Abbas cede a mudança na Autoridade Palestiniana mas mantém-se no poder
EUA e países árabes têm defendido a renovação do órgão que controla de forma limitada a Cisjordânia ocupada, tendo em vista o futuro depois da guerra. Algo que Israel não contempla. Expectativa é que Abbas irá nomear Mohammad Mustafa, até agora responsáve
Oprimeiro-ministro da Autoridade Palestiniana, Mohammad Shtayyeh, anunciou ontem a demissão, abrindo a porta à renovação deste órgão tendo em vista um eventual futuro papel na governação da Faixa de Gaza. Esta renovação era exigida por parte da comunidade internacional, incluindo de países árabes como a Arábia Saudita, mas ao deixar de fora o presidente Mahmud Abbas poderá ser insuficiente para Israel que, nos seus planos para o depois da guerra, não vê qualquer papel para a AP.
Shtayyeh, um académico e economista que assumiu as rédeas do governo em 2019, justificou a demissão com a “escalada” na Cisjordânia e o “genocídio” em Gaza. E alegou que “a próxima fase” precisa de “um novo governo e arranjo político que tenha em conta a nova realidade (...) e a necessidade de um consenso interpalestiniano baseado na unidade”. A demissão foi comunicada na semana passada a Abbas, tendo sido oficializada ontem por escrito. A presidência pediu-lhe para continuar em funções até haver um novo executivo.
A expectativa é que Abbas nomeie para a chefia do governo Mohammad Mustafa, líder do Fundo de Investimento Palestiniano que já tem experiência na reconstrução de Gaza depois da guerra de 2014. Do lado israelita, não houve qualquer reação, mas o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem insistido que a AP não desempenhará qualquer papel em Gaza após a derrota do Hamas.
“O problema não é mudar os políticos [palestinianos] e formar um novo governo. O problema está nas políticas do governo israelita”, disse Abbas à Reuters em dezembro, quando foi questionado sobre as propostas dos EUA para renovar a AP. Estas passavam por reformas anticorrupção, medidas para fomentar a liberdade de expressão e envolver mais a sociedade civil, com o objetivo de preparar uma nova estrutura política para governar Gaza depois da guerra.
A AP é fruto dos Acordos de Oslo, tendo nascido em 1994 como ponto de partida para a criação de um Estado palestiniano – que 30 anos depois ainda não se concretizou e está ameaçado pela contínua expansão dos colonatos israelitas na Cisjordânia
ocupada.Vista atualmente como ineficaz e corrupta, a AP é dominada pela Fatah, o partido de Abbas – que sucedeu ao histórico líder Yasser Arafat em 2005. Não houve eleições presidenciais desde então, sendo que as eleições gerais de 2006 foram ganas pelo Hamas. Isso acabaria por levar a uma guerra civil e à perda do controlo da AP sobre a Faixa de Gaza, sendo que na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental está dependente de Israel.
Apesar de ter pouco poder, a Autoridade Palestiniana continua a ser o único interlocutor junto da comunidade internacional. Ao longo dos anos, houve várias tentativas de reconciliação entre Fatah
e Hamas (considerada organização terrorista no Ocidente), que nunca se chegaram a concretizar no terreno. Uma nova reunião entre estas e outras fações palestinianas deverá ter lugar, a partir de quinta-feira, em Moscovo.
Sondagem após sondagem, os palestinianos defendem novas eleições e uma nova liderança na Autoridade Palestiniana – com Abbas, já com 88 anos, a não parecer preparado para ceder. Não existe um claro sucessor para o presidente, apesar de muitos defenderem que o cargo devia ser ocupado por Marwan Barghouti. As sondagens dizem que é o líder palestiniano mais popular.
Apelidado de “Nelson Mandela palestiniano”, o antigo líder de uma das fações da Fatah foi preso durante a Segunda Intifada (2000-2005) e condenado em Israel a cinco penas de prisão perpétua por homicídio e pertença a grupo terrorista. Os apelos para que seja libertado – incluindo vindos do próprio Hamas – multiplicam-se, tendo o governo anunciado há uma semana que foi colocado na solitária. Visto como um unificador, defende a solução de dois Estados.