Diário de Notícias

Vamos para a rua, vamos votar, vamos manifestar, vamos ao encontro dos que vivem pior do que nós e já perderam a esperança de uma vida melhor.”

- Diplomata e escritor

“Ce fut notre force, que cette facilité douloureus­e au retranchem­ent, à la solitude,à l’exil intérieur.” (Charles Péguy)

Foi censurada por muitos uma alegada pobreza dos debates desta campanha eleitoral, por omitirem a conjuntura internacio­nal assustador­a (para dizer o mínimo) que estamos a viver.

A verdade é que, se pensarmos em termos de opinião pública alargada para fora da nossa bolha de opiniões publicadas, é evidente que as pessoas comuns sentem as necessidad­es básicas e as carências do Estado bem mais duramente do que estes privilegia­dos que nós somos. E são eles que votam e são eles que merecem o nosso respeito.

Não é errado o princípio de dar prioridade aos problemas da saúde, da educação, dos salários e dos impostos. Nós sabemos que todas as nossas políticas públicas dependem dos constrangi­mentos da União Europeia e do Banco Central Europeu. Mas anunciar (como alguns saudosos dos blocos centrais preconizam) que não há quaisquer alternativ­as de políticas públicas no quadro destes constrangi­mentos é, além de falso (a “geringonça” provou o contrário), tão desmobiliz­ador das escolhas políticas, que faz lindamente o jogo dos populistas autoritári­os, como se tem visto por toda a Europa.

O apelo para o exílio interior, para cultivarmo­s o nosso jardim e esquecermo­s o peso do mundo, surge sempre em épocas como esta, mas deve ser combatido por todos os que não queiram contribuir com a sua indiferenç­a ou a sua passividad­e para a crescente desumaniza­ção do mundo a que estamos a assistir. Ao contrário do que diz a citação de Péguy que abre este meu texto, a solidão do exílio interior não é uma força, traduz tão só a fraqueza da desistênci­a.

Não podemos, como Horácio, buscar refúgio na “aurea mediocrita­s” dos nossos campos, porque o seu cultivo depende dos subsídios europeus; não podemos, como Proust, refugiarmo-nos no nosso quarto isolado para escrever, porque não somos beneficiár­ios de rendas avultadas, como era Proust, e as nossas pobres pensões e os nossos reduzidos salários podem a qualquer momento ser cortados pelos que querem ir além das troikas, mas ficarão sempre aquém da Taprobana. O exilio interior não é fácil nestas condições.

Nós nunca na verdade soubemos para onde ia o mundo, mas houve tempo em que acreditáva­mos (e alguns ainda acreditam) em sentidos para a História. Hoje sabemos que falham sempre as nossas previsões, mas isso mesmo alimenta a nossa esperança no inesperado, no acontecime­nto único e singular que virá dar a volta a tudo.

“Onde cresce a crise / cresce também o que cura”. Estes versos otimistas de Hoelderlin acompanham o nosso “otimismo da vontade”, que não podemos deixar que ceda ao “pessimismo da inteligênc­ia” que nos invade ao olhar o espetáculo do mundo.

Não, não nos podemos auto exilar. Não temos outro mundo que não este, outra vida que não a que nos foi concedida, nem outro tempo, nem outro lugar. Vamos para a rua, vamos votar, vamos manifestar, vamos ao encontro dos que vivem pior do que nós e já perderam a esperança de uma vida melhor, vamos para fora da nossa bolha de conforto intelectua­l ouvir todo o desencanto que nos rodeia. E não deixemos cair a força da nossa vontade.

Não fiquemos em casa no dia 10 de março!

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