Diário de Notícias

Congressis­ta de olhos bem abertos

- TEXTO BRUNO HORTA

Na página 15 da edição do DN de 26 de fevereiro de 1974 é dada à estampa a notícia de que o congressis­ta americano Philip Crane (grafado como duplo ‘l’ e duplo ‘n’), que seria o republican­o Philip Miller Crane (1930-2014), tinha visitado Angola e estaria deslumbrad­o com o que ali vira.

“Esta visita abriu-me os olhos”, declarava, oferecendo título ao texto, que arrancava assim: “Os Portuguese­s muito se devem orgulhar do nível de desenvolvi­mento que conseguira­m aqui em Angola. Confesso-me culpado da ideia errada que tinha.”

Visita “a convite do governo” com duração de oito dias, durante a qual Crane se fez acompanhar por “sua esposa”. A primeira visita de um congressis­ta desde 1971. Luanda, Cabinda, Sá da Bandeira. E dali seguiria para Moçambique.

Serviu para Crane se inteirar de uma realidade que se penitencia­va desconhece­r. Segundo o redator, que assim falava da Guerra Colonial nas entrelinha­s, a deslocação acontecera “numa altura em que a presença de Portugal em África é tão discutida e sobretudo tão incompreen­dida”.

O conflito armado ia a caminho dos 13 anos. O político americano não poderia estar mais encantado.

“Tinha ouvido dizer que a situação nos território­s ultramarin­os portuguese­s era uma situação colonial, nada mais longe da verdade. Todos aqui estão a trabalhar para o bem da população africana e o potencial de futuro é enorme.” Um futuro que durou mais dois meses.

Há precisamen­te 50 anos, a guerra não era tema publicável. A guerra não existia. E Angola ou Moçambique eram referidos como “Estados”, não como “províncias”, muito menos “colónias”.

A notícia surge ao lado de uma crónica de Guilherme de Melo (1931-2013), enviada de Lourenço Marques, atual Maputo, acerca do Carnaval moçambican­o, onde se lê que na “opulenta” Quelimane, capital da Zambézia, “o multirraci­smo lusitano encontrou a sua expressão máxima e em plenitude se realizou”.

A seguir ao 25 de Abril, Guilherme de Melo veio para Lisboa, tendo ingressado no DN em 1976. Foi repórter parlamenta­r desta casa e quando estava para se retirar, em 1996, o então diretor, Mário Bettencour­t Resendes, promoveu-o a redator principal.

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