Diário de Notícias

Armando Rodrigues da Silva

nasceu em Évora em 1948. É informátic­o reformado.

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Nasci numa família simples e modesta que criou dois filhos com diferença de dois anos apenas. O meu pai, chauffeur de praça, serviu-nos sempre de exemplo. Preso pela PIDE em 1953, foi entregue no posto da PSP no largo dos Castelos e levado depois para a prisão do Aljube, em Lisboa.

Em 1974 era a minha vez de ter dois filhos. Residia emWagening­en, Holanda, para onde havia ido em 1969, fugido à tropa. Como refratário, estava absolutame­nte proibido de voltar a Portugal. Em Wageningen, cidade pequena de que me habituei a gostar, trabalhava num instituto de estatístic­a. A minha mulher, nas limpezas.

Parti de Portugal com o Curso Geral do Comércio, tirado enquanto trabalhado­r-estudante. E a tristeza de ver o meu país mergulhado numa ditadura que, na altura, pensava sem fim.

A minha fuga deu-se uns meses depois da do meu irmão. A minha e a do Rã, tal como eu alentejano de Évora. Para ser bem-sucedida contávamos com a ajuda – paga ao preço de 5 contos por pessoa – de um passador habituado à rota do contraband­o que levava café português para Espanha.

Foram 3 dias de cansaço e muito medo. Saímos de Évora às 19h00h do dia 24 de setembro de 1968, portadores apenas dos Bilhetes de Identidade como prova de identifica­ção. À noite, numa taaquecia. berna no centro de Elvas, esperávamo­s, impaciente­s, o sinal de saída. O transporte que havia de nos levar a Badajoz não apareceu. Depois de uma noite em branco, às 6 da manhã do dia seguinte iniciámos a pé a caminhada em direção ao rio Guadiana, que dista de Elvas cerca de 11 a 12 quilómetro­s. O sol A seguir à hora de almoço parámos perto da margem direita do rio. A guarda portuguesa não passava, mas do lado espanhol os carabineir­os apareciam em ambos os sentidos com frequência. Aguardámos, por indicação do passador. No pico do calor, por volta das 15h00, passámos o rio para a outra margem. De novo tivemos de nos esconder de dois carabineir­os. Medo.

De susto em susto lançámo-nos ao caminho e pouco ou nada se falava. Receosos, apreensivo­s e expectante­s. Caminhar em esforço e durante muito tempo pesa. Se alguma coisa corresse mal, estávamos tramados. Sobretudo para o meu amigo desertor da força aérea. Eram mais ou menos 21h00 quando entrámos em Badajoz. Chegámos a casa de uma família, num pequeno e pobre bairro. O dono da casa iria levar-nos a Irún, País Basco, na fronteira com a França. Cerca de 800 km num Citroen 2CV, muito antigo e lento, transitand­o por estradas nacionais com muito tráfego. O silêncio era cortado por divagações sobre o futuro que não sabíamos se teríamos. Sempre que o carro passava pela polícia fazíamos de conta que estávamos a dormir. Chegámos já era noite. Entrámos numa floresta. O passador disse-nos que era ali que passaríamo­s para França. Mais uma vez a tentar escapar aos carabineir­os. Era meia-noite. Despedimo-nos do passador e fomos em direção ao rio, uma bacia de 50 metros. Noite fria, caminhei para a água e senti-a gelada. E com forte corrente vinda dos Pirenéus. A água dava pelo pescoço. O meu amigo não sabia nadar. Levei as malas primeiro.Voltei para levar o meu amigo agarrado à minha cintura. A pouco e pouco chegámos à outra margem. Eram 2 da manhã. Sentámo-nos de costas um para o outro e descansámo­s até se fazer dia.

Assim iniciámos a nossa primeira etapa em França. Já em Hendaye comprámos bilhetes de comboio para Paris. Preparávam­o-nos para dormir quando em 5 minutos o comboio ficou cheio de emigrantes portuguese­s.Viajámos encostados à janela, enquanto sacos e cestos com os seus donos tomaram conta da cabina. Três dias inteiros após a nossa saída de casa chegámos finalmente a Paris. Dormimos na cozinha do pequeno apartament­o do Zé Cavaco, uma superfície de 10m2. A aventura em Paris terminou no final de 1968 quando saí de França e fui para a Holanda. À espera do dia 25 de Abril.”

Três dias inteiros após a nossa saída de casa chegámos a Paris. Dormimos na cozinha do pequeno apartament­o do Zé Cavaco [...] A aventura em Paris terminou no final de 1968 quando saí de França e fui para a Holanda. À espera do dia 25 de Abril.”

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