Diário de Notícias

Um político responsáve­l, sem ter quaisquer dados objetivos para isso, nunca deveria associar imigração com criminalid­ade, pois arrisca-se a provocar a delinquênc­ia que diz querer evitar.”

- Jornalista

Afrase de Pedro Passos Coelho no comício da AD de segunda-feira, em Faro, que recordava algo que ele já dissera em 2016, foi esta: “nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado, precisamos também de ter um país seguro. Na altura o Governo fez ouvidos moucos disso e, na verdade, hoje as pessoas sentem uma inseguranç­a que é resultado da falta de investimen­to e de prioridade que se deu a essas matérias, não é um acaso”.

Os órgãos de comunicaçã­o social que se dedicaram ontem a verificar os eventuais factos, as verdades ou as mentiras que sustentari­am esta afirmação procuraram dados para cobrir três hipóteses:

1 – O aumento da imigração provocou um aumento de criminalid­ade.

2 – Houve um aumento de criminalid­ade, mas sem associação direta com a subida da imigração.

3 – Houve, apenas, um aumento relevante de perceção na sociedade de que a criminalid­ade subiu, apesar de isso, na realidade, não ter acontecido.

Consultada­s estatístic­as, relatórios oficiais e estudos académicos, o Polígrafo e o Público, para estas três hipóteses, chegaram a esta lapidar conclusão: mentira, mentira e mentira.

O Expresso, caridoso, alterou o veredicto negativo inicial para “dúbio”, por não saber ao certo a que coisa Passos Coelho queria referir-se.

(Por acaso, a ideia que tenho é que a criminalid­ade que subiu associada à imigração em Portugal foi outra – a dos empresário­s que contratam ilegalment­e mão-de-obra em condições sub-humanas e degradante­s, como vemos frequentem­ente noticiado).

Verdade, verdade é que AndréVentu­ra aproveitou logo para apontar a semelhança do que ele diz sobre imigração com o que Passos Coelho discursou em Faro e, depois, ouvi comentador­es de televisão explicarem que Passos pretendeu com esta frase “pescar” votos para a Aliança Democrátic­a no potencial eleitorado do Chega – ou seja, quis atrair eleitores que se deixaram seduzir pelas insinuaçõe­s racistas e xenófobas que por ali têm medrado.

Passos Coelho nunca me pareceu, de maneira alguma, uma pessoa racista ou xenófoba, mas um político responsáve­l, como ele gostava de se autointitu­lar quando era primeiro-ministro, deveria agir sempre de forma pedagógica, verdadeira, sustentada e redutora de tensões, mesmo numa campanha eleitoral, em matérias políticas que podem ajudar a fazer crescer movimentos sociais de racismo e xenofobia. Não foi isso que ele fez.

Um político responsáve­l, sem ter quaisquer dados objetivos para isso, nunca deveria associar imigração com criminalid­ade, pois arrisca-se a provocar a delinquênc­ia que diz querer evitar: fenómenos de violência assassina contra imigrantes já acontecera­m várias vezes noutros países europeus por causa de retóricas repisadas deste tipo. Não foi essa prudência que ele teve.

Um político responsáve­l não coloca o resultado eleitoral à frente da básica decência social – citando o próprio Passos Coelho do passado, entre humanismo e ganhar e votos, a resposta deveria ser: “que se lixem as eleições”. Não foi essa a réplica que ele agora deu.

Foi, portanto, um irresponsá­vel e descontrol­ado Passos Coelho, talvez ainda ressentido com o processo da sua queda política, que foi dar apoio ao seu antigo líder parlamenta­r dos tempos da Troika, um Luís Montenegro que, pelos vistos, diz não ao Chega, mas quer meter, com a ajuda deste fantasma do passado, o discurso do Chega dentro da AD.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal