BCE desliga ‘bazucas’. Em 2023 Portugal foi o mais afetado no programa contra a pandemia
Eurossistema ainda tem 32,4 mil milhões de euros em obrigações públicas portuguesas emitidas em nome da pandemia e mais 52 mil milhões da primeira ‘bazuca’. Lagarde vai hoje ao Parlamento Europeu explicar as contas de 2023. Portugal e a maioria dos membro
Em 2023, pela primeira vez em quase duas décadas, o Banco Central Europeu (BCE) registou os seus primeiros prejuízos e o tamanho do seu gigantesco balanço caiu pela primeira vez em muitos anos, porque a instituição liderada por Christine Lagarde acelerou na descontinuação (phase out) dos vários programas de detenção de ativos, sobretudo dívida pública (Obrigações do Tesouro), isto é, começou a desfazer-se desses títulos e a devolvê-los aos mercados.
Neste processo de esvaziamento do balanço, embora gradual, para tentar não perturbar a estabilidade financeira, diz o BCE, Portugal aparece em 2023 como o mais afetado da Zona Euro pela redução da dívida pública detida pelo Eurossistema (BCE e restantes bancos centrais do euro, mas no nosso caso é sobretudo o Banco de Portugal) sob o chapéu do programa de compras de emergência pandémica (chamado PEPP), lançado em março de 2020 para financiar o combate aos efeitos da pandemia através de aquisições massivas de dívida soberana, de modo a fazer baixar as taxas de juro dos Estados.
Foi o que aconteceu até 2022, e de forma mais saliente em 2023, com os juros de Portugal e restantes países do euro a subirem de forma bastante significativa.
No caso do nosso país, este movimento suscita mais constrangimentos, pois ainda é um dos mais endividados da Europa: esteve em terceiro lugar durante anos, agora está em sexto. Tem vindo a descer o peso da dívida, é certo, mas esta continua perto de 100% do Produto Interno Bruto (PIB). O máximo exigido pelo Pacto de Estabilidade é de 60%.
‘Bazuca’ pandémica e ‘bazuca’ primeira
No ano passado, no âmbito do referido PEPP, o BCE desfez-se (vendeu em termos líquidos) de 1,5 mil milhões de euros em Obrigações do Tesouro (OT) portuguesas, que devolveu aos mercados; além de ter parado de comprar, também deixou de as “reinvestir”, uma forma de atrasar o regresso das OT aos mercados e, ato contínuo, a sua desvalorização (preço baixa, taxa de juro sobe).
Em 2023, segundo contas do
DN/Dinheiro Vivo, a redução em ativos públicos portugueses detidos pelo Eurossistema (modalidade PEPP) foi 4,5%, a maior da Zona Euro ao nível do programa pandémico. Compara com uma ligeira subida de 0,01% no total de OT detidas em toda a área da moeda única.
Ainda assim, hoje o BCE terá na sua posse 32,4 mil milhões de euros em OT portuguesas emitidas em nome da pandemia. Mas Lagarde já disse que é para largar tudo a partir de finais de 2024. O efeito é, claro, de pressão para aumentos adicionais das taxas de juro soberanas.
Ainda assim, na outra ‘bazuca’, a mais antiga, o programa de compra de ativos (APP) que inclui quatro modalidades, Portugal parece estar a ser menos pressionado. A redução de ativos (OT), sob a égide do programa de aquisição de obrigações de dívida soberana (PSPP), está a acontecer, mas de forma mais suave.
O “desmame”, chamemos-lhe assim, traduziu-se numa redução de 2,8% em 2023, o correspondente a menos 1,5 mil milhões em dívida portuguesa. Ao nível da Zona Euro como um todo, a diminuição no vadetido em OT rondou os 6,1%, em 2023. O corte foi o dobro.
Mesmo assim, sob o chapéu deste PSPP, o BCE terá no balanço cerca de 52 mil milhões de euros em OT portuguesas. Mas também estas têm o destino traçado: é tudo para voltar aos mercados, o que já está a acontecer. É mais uma pressão para que as taxas de juro da República subam.
Resumindo: Portugal e a maioria dos membros da Zona Euro enfrentam o desafio de verem cada vez mais a sua dívida pública largada nos mercados. Mas o ritmo pode considerar-se suave: no caso de Portugal, o Eurossistema (BCE e BdP) ainda detém (o stock em carteira) uns assinaláveis 84,6 mil milhões de euros em dívida portuguesa (PEPP e PSPP).
Em julho de 2022, o BCE começou a subir rapidamente as taxas de juro para potenciar o efeito da política monetária para debelar a inflação muito elevada, nunca vista na história do euro, mas adicionalmente também acelerou a redução dos ativos em carteira (o grosso são obrigações públicas) para aumentar ainda mais os juros.
De acordo com as contas anuais do BCE relativas a 2023 e o referido levantamento feito pelo DN/Dinheiro Vivo aos dois enormes programas (‘bazucas’) ainda ativos, o APP (programa de compras criado em 2014/2015 contra o risco de implosão da Zona Euro) e o PEPP (o da pandemia) estão a esvaziar-se.
“Em 2023, o balanço do BCE diminuiu 24,4 mil milhões de euros, passando para 674,5 mil milhões de euros, devido sobretudo à redulor ção gradual da carteira do APP”, reflexo do “reinvestimento de apenas parte dos pagamentos de capital dos títulos vincendos [que chegam à maturidade] desta carteira entre março e junho de 2023 e da cessação desses reinvestimentos em julho”, diz a autoridade sediada em Frankfurt. “Os títulos detidos para fins de política monetária denominados em euros representavam 63% do total do ativo do BCE no final de 2023.” É aqui que estão parqueadas todas as OT que o BCE ainda conserva.
Só para se ter uma ideia, o tamanho do BCE diminuiu nos referidos 24,4 mil milhões de euros, pressionado pela redução de 31,9 mil milhões de euros no valor dos ativos detidos para efeitos de política monetária, segundo a instituição. Como houve outras rubricas a aumentar, a dimensão final do BCE não caiu tanto, claro. Mas o esvaziamento é para continuar.
A presidente do BCE, Christine Lagarde, estará esta segunda-feira no Parlamento Europeu para explicar aos eurodeputados as contas de 2023 da instituição a que preside.