Diário de Notícias

A noite dos Óscares da gastronomi­a

- TEXTO FILIPE GIL

“Esperamos efeitos práticos a médio prazo e que [a Gala Michelin] sirva para inspirar outras pessoas a evoluir na cozinha e a atrair turismo”

Nuno Ferreira Diretor de relações institucio­nais da Michelin para Portugal

A primeira gala do guia Michelin exclusivam­ente dedicada aos restaurant­es em Portugal realiza-se hoje à noite, no Algarve. Existe uma pergunta pertinente que poderá ser finalmente respondida: será desta que algum restaurant­e irá receber as almejadas três estrelas?

Anoite de hoje será uma das mais importante­s de sempre para a gastronomi­a nacional. Pela primeira vez, em quase cem anos, os restaurant­es em Portugal terão a sua própria Gala Michelin, deixando a realização conjunta com Espanha. No auditório de congressos do hotel Nau Algarve, na Guia, os 500 convidados de um evento apresentad­o por Catarina Furtado irão saber quem ganha e mantém as almejadas estrelas. Será este o ano em que um restaurant­e em Portugal recebe a distinção máxima do guia: as três estrelas?

A primeira estrela do guia Michelin para um restaurant­e português foi atribuída em 1926 e a segunda chegou em 1936. De acordo com informação da agência Lusa, um levantamen­to de dois irmãos espanhóis que detêm uma das duas coleções integrais dos guias Michelin no mundo, o restaurant­e Santa Luzia, em Viana do Castelo e o Hotel Mesquita, em Vila Nova de Famalicão, foram os primeiros restaurant­es portuguese­s a receber a primeira distinção. Em 1936 surgiu a primeira atribuição de duas estrelas a um restaurant­e português, o Escondidin­ho, no Porto, que a manteve durante três anos. Depois foi necessário esperar mais de 60 anos para o Vila Joya alcançar a mesma distinção, em 1999.

Desde o seu início, o guia Michelin dedicado a Portugal tem sido publicado (com omissões em alguns anos), ora avulso ora em conjunto com a lista de restaurant­es de Espanha, este ano Portugal volta a ter o seu guia, em nome próprio. Para além de esta noite ficar-se a saber se haverá restaurant­es com três estrelas – Espanha tem atualmente 15 – há outra pergunta que poderá ser respondida na gala :haverá algum restaurant­e em Portugal liderado por uma mulher a receber uma ou mais estrelas? – o que nunca aconteceu.

Em conversa telefónica com o DN, Nuno Ferreira, diretor de relações institucio­nais da Michelin para Portugal, não desvendou nenhuma das respostas, adiantando que essas informaçõe­s “são da responsabi­lidade absoluta da equipa de seleção”. Sublinhou, sim, o impacto económico que o guia poderá trazer à gastronomi­a do país, “esperamos efeitos práticos a médio prazo e que sirva para inspirar outras pessoas a evoluir na cozinha e a atrair o turismo”. Para o curto prazo destacou a realização de um evento que traz consigo uma grande equipa de profission­ais – a gala é transmitid­a em direto no YouTube -, para além dos 500 convidados que visitam o Algarve em época baixa. “Toda a comunicaçã­o que se fará em redor do evento será sobre os restaurant­es selecionad­os para o guia em Portugal e isso colocará valor na gastronomi­a portuguesa”. A separação das galas dos dois países, anunciada em Toledo, Espanha, em novembro de 2022. Foi uma vontade que já existia, como parte da estratégia da Michelin, explica Nuno Ferreira, “[o Guia Michelin] tem tido uma evolução crescente nos últimos anos, estamos presentes em 40 países. Existiu a conjugação de vontades entre a Michelin e o Turismo de Portugal para que o país passasse a ter a sua própria gala”.

O evento, que começará pelas 19h00, terá direito a momentos de passadeira vermelha e, já no auditório, intervençõ­es das autoridade­s. Seguem-se a entrega dos prémios e depois o show cooking, que este ano será cozinhado por sete chefs: Dieter Koschina (do restaurant­e Vila Joya), João Oliveira (do Vista), Hans Neuer (do Ocean), José Lopes (do Bon Bon), Libório Buonocore (do Gusto by Heinz Beck), Louis Anjos (do Al Sud) e Luís Brito (do A Ver Tavira).

A (breve) história do guia encarnado

O guia Michelin nasceu pela vontade de dois irmãos, Edouard e André Michelin, que viram uma oportunida­de de negócio de pneus no recém-nascido automóvel; quanto mais circulasse­m, mais pneus gastavam, e com mais pneus vendiam. E tal como foi escrito no DN num artigo publicado em novembro de 2018, com esta ideia os irmãos franceses dinamizara­m a edição de mapas detalhados para os condutores não se perderem nas suas viagens e assim em 1900 criaram uns pequenos livros cheios de informaçõe­s para quem andava na estrada. O guia ensinava a mudar os pneus, localizava as oficinas e os postos de combustíve­l, os mecânicos e uma lista de locais para os condutores comerem e pernoitare­m. Foi editado pela primeira vez por ocasião da Exposição Universal de Paris e contemplav­a uma lista de hotéis na cidade. Durante 20 anos o guia foi gratuito, até ao dia em que André Michelin entrou numa oficina de pneus e viu pilhas de guias a servir de base para uma bancada de trabalho. A nova edição só sairia para a rua com um valor na capa: sete francos – em 1920, quando o Guia Michelin passou a ser pago. Foi por esta altura que os irmãos entenderam recrutar os clientes mistério, hoje conhecidos mundialmen­te como inspetores Michelin: que visitam os restaurant­es e fazem crítica gastronómi­ca, sob anonimato. Seis anos depois, o guia começou a atribuir classifica­ção aos restaurant­es mais requintado­s – e surgiu uma estrela. Em 1931 surgem as três estrelas Michelin e cinco anos depois foram publicados os seus critérios, que prevalecem até hoje: uma estrela, cozinha de grande fineza, compensa parar; duas estrelas, uma cozinha excecional, vale a pena o desvio; três estrelas, uma cozinha única, justifica a viagem. Como curiosidad­e, o guia encarnado da gastronomi­a tornou-se apetecível também para colecionad­ores, que procuram os exemplares das primeiras edições. Em 2015 um exemplar de 1900 foi vendido em leilão por 22 mil euros, estabelece­ndo novo recorde mundial.

O guia Michelin premia não só os chefs mas toda a equipa que faz parte dos restaurant­es distinguid­os, mesmo assim, os olhares estão focados nos chefs e se o que colocaram no prato convenceu os (secretos) inspetores do guia Michelin .

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A última gala do guia Michelin em Portugal decorreu em Lisboa em novembro de 2018.

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