Em 2012, inspirado no modelo butanês, foi pela primeira vez publicado o World Happiness Report, uma espécie de ranking dos países mais felizes do mundo patrocinado pela ONU. Curiosamente, ou talvez não, o Butão não lidera este ranking. Ainda mais curiosam
A8800 quilómetros daqui, encaixado entre os dois maiores impérios demográficos do globo (Índia e China), existe um pequeno reino movido a felicidade. É essa a grande indústria exportadora do Butão, desde que Jigme SingyeWangchuck, o quarto rei de uma monarquia criada no início do século XX, ascendeu ao trono em 1972 com apenas 17 anos e um mantra revolucionário: “A felicidade interna bruta é mais importante do que o produto interno bruto”. Desde então tem sido essa a imagem associada internacionalmente ao reino do Butão: a de que aqueles cerca de 800 mil butaneses espalhados por idílicos 38 mil quilómetros quadrados de florestas, vales e montanhas no extremo leste dos Himalaias são as pessoas mais felizes do planeta.
O Butão como um pedaço de céu na Terra vive no imaginário ocidental, como um raro e longínquo modelo holístico de governação. A Felicidade Interna Bruta (FIB) que se tornou o centro das políticas públicas no reino – onde todos os cidadãos têm saúde e educação gratuita, tal como grande parte da eletricidade e outros bens essenciais – atraiu grande interesse internacional, desde gabinetes de sociólogos e de economistas até à própria sede das Nações Unidas, onde o exemplo do Butão apresentado como paradigma de um desenvolvimento alternativo abriu portas a toda uma indústria global de felicidade que, aos poucos, vem desafiando a tirania dos indicadores macroeconómicos na conceção dos modelos de desenvolvimento.
Em 2012, inspirado no modelo butanês, foi pela primeira vez publicado o World Happiness Report, uma espécie de ranking dos países mais felizes do mundo patrocinado pela ONU. Curiosamente, ou talvez não, o Butão não lidera este ranking. Pelo contrário, no último ano em que surgiu representado, em 2019, estava mesmo na metade inferior da tabela, num pouco feliz 95.º lugar. Afinal de contas, mesmo não sendo o mais importante, a riqueza também parece influenciar alguma coisa na obtenção de um Estado de felicidade e o pequeno reino budista faz parte da lista de “países menos desenvolvidos” da ONU.
Ainda mais curiosamente, ou talvez não, o país mais feliz do mundo é, há seis anos consecutivos, a Finlândia. A fria Finlândia onde o sol quase não brilha no inverno e que, até há bem poucos anos, era mais conhecida por ser o país com mais saunas, mas também depressões, suicídios e bandas de heavy metal por metro quadrado, além de elevados consumos de álcool e antidepressivos. Não é que não acreditemos que os finlandeses também sabem divertir-se (houve até uma primeira-ministra que foi notícia por isso, há não muito tempo), mas, convenhamos, não seria a resposta mais óbvia para ninguém. Ao que parece, segundo as reportagens feitas a cada ano a propósito do feliz título, nem sequer para os próprios.
Embora não possamos chamar os finlandeses de pobres (muito longe disso), a verdade é que também não é o seu PIB que faz deste, aparentemente, o país mais feliz do mundo. Aliás, nenhuma das dez economias mais poderosas do mundo aparece no top10 do Relatório Mundial da Felicidade.
Mas então qual é, afinal, o segredo para se ser feliz? Os estudos convergem em alguns pilares do nirvana finlandês – na verdade, será mais um nirvana nórdico, pois também não faltam Dinamarca, Suécia, Islândia e Noruega no top 10 mundial da felicidade. Ao que parece, os finlandeses valorizam a equidade na distribuição de rendimentos (aparentemente, CEO a ganhar 200 vezes mais do que o rendimento médio dos seus trabalhadores não são bem vistos por lá), prezam a confiança no funcionamento das suas instituições (com pouca tolerância para corrupção ou clientelismos) e apreciam a qualidade dos serviços públicos, tendencialmente gratuitos: o sistema escolar público do país está entre os melhores do mundo, a faculdade é gratuita, há uma boa rede de assistência às crianças e às famílias e um sistema de saúde universal e eficaz que nas últimas décadas fez reduzir consideravelmente as elevadas taxas de suicídio e de alcoolismo do passado.
O famoso modelo nórdico, tão acenado por todo o mundo, à esquerda e à direita, conforme as conveniências, parece de facto satisfazer os seus cidadãos. A tal ponto, pasme-se, de estes nem se importarem muito de pagar elevados impostos para o suportar – em jeito de anedota, conta-se até que a Finlândia será o único país no mundo onde prometer subir os impostos pode mesmo render votos.
Ora, por cá, como sabemos, estamos bem longe dessa realidade. Nem precisamos de consultar o Relatório Mundial da Felicidade, de cuja edição inaugural (em 2012) éramos o destacado último classificado e, na mais recente versão, aparecemos num modesto 56.º lugar. Com mais uma campanha eleitoral em marcha, por que não fazemos como butaneses e finlandeses e exigimos a felicidade?