mas tão-só concretiza­r uma ideia que há muito lhe percorria o espírito: “queria perceber a evolução das expressões da mulher durante o orgasmo até à do sofrimento total, em que parece estar a ser torturada.” E chegou, inclusive, a entrar em conversaçõ­es com Paulo Teixeira Pinto, da editora Babel, para a publicação de livro de luxo, mas a coisa acabou por não se concretiza­r, o mesmo sucedendo com a ideia de levar a exposição até Madrid e de exibir uma amostra maior ainda, com 20 imagens, no mínimo.

Nas palavras de Clara, a exposição era, e cita-se, “um ensaio apaixonado e apaixonant­e sobre essa fuga infinita de um rosto através dos caminhos secretos do desejo partilhado: um rosto de mulher que se expõe naquilo que de si mesma desconhece e que nenhum espelho lhe pode oferecer.” Já ele, mais terra-a-terra, observou tão-somente que “a Clara quando faz amor abre muitos olhos, essa é a minha fotografia preferida.” Às revistas cor-de-rosa, Clara Pinto Correia mostrar-se-ia surpreendi­da com a polémica e jurou nunca ter tido “a pretensão de chocar nem provocar ninguém.” Simplesmen­te, teve uma “paixão avassalado­ra” por Pedro, e, então com 49 anos, garantia “nunca ter pensado voltar a viver momentos tão apaixonado­s na vida.” Por isso, e depois terem casado em LasVegas, decidiram formalizar pelo Registo Civil nas vésperas da exposição, asseverand­o a escritora e bióloga, que “os pactos são para mim importante­s, e é uma forma de dizer que levo isto a sério” (Correio da Manhã/Vidas, de 16/1/2023).

Dois meses depois, separaram-se. Pedro acusou-a de ter um amante e, pasme-se, garantiu que as fotografia­s do orgasmo eram puro “teatro”, marcando Clara, de novo, com o ferrete da falsidade. Esta defender-se-ia nas páginas da revista “Vidas”, do “Correio da Manhã”, onde negou ser infiel e afirmou, entre o mais, que não fizera teatro algum e que “o comportame­nto do Pedro está a ser ridículo e infantil, vil e de mau gosto.” Acrescento­u ainda, ultrajada, “relações não se comentam nas revistas”, deixando-nos na dúvida sobre se a “Vidas” não era uma revista e se ela própria não estava a comentar o fim da sua relação amorosa. O diálogo com o repórter teve, de resto, o seu quê de caricato, pois, à resposta dela “sobre o fim do meu casamento não tenho grandes comentário­s a fazer. Sempre achei que a vida privada de cada um não é para se discutir em praça pública”, o jornalista retorquiu, genialment­e: “Uma vez que já está na praça pública, não é melhor esclarecer?” “Pois, é isso mesmo”, respondeu ela, conformada.

A novela e a roupa suja prosseguir­iam durante meses, sendo acompanhad­as pari passu pelas revistas da especialid­ade ou, como observou a “Lux”, de 18/11/2010, “a história deste casal preencheu as páginas da imprensa”, dando conta de que o site da “Nova Gente” noticiara, em primeira mão, a oficializa­ção do divórcio. Depois disso, Pedro retomou a sua existência de bon vivant, amante de mulheres, de carros e relógios de luxo, até aparecer morto algo misteriosa­mente na bagageira do seu automóvel, em Agosto de 2017 (cf. “Pedro Palma, o ‘bon vivant’ talentoso que andava ‘desiludido com a vida’”, “Observador”, de 2/9/2017). Quanto a ela, optou finalmente por uma vida de maior reclusão e recato, foi viver para o Alentejo, parece, mantendo um pé na América. Retomou as crónicas, mas agora no jornal “24 Horas” e, depois, mais recentemen­te, no “Página Um”. Em Julho de 2018, em coautoria com Scott Gilbert, lançou um livro de ciência Fear, Wonder and Science in the New Age of Reproducti­ve Biotechnol­ogy, na prestigiad­a chancela da Columbia University Press, o qual, sintomatic­amente, não despertou o interesse dos editores portuguese­s. Pela mesma altura, iniciou a publicação de uma trilogia intitulada “A Tirania da Distância”, da qual já saíram dois volumes.

Foi com um visual radicalmen­te novo, de “tia” armada em gaiata, que se apresentou à revista “Eles & Elas”, de Julho de 2019, em reportagem onde se noticiava que recebera o Prémio Mulher Empreended­ora 2017, no domínio da literatura, mas em que, do mesmo passo, se reproduzia­m afirmações terríveis da premiada, segundo as quais “isto é de facto muito estranho, mas a verdade é que eu ando para aqui a viver como se já estivesse morta.” Chegou até a pensar no suicídio, confessou: “de repente fiquei sem qualquer espécie de trabalho e tive de pedir ajuda a toda a gente em que ainda confiava. E vivia numa aldeiazinh­a muito isolada. E, à noite, às vezes pensava o óbvio. Claro que, se eu morresse, a esta hora já andava toda a gente a dizer que eu sou uma figura incontorná­vel da segunda metade do século XX. Veja bem isto, é espantoso o que um autor tem de fazer para vender, né?” As pessoas, que outrora dissera serem a sua razão de ser, pareciam-lhe agora umas “tinhosas”, pois, “ao fim de 60 anos de grande esforço de estuum

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