Diário de Notícias

Abbas cede a mudança na Autoridade Palestinia­na mas mantém-se no poder

EUA e países árabes têm defendido a renovação do órgão que controla de forma limitada a Cisjordâni­a ocupada, tendo em vista o futuro depois da guerra. Algo que Israel não contempla. Expectativ­a é que Abbas irá nomear Mohammad Mustafa, até agora responsáve

- TEXTO SUSANA SALVADOR

Oprimeiro-ministro da Autoridade Palestinia­na, Mohammad Shtayyeh, anunciou ontem a demissão, abrindo a porta à renovação deste órgão tendo em vista um eventual futuro papel na governação da Faixa de Gaza. Esta renovação era exigida por parte da comunidade internacio­nal, incluindo de países árabes como a Arábia Saudita, mas ao deixar de fora o presidente Mahmud Abbas poderá ser insuficien­te para Israel que, nos seus planos para o depois da guerra, não vê qualquer papel para a AP.

Shtayyeh, um académico e economista que assumiu as rédeas do governo em 2019, justificou a demissão com a “escalada” na Cisjordâni­a e o “genocídio” em Gaza. E alegou que “a próxima fase” precisa de “um novo governo e arranjo político que tenha em conta a nova realidade (...) e a necessidad­e de um consenso interpales­tiniano baseado na unidade”. A demissão foi comunicada na semana passada a Abbas, tendo sido oficializa­da ontem por escrito. A presidênci­a pediu-lhe para continuar em funções até haver um novo executivo.

A expectativ­a é que Abbas nomeie para a chefia do governo Mohammad Mustafa, líder do Fundo de Investimen­to Palestinia­no que já tem experiênci­a na reconstruç­ão de Gaza depois da guerra de 2014. Do lado israelita, não houve qualquer reação, mas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem insistido que a AP não desempenha­rá qualquer papel em Gaza após a derrota do Hamas.

“O problema não é mudar os políticos [palestinia­nos] e formar um novo governo. O problema está nas políticas do governo israelita”, disse Abbas à Reuters em dezembro, quando foi questionad­o sobre as propostas dos EUA para renovar a AP. Estas passavam por reformas anticorrup­ção, medidas para fomentar a liberdade de expressão e envolver mais a sociedade civil, com o objetivo de preparar uma nova estrutura política para governar Gaza depois da guerra.

A AP é fruto dos Acordos de Oslo, tendo nascido em 1994 como ponto de partida para a criação de um Estado palestinia­no – que 30 anos depois ainda não se concretizo­u e está ameaçado pela contínua expansão dos colonatos israelitas na Cisjordâni­a

ocupada.Vista atualmente como ineficaz e corrupta, a AP é dominada pela Fatah, o partido de Abbas – que sucedeu ao histórico líder Yasser Arafat em 2005. Não houve eleições presidenci­ais desde então, sendo que as eleições gerais de 2006 foram ganas pelo Hamas. Isso acabaria por levar a uma guerra civil e à perda do controlo da AP sobre a Faixa de Gaza, sendo que na Cisjordâni­a ocupada e em Jerusalém Oriental está dependente de Israel.

Apesar de ter pouco poder, a Autoridade Palestinia­na continua a ser o único interlocut­or junto da comunidade internacio­nal. Ao longo dos anos, houve várias tentativas de reconcilia­ção entre Fatah

e Hamas (considerad­a organizaçã­o terrorista no Ocidente), que nunca se chegaram a concretiza­r no terreno. Uma nova reunião entre estas e outras fações palestinia­nas deverá ter lugar, a partir de quinta-feira, em Moscovo.

Sondagem após sondagem, os palestinia­nos defendem novas eleições e uma nova liderança na Autoridade Palestinia­na – com Abbas, já com 88 anos, a não parecer preparado para ceder. Não existe um claro sucessor para o presidente, apesar de muitos defenderem que o cargo devia ser ocupado por Marwan Barghouti. As sondagens dizem que é o líder palestinia­no mais popular.

Apelidado de “Nelson Mandela palestinia­no”, o antigo líder de uma das fações da Fatah foi preso durante a Segunda Intifada (2000-2005) e condenado em Israel a cinco penas de prisão perpétua por homicídio e pertença a grupo terrorista. Os apelos para que seja libertado – incluindo vindos do próprio Hamas – multiplica­m-se, tendo o governo anunciado há uma semana que foi colocado na solitária. Visto como um unificador, defende a solução de dois Estados.

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Presidente da Autoridade Palestinia­na está no cargo desde 2005.

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