“Tenho esperança que o filme ajude a uma meditação”
Estreia esta quinta-feira o novo filme de Matteo Garrone, Eu Capitão, ensaio sobre uma odisseia da migração, de Dakar à Sicília. Está nomeado ao Óscar de melhor filme internacional por Itália. O realizador conta ao DN como foi rodar esta aventura humana s
Numa altura em que quase todos os filmes nomeados aos Óscares já foram vistos em Portugal, esta semana chega mais um candidato, a proposta italiana para melhor obra internacional, Eu Capitão, de Matteo Garrone. Quase, porque fica mesmo só a faltar American Fiction, o brilhante filme de Cord Jefferson que não estreará mesmo nos ecrãs portugueses.
Eu Capitão, depois da derrota nos Prémios do Cinema Europeu, explora a saga de dois adolescentes senegaleses que fogem de casa com o sonho de chegarem à costa italiana numa viagem onde vão enfrentar tortura, sofrimento e terríveis provas de superação. Um inferno do deserto ao mar que é baseado numa pesquisa sobre as odisseias de muito migrantes africanos. O filme esteve em competição no Festival de Veneza onde venceu o prémio de realização no Festival de Veneza.
Depois de Pinóquio, Garrone aborda com liberdade poética um dos grandes flagelos da nossa época: a crise migratória do Mediterrâneo. Em Veneza, confessou ao DN que Eu Capitão foi um filme que lhe levou anos da sua vida: “tentámos mostrar uma das partes das viagens dos migrantes que os ocidentais desconhecem. Estamos habituados apenas a ver as imagens dos migrantes no Mediterrâneo nos barcos com mortos e sobreviventes a chegar à Europa... A ideia aqui era dar um contra-campo destas pessoas que não são apenas números. Tentei uma viagem cujo ângulo é novo. É de África para a Europa o olhar e não o contrário. Nós na Europa não imaginamos parte dessa viagem... É por isso que conto esta epopeia de forma subjetiva. Claro que sabemos das torturas na Líbia e das mortes na travessia do deserto mas quis mostrar isso visualmente e dar uma autenticidade forte a isso tudo. Neste filme cujo tema era tão delicado precisei da verdade, não era fácil e até era perigoso cair numa certa retórica. O que vemos surge de testemunhos daqueles que viveram tudo isso. Ao mesmo tempo, procurei ser extremamente simples e é por isso que quis fazer este filme com os miúdos e deixar-me guiar por eles. Quis ainda que o meu ponto de vista fosse o deles, não é por acaso que os jovens atores estavam atrás do monitor a dar-me as suas opiniões. Só assim consegui fazer um filme que não fosse didático”.
Influências
Seja como for, Io Capitano, no meio dessa verdade, não deixa de inventar planos oníricos onde vemos um dos meninos a imaginar que está a voar. De alguma forma, há elementos de Pinóquio mas com a mistura da influência de Gomorra (o filme que revelou por completo Garrone), mais explicitamente na aparição da violência e da ameaça da morte no destino desta viagem. Garrone sabe disso e quando lhe perguntamos se o sucesso deste filme pode ajudar a aumentar o debate sobre este flagelo diz que acredita que pode ajudar a sensibilizar: “sobretudo os jovens, era bom que fosse mostrado nas escolas e também aos adultos. Eu Capitão talvez possa ajudar a refletir sobre esta injustiça de direitos humanos. Passei alguns meses com estes rapazes e eles não compreendem como é que é possível que alguns dos seus compatriotas não possam viver livremente. Tenho esperança que o filme ajude a uma meditação sobre o privilégio dos jovens. Aqui não estamos a abordar a migração originada pela guerra, alterações climáticas ou situações extremas. É a migração daqueles que sonham e que estão expostos às redes sociais, é diferente – felizmente a maioria não arrisca tentar chegar à Europa e não enfrenta a ameaça da morte. Estes dois moços sonham com um estilo de vida diferente. Na vida real, os dois jovens atores nunca seriam capazes de fazer esta viagem, sabem que arriscariam a vida. Quero também que os jovens africanos vejam o meu filme, sobretudo para perceberem todos os riscos que podem enfrentar se decidirem um dia tentar chegar à Europa. Sei bem que o tema da migração é muito complexo”.
Filmar sem mostrar o argumento
Para o realizador italiano foi importante trabalhar com dois jovens de Dakar, Moustapha Fall e Seydou Sarr, este último vencedor do prémio de revelação em Veneza. Adolescentes que dão ao filme a tal frescura genuína: “para ambos estas filmagens funcionaram como um rito de iniciação. Eram rapazes, ficaram homens. Tem a ver com o facto de termos feito uma aventura. Aliás, o filme tem a estrutura clássica de um romance de formação e do próprio cinema de aventuras. De qualquer das formas, nenhum deles sabia o que se iria passar com as suas personagens, não leram o guião. Não lhes quis dar pois rodei tudo dia-a-dia, em sequência cronológica. Cada dia, uma nova aventura, décors novos! Como pessoas ou como personagens eram confrontados com coisas novas... O único problema foi com as sequências no mar, eles aí já tinham chegado à Sicília, bem ao contrário das suas personagens. Saíam do hotel, com piscina, e iam rodar. Foi uma chatice”, conta a rir. Agora o filme está na calha para os Óscares, ainda que longe do favorito inglês, Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, e da proposta de Wim Wenders no Japão, o belíssimo Dias Perfeitos.
A
Três coproduções, entre elas História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, a partir de Luis Sepúlveda, a estrear a 16 de março, constam da programação do 25.º aniversário do Teatromosca.
Criado em Sintra em 1999 e responsável, desde 2017, pela gestão e programação do Auditório Municipal António Silva (AMAS), o Teatromosca assinala os 25 anos de existência com coproduções com companhias nacionais, levando àquele espaço, em Agualva-Cacém, espetáculos de teatro, cinema, música e literatura para todas as idades, anunciou a companhia.
História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, um texto que “explora valores de solidariedade e de amizade entre espécies, como a vivência de crianças e jovens do mundo ao ar livre e a sua perceção sobre a destruição da natureza ou a extinção das espécies”, é a primeira estreia, numa produção conjunta com Hipérion Projeto Teatral, com encenação de Mário Trigo, acrescenta uma nota do coletivo.
No âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, estreará Nacional 2, uma coprodução com o Lama Teatro em parceria com a RTP Palco. Nacional 2, que estará em cena dias 1 e 2 de junho, “explora o papel das telecomunicações no fazer da Revolução” e “investiga como os ecos do dia 25 de Abril foram vividos em cidades, vilas e aldeias longe
História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar
de Lisboa, nomeadamente ao longo da Estrada Nacional 2 (EN 2).
Adrianopla, um texto escrito e encenado por Pedro Saavedra sobre “a amargura e a desilusão de utopias”, numa coprodução com O Fim Do Teatro, é a última produção conjunta e estará em cena até 29 de junho, com sessões de quinta-feira a sábado.
Produções a partir de obras de José Saramago, entre as quais Provavelmente Saramago, do artista brasileiro Vinicius Piedade com a associação cultural Musgo, em 13 de abril, e King-Kong: Quem é o tem encenação monstro?, da Alma d’Arame (02 de março) constam também da programação do Teatromosca para esta temporada.
A parceria com a Monstra – 23.º Festival de Animação de Lisboa continua através da sessão de cinema de animação para toda a família, Monstrinha – Pais e Filhos (9 de março), é outra das propostas da companhia que, em abril, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, vai “reinventar” o seu espetáculo Literaturinha – Romance do 25 de Abril.