Festa e (alguma) desilusão na gala Michelin Portugal
No total são agora 39 os restaurantes portugueses que ostentam à sua porta a placa encarnada com as estrelas do guia Michelin. Na gala de entrega das distinções houve celebração mas também um ligeiro amargo de boca para a gastronomia portuguesa.
Há um novo restaurante com duas estrelas Michelin em Portugal, o Antiqvvm, no Porto. O anúncio foi feito na noite de terça-feira, no Algarve, na primeira gala dedicada em exclusivo ao guia Michelin Portugal – até então era organizada em conjunto com Espanha. Vítor Matos foi o chef da noite. Venceu a segunda estrela para o seu restaurante Antiqvvm, viu um dos seus projetos mais recentes, o 2 Monkeys em Lisboa (em parceria com o chef Francisco Quinta), receber a primeira estrela, e a chef Rita Magro, que faz parte da sua equipa do restaurante Blind, no Porto, recebeu o prémio de jovem chef do ano.
No final da gala,Vítor Matos mostrava-se um pouco surpreendido pela segunda estrela que vai afixar à porta do Antiqvvm, “não estava nada à espera [de receber a segunda estrela Michelin] porque não é só um prémio, é uma responsabilidade muito grande perante os clientes que nos visitam todos os dias. Isto quer dizer que agora vamos pensar em mais, o que não quer dizer fazer mais, mas sim pegar no produto, não o estragar e respeitá-lo”. Na conversa com os jornalistas minutos após ter recebido a jaleca com as duas estrelas bordadas a encarnado no peito, recordou o início da carreira: “A minha cozinha, no início era apelidada de ‘barroca’, porque na altura colocava muitos ingredientes no prato, com muito sabores e pratos muito complexos, e cada vez mais tenho regredido nisso. Hoje tenho sabores mais lineares, com cerca de 90% de produtos portugueses, e faço uma cozinha delicada sem nada que choque no prato”.
Foi notória alguma desesperança nos rostos de alguns chefs que estavam à espera que numa gala dedicada em exclusivo à gastronomia portuguesa fosse anunciado o primeiro restaurante com três estrelas a ser incluído no guia – que há quase 100 anos aconselha restaurantes no país.Vítor Matos confessou a sua desilusão, “parece que ainda falta alguma coisa”. Sobre os outros dois prémios – estrela no 2 Monkeys e prémio jovem chef –, Vítor Matos enalteceu o trabalho da nova geração, “cada vez mais vejo jovens que dão a alma pelos projetos, que trabalham de manhã à noite. Aqui na gala vi alguns que já trabalharam comigo e estão agora a ganhar prémios e isso é muito importante, dão alento à minha vida, porque no fundo, ser chef é gerir pessoas”.
Henrique Sá Pessoa é outro dos chefs com um restaurante com duas estrelas Michelin. Na edição de 2024 do guia encarnado, o seu Alma mantém a mesma categoria. Ao DN sublinhou minutos após o término da cerimónia, o orgulho que sentiu pela equipa que lidera mas também um certo alívio em manter as estrelas, “nunca sabemos como correm as inspeções da Michelin e no último ano existiram mudanças importantes na equipa do restaurante e existia sempre algum receio, mas a equipa manteve-se focada”.
A espera pela terceira estrela continua também para Sá Pessoa. Instigado sobre o que falta para esse passo ser dado, o chef disse ser uma pergunta que deve ser feita aos inspetores da Michelin, mas continua confiante que aconteça no próximo ano, “esta foi a primeira gala dedicada em exclusivo ao nosso país e o resultado geral foi muito positivo, tivemos novas estrelas e muitos restaurantes recomendados e na categoria Bib Gourmand, o guia está a crescer estou confiante de que vamos ter mais surpresas no futuro”.
Mulheres sem estrela
Se no início da cerimónia, apresentada por Catarina Furtado, e que levou centenas de convidados ao centro de congressos do hotel Nau Salgados, no Algarve, o ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva, sublinhou o desejo de ver, naquela noite, uma mulher a receber uma estrela Michelin. Uma das apostas para ganhar uma eventual estrela este ano, a chef MarleneVieira, – que em Lisboa tem o restaurante Marlene (e o gastro bar Zunzum) – não escondia algum desalento por não ter visto ainda nenhum restaurante liderado por mulheres ser distinguido com uma estrela. “Pelo vistos as mulheres não são suficientemente boas para tal, isto ao olhar dos inspetores da Michelin”. “Sinto que fiz o melhor. Os clientes têm dado feedback muito positivo sobre a cozinha de excelência que fazemos. Mas não consigo dizer qual a razão por que nenhuma das chefs com restaurantes em Portugal subiu ao palco esta noite, é pena”. Apesar disso, estava feliz pelo marido, o chef João Sá, que conquistou a primeira estrela para o seu restaurante Sála, em Lisboa. Em conversa com o DN, à porta do centro de congressos enquanto saboreava os primeiros minutos com a jaleca da Michelin vestida, o chef sublinhou os cinco anos de um restaurante “independente, com capitais próprios e que paga as suas contas”. Recorda a conversa que teve com a sua equipa há mais de um ano para trabalharem para a estrela Michelin, “perguntei se queriam lutar pela estrela, sem obcecar, sem criar mau ambiente e conseguindo desfrutar do trabalho feito... o Sála está numa rua em Lisboa fora da órbita do que é um restaurante clássico para ganhar uma estrela, mas sei que tem alma, que não é só minha é de toda a equipa”. Sobre o futuro, João Sá não quis adiantar detalhes. “Agora é perceber, em termos de negócio, se se deve continuar a rodar mesas ou não, mas não queria mudar muito o restaurante. Vamos desfrutar do prémio com a equipa para depois decidirmos em conjunto o que fazer”. Ricardo Costa, o chef do The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, manteve a segunda estrela Michelin, o que considera “uma responsabilidade muito grande”. “Todos os anos trabalhamos para mais, mas ter duas estrelas é algo superior, sobretudo num país como o nosso, ter duas é quase como ter três, é muito trabalho ao longo do ano e muita responsabilidade. Sou um aficionado do guia Michelin independentemente de acharmos que as estrelas são justas ou não, mas eles foram aos nossos restaurantes, comeram, pagaram a conta e avaliaram-nos. Se calhar ainda precisamos de polir um pouco mais para dar um passo em frente [as três estrelas. Temos de continuar a aperfeiçoar o nosso trabalho e acreditar que um dia vai acontecer”, explicou ao DN antes ir celebrar com os colegas de profissão o trabalho de mais um ano.