Fome de livros
Florbela é a nova pastelaria de inspiração francesa do hotel Torel Palace. Mais do que um local para comer e beber, é um espaço de livros e de tertúlias.
Aliteratura é o tema do Torel Palace, hotel de cinco estrelas no centro do Porto. Todos os seus 24 quartos são dedicados a escritores e poetas portugueses, como Bocage, Camões, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, entre outros. Em cada quarto há uma pintura com o retrato do autor e um livro, em português, para os hóspedes consultarem e conhecerem mais sobre a obra de quem dá nome ao quarto onde ficam.
O hotel ocupa o palacete Campos Navarro, edifício construído em 1861 e espelho da arquitetura romântica, tão do agrado da burguesia portuense da altura. Antes de ser um hotel e estar alguns anos ao abandono, os quatro pisos albergaram o Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP). Mas a nova vida do palacete começou em 2020, com a inauguração do Palace. E desde o dia de abertura que existe no piso térreo, mesmo à esquerda de quem entra no hotel, uma pequena biblioteca com livros em várias línguas – a maioria dos hóspedes são britânicos, norte-americanos e nórdicos. Contudo, o espaço de livros nunca teve a afluência desejada pelos responsáveis do Palace, conta ao DN o diretor do hotel, Ricardo Meira. Um “não problema”, como refere, mas que foi resolvido pela necessidade, agora sim, de encontrar um novo local no hotel para servir almoços ligeiros. Isto porque o restaurante do hotel, o Blind, passou a servir só jantares e a concentrar-se na missão de ganhar uma estrela Michelin num futuro próximo. Assim, desde abril de 2023 a biblioteca manteve os livros, mas passou a ser a Florbela Pâtisserie, uma pastelaria com doces de inspiração francesa e refeições ligeiras. O nome do espaço é uma homenagem à poetisa e feminista Florbela Espanca (1894-1930), seguindo a lógica da temática do local. E desde então uma pequena transformação cultural tem surgido naquele local – já lá iremos. Primeiro a comida.
Franceses por fora, portugueses por dentro
Na pequena vitrina do Florbela reconhecem-se clássicos da pastelaria francesa: dos macarons às tarteletes e aos éclairs. Franceses por fora mas com sabores portugueses por dentro. Foi assim que a chef de pastelaria do hotel (e do restaurante Blind), Eva Monteiro, os idealizou. Numa das mesas redondas, perto das estantes pejadas de livros – alguns deles deixados por hóspedes –, explica ao DN como respondeu ao desafio de criar uma pastelaria de inspiração francesa, “com sabores que não se encontram em mais lugar nenhum”. Aos clássicos da pastelaria francesa já mencionados deu-lhes um toque pessoal. Fava tonka e pera-rocha, pistáchio e morango são alguns dos exemplos. “Quis criar sabores diferenciados, como, por exemplo, juntar a fava tonka à pera-rocha, que nunca vi noutro lugar. Foi um trabalho de muitos meses, com testes e muita investigação.”
Hoje a pastelaria tem 20 referências criadas por si, que vão alternando pelos dias, com sabores ora consensuais e universais, ora com o gosto e influência de quem os criou, como exemplifica: “Faço muitas viagens a Itália e por lá o pistáchio é muito utilizado, muito mais do que em Portugal, e por isso não resisti a criar bolos com esse sabor.” A jovem chef de pastelaria do Florbela é formada em Gestão de Hotelaria e também em Design de Interiores, notório na estética dos doces – não assim tão doces, como podemos confirmar. E o desafio da pâtisserie não é apenas servir de apoio ao hotel, mas sim atrair mais clientes de fora. “Queremos que este espaço seja de destino, e não apenas para hóspedes do hotel, queremos que as pessoas venham aqui para saborear os nossos bolos.”
Em média, cada bolo custa 5 euros, uma oferta bem diferente do que se pode encontrar nas demais pastelarias da cidade, mas isso não preocupa a chef, que acredita que as novas gerações “estão dispostas a pagar mais por aquilo que tem mais qualidade”.
Aberto das 11h00 às 22h30, é também possível almoçar ou jantar no Florbela. Desde refeições ligeiras, como, por exemplo, a salada de peito de pato com requeijão (20 euros), ou as tostas de sapateira (18 euros), ou croissant de salmão fumado (18 euros), a pratos mais elaborados, como robalo beurre blanc citronelle (32 euros) ou o prego de novilho (24 euros). E há também uma carta onde constam os vinhos Natura, com a assinatura do chef Vítor Matos e a chancela da Quinta da Vacaria (Douro). Há ainda champanhes e espumantes (a garrafa e a copo), com preços que variam dos 32 euros a mil euros a garrafa.
Alimento da alma
Além do menu de bebidas e comida, o espaço está a interagir culturalmente com a sociedade portuense. De acordo com Ricardo Meira, o Florbela passou a ter um Clube de Livros e todos os meses têm existido tertúlias em volta da literatura, além da apresentação de novas obras. A adesão dos portuenses está a surgir e isso levou o hotel a procurar uma curadora, que em breve irá assumir uma programação cultural regular. “Notamos ainda que têm surgido grupos de pessoas que escolhem este espaço para reunir e fazerem pequenas tertúlias. E são muito bem-vindos.” Mais do que um espaço requintado para comer e beber, o Florbela está a afirmar-se como um local de discussão e partilha intelectual, para dar gosto à cultura no centro do Porto.